Entrevista

Responsável pelo MECAInhotim fala sobre a quinta edição do festival

Maíra Miranda ressalta a importância do evento cultural para Brumadinho após tragédia da Vale

Por Renato Lombardi
Publicado em 12 de maio de 2019 | 03:00
 
 
 
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O MECAInhotim chega à sua quinta edição neste ano e acontece poucos meses após a tragédia que vitimou mais de 200 pessoas. Cogitou-se adiar o evento por isso?

Neste ano, a gente teve um desafio a maior, que foi o de ter tomado a decisão de manter o festival, considerando e respeitando todo o contexto que Brumadinho viveu em janeiro. Tivemos um tempo para entender como manteríamos o MECAInhotim e se o manteríamos. Após realizarmos visitas à cidade e conversarmos com moradores, vimos o quanto o festival poderia contribuir para que uma energia nova voltasse para Brumadinho numa dinâmica diferente, muito ligada ao turismo. 

De que forma o festival pode contribuir para a cidade?

Nós, do MECAInhotim, sabemos que Brumadinho era predominantemente dependente da economia da mineração. Reconhecemos o potencial que a região tem e acreditamos que a recuperação e a retomada da autoestima e da economia vão ser muito ricas se passarem pelo resgate do turismo. Recebemos feedbacks legais, e a cidade está com praticamente todas as lotações (hotéis e pousadas) ocupadas por conta do festival. Em um contexto em que acompanhamos o fechamento de pousadas (e outras em vias de fechar com o cancelamento de todas as reservas que estavam agendadas), o festival deu essa reavivada no setor em Brumadinho e também na autoestima dessas pessoas. A gente teve depoimentos de pessoas que falaram: “Poxa, o festival é a esperança que a gente tem, pelo menos imediata, de olhar para a frente e parar de pensar só na tragédia. A gente viveu um momento de muita dor, mas agora a gente está precisando seguir adiante”. Foram essas falas que nos encorajaram a fazer do show deste ano um desafio de renovar a energia da cidade, com muito respeito por essa memória de uma dor muito recente. A gente já movimentava, todo ano, a economia local; já esgotava os leitos da cidade. Acredito que neste ano esse movimento de ocupar Brumadinho é o que teve muito mais valor.

Esse movimento, para você, surgiu por as pessoas entenderem a situação pela qual a cidade passa?

Eu acho que foi uma descoberta local, dos moradores da cidade, de que eles precisam enxergar por outra ótica. Acredito que Inhotim virou um ponto que eles olham e podem mirar para outros caminhos que não seja a mineração. É claro que a gente está falando da interface turística da cidade. Dentro desse contexto, o festival é um fôlego e um oxigênio para a cidade seguir adiante.

A edição deste ano foi pensado nesse fôlego?

Começamos a pensar no festival um ano antes. A tragédia aconteceu em janeiro, o MECAInhotim já estava desenhado, as atrações já estavam praticamente confirmadas. O rompimento da barragem acrescentou essa questão, de forma geral, e foi espontâneo para todo mundo que está participando. Os artistas se engajaram mais por isso. O grande lance neste ano foi ver o que pode ser feito adiante. 

A tragédia vai ser lembrada no festival?

Hoje, o MECAInhotim segue o fluxo que ele sempre teve, e vamos incluir o questionamento e o debate, na nossa programação de palco e workshops, sobre o que aconteceu em Brumadinho, pra manter viva essa memória e manter um espaço para compartilhar soluções e proposições. Brumadinho vai estar na programação do MECAInhotim como um tema que precisa ser discutido.

Vai ter homenagens às vítimas?

Não temos uma programação específica para isso. Dentro do festival vamos buscar focar o positivo. Vamos ceder o espaço da fala para as pessoas da comunidade, para quem acompanha essa história desde janeiro, para que elas tragam essas memórias. Foi um feedback que ouvimos muito nas visitas que fizemos a Brumadinho: “Ajuda a gente a passar uma nova imagem para a imprensa. O luto já aconteceu, está acontecendo, e o que a gente precisa é levar uma notícia boa daqui”. Então, acreditamos que a nossa melhor contribuição é levar essa notícia boa para quem está lá mudar de perspectiva e pra quem está fora ver que o caminho precisa seguir. De modo geral, a gente vai focar o futuro e a esperança de mudança, de transformação e o que podemos fazer.

Qual é o papel da plataforma MECA em Brumadinho atualmente?

Lançamos um fundo pró-Brumadinho, em fevereiro, como meio de arrecadar recursos, para que tivéssemos ações focadas na cidade que fossem além do festival. O MECAInhotim deste ano é muito especial, porque ele vai dar vida a outros projetos que não só o festival. Ele é, de fato, uma experiência imersiva dentro do museu, e neste ano assumimos o desafio de ter um planejamento para a cidade de Brumadinho, focada exclusivamente lá. São projetos maiores para o segundo semestre, de que eu ainda não tenho informações para antecipar. Acho legal dizer isso. Vamos fazer um projeto muito maior focado na cidade, para além do museu, para além dessa experiência imersiva, focado em realmente movimentar o turismo local de Brumadinho e da região. 

Esses novos projetos são mais abrangentes?

Vamos fazer algo mais abrangente dentro da nossa expertise, que é a cultura. Só que a diferença é que vamos lançar projetos para a cidade, que contempla os moradores e a cidade. 

É um incentivo para os moradores se redescobrirem?

Exatamente. Acreditamos que a própria cidade tem que ser protagonista dessa transformação. A mobilização civil tem um poder muito forte para esse renascimento. Então, vai ser uma forma de estimular a cidade a refletir e a explorar outros caminhos. Será um grande projeto, cujo o foco é a cidade, não receber gente de fora.

O fundo pró-Brumadinho é uma iniciativa de curto ou longo prazo?

O fundo tem a perspectiva de durar entre um e dois anos. Ele continua ativo, recebendo doações de pessoas físicas ou jurídicas. Toda a verba arrecadada vai ser destinada a esses projetos do segundo semestre. O fundo é um organismo meio vivo. Se o comitê fundador vê a perspectiva de manter mais um ano e desenha um novo projeto para a destinação de recursos, vamos mantê-lo arrecadando verba para novos projetos, para aplicar esse recurso. 

O MECAInhotim terá uma sexta edição?

Estamos pensando, sim. Algumas coisas que acontecem estimulam a gente a refletir. Então, esses projetos que nasceram com foco em Brumadinho neste ano são uma iniciativa que a gente quer absorver e sempre pensar no entorno da cidade que abriga o festival. A intenção é realmente manter essa proximidade com a cidade por mais anos. Acho que o desafio que Brumadinho trouxe neste ano, a gente vai assimilar como uma grande conquista de manter uma aproximação muito maior com a cidade do que antes. Ou de fortalecer essa aproximação, que já existia, mas de fazê-la virar protagonista. Que o estreitar de laços que vai acontecer neste ano seja duradouro também.

Agenda. A quinta edição do MECAInhotim acontece entre os dias 17 e 19 deste mês no museu Inhotim, em Brumadinho. Entre as atrações estão Gilberto Gil, Pitty, Tulipa Ruiz, Céu, Duda Beat, MC Tha, Castello, Lamparina e a Primavera. Os ingressos por dia variam de R$ 90 a R$ 280. O passaporte para os três dias sai a R$ 720 (inteira). 

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