Para Renato Teixeira, 70, basta deixar “as coisas correrem no ar” que elas acontecem. Sem a cobrança do tempo no relógio ou das interrogações pedindo respostas. É assim na Serra da Cantareira, reduto onde ele e Almir Sater, 59, dividem terra, cafés, dia a dia, prosa sobre galinhas, peixe frito, lendas caipóras e canções, muitas canções cantadas até o dia raiar ou a noite cair, tanto faz. Mas, mesmo com três décadas de amizade, os dois nunca cogitaram gravar um disco juntos. Até que... “Há três anos, a gente estava tocando e cantando como sempre, um na casa do outro, e decidimos compor, gravar juntos, enfim. Assim, de supetão. Só estabelecemos uma condição para fazer o disco: não ter prazo para acabar”, diz Renato.
“Ar” (Universal Music), recém-saído do forno, carrega dez canções inéditas de Renato Teixeira e Almir Sater, compostas sem o toque da pressa ou da exigência. Mesmo com tantos pedidos de fãs e até da família Teixeira Sater. “O irmão do Almir esteve casado com minha filha e formamos uma família além da parceria artística. Então, até nas nossas casas as pessoas perguntavam quando iríamos gravar. Mas a gente nunca quis fazer um produto que fosse obrigado, comercial, que não estivesse de verdade nos nossos corações”, revela Renato.
Fato é que o coração da dupla autora do clássico “Tocando em Frente” continua batendo forte por uma raiz interiorana de simplicidade – “a única morada da felicidade”, como rima Renato. Durante três anos, os dois seguiram apenas a falta de rotina caseira na Serra da Cantareira, movida pela filosofia de “não combinar para compor, a hora que der, passa aqui em casa e a gente trabalha”. Com papel e caneta em mãos, Renato Teixeira talhava as letras, enquanto Almir Sater debulhava as melodias. “Quando escrevia alguma coisa que Almir não gosta, em vez de ele falar que não gosta, ele mudava a melodia e me obrigava a mudar a letra. É genial de tão generoso”, diz Renato.
Nesse clima fraternal, a roupagem de “Ar” ganhou os detalhes sonoros do produtor norte-americano Eric Silver, amigo da dupla há mais de 20 anos, e que trabalhou com Paula Fernandes, Titãs, NXZero, Negra Li e Shania Twain, por exemplo. É de Silver a pegada country que aparece em banjos e até em solos mais invocados de violões, dialogando em perfeita sintonia com as violas, a base de todo o disco.
“Não quisemos estar dentro dos grandes estúdios, inventar moda. As melodias são extremamente simples e delicadas, até mesmo nas músicas mais fortes, como ‘Bicho Feio’, numa pegada country mais forte, de balada. E a balada é a base da música caipira, que inspirou a música do Brasil todo, claro”, diz Renato.
Se por um lado Almir Sater mostra sua virtuose sem precisar “meter a mão no instrumento”, como comenta seu parceiro sobre as construções harmônicas do álbum a partir de violões e violas, por outro, Renato Teixeira se apresenta em plena efervescência criativa para escrever em tom direto.
“D de Destino”, que abre o álbum, expõe a pequenez do ser humano diante ao seu próprio ego (“quero viver muito além das fronteiras / dos que só sabem ser pedras de atiradeira”). A delicadeza de “A Primeira Vez” parece beijar versos quase infantis e uma melodia que nasceu clássica pelas mãos de Almir Sater, tendo como referência a viola e a sanfona (“todo homem vivido como eu / tem muitas horas / de repente o tempo apareceu / cheio de lembranças / o primeiro olhar / o primeiro azul / quando eu mudei”).
A modernidade dos arranjos, sem invenções descabidas, confere a Sater e Teixeira vida longa ao que eles chamam de música de raiz – tendo em sua espinha vertebral a viola e a sensibilidade, sem medo de preciosismos ou vanguardismos ultrapassados. Pelo contrário, com “Ar”, a dupla prova que até as composições mais românticas, como “O Amor Tem Muitas Maneiras”, encontram uma infinidade de inspirações nada piegas, que parecem brotar da terra.
“Em qualquer lugar do mundo, a música vem da terra. No country norte-americano, na Europa, no Japão. Sempre há um pé no chão, um contato de humildade com a vida de verdade. É isso o que eu e Almir fazemos há mais de 30 anos: “deixamos essa sensibilidade falar”, diz Renato.