É difícil dizer como surge um herói. Até porque eles, na maioria das vezes, preferem guardar as informações que derrubariam toda a mística em torno de suas personas. A exemplo de um Godzilla ou King Kong, Manicongo encara a cidade como uma pequena maquete a seus pés, em consequência de seu tamanho monumental. Em torno dele, Saturno com seus anéis, o planeta Terra e a Lua o reverenciam, certos de estarem diante do Sol. Na cintura e nos braços, Manicongo ostenta adereços de palha, típicos de tribos indígenas.
O conjunto de imagens ilustra a capa do novo álbum de Rincon Sapiência, 34, com clara inspiração nas HQs. Antes de lançar o primeiro disco, “Galanga Livre”, em 2017, ele chegou a atender por Rincon X, MC Shato ou Manicongo, o herói que retorna na saga musical de “Mundo Manicongo: Dramas, Danças e Afroreps”, cujo repertório ele apresenta nesta sexta (6) em BH, junto a outros sucessos da carreira. “Fui uma criança fantasiosa, gostava de desenhos, quadrinhos, séries. Deixei aflorar esse meu lado lúdico, representando também a minha quebrada”, conta Rincon.
Nascido e criado na zona Leste de São Paulo, ele ressalta que, “antes de ser alfabetizado”, aprendeu a ler com as histórias em quadrinhos. Curiosamente, o próprio Rincon virou personagem da coleção “Rap em Quadrinhos”, criada pela dupla Wagner Loud e Gil Santos. Ali, ele aparece numa versão do Super Choque, herói cujo corpo é uma poderosa fonte de energia. Pois é exatamente o corpo que Rincon usou como arma em seu novo trabalho, ao estreitar os laços com “funk, samba, maracatu, ciranda, brega e outros elementos da diáspora africana”, observa.
“Podemos dançar em forma de combate, manifesto, expressar vários sentimentos. Tradicionalmente, havia danças para a guerra, lutas e cerimônias fúnebres. Entendi que eu poderia aproveitar o pop do continente africano que tanto me influenciou para aplicar a dança a outros discursos, além do momento festivo”, destaca o rapper, que resolveu “aumentar a dose” dos movimentos corporais no CD. Uma prova é o videoclipe de “Meu Ritmo”, parceria com o octogenário percussionista Famoudou Konatè, natural de Guiné.
Com um time de 11 dançarinos e dançarinas, a letra dispara: “É o fluxo onde as caixa treme/ É o reflexo, é o bumbum que mexe/ Da quebrada nóis tá saindo/ E na nossa conta tá entrando cash”. “É difícil saber quem a sua música vai atingir, qual classe social e quais pessoas, mas, por ser da periferia, eu acho importante estar presente não apenas no discurso, e sim no dia a dia daquelas pessoas com as quais me identifico. Eu quero chegar aos bares, carros, jukebox, aniversários. É nesses momentos de afeto que a conexão com o nosso semelhante se fortalece”, avalia Rincon.
Esse encontro acontece nas participações do álbum. Ao contrário da estreia, dessa vez o anfitrião resolveu se cercar de uma gama diversa de convidados. “No primeiro disco, eu tive vontade de imprimir a minha assinatura; nesse segundo, fiquei mais a vontade para chamar a galera, mesmo porque a direção e a produção musical são minhas”, pontua. Ao longo de 13 faixas autorais, ele recebe Lellê, Duquesa, Rael, Mano Brown, Gaab, Audácia e Àttooxxá.
“O rap está cada vez mais plural, você tem artistas LGBT, muitas mulheres; e um pessoal de Rio, São Paulo, Minas, Bahia, Ceará, Curitiba, Brasília, cada um com a sua proposta, produzindo novas linguagens e ocupando cada vez mais espaços dentro do cinema, da música, da TV e da indústria do entretenimento”, defende o músico.
Aniversário
O show de Rincon Sapiência dá o pontapé inicial a uma série de atrações que vão tomar conta da capital mineira desta sexta (6) a 15 de dezembro. Para comemorar os 122 anos de Belo Horizonte, a prefeitura, por meio da Secretaria Municipal de Cultura, da Fundação Municipal de Cultura e da Empresa Municipal de Turismo de Belo Horizonte (Belotur), lança o Circuito Municipal de Cultura, que recebeu um orçamento de R$ 2,5 milhões para ampliar e organizar a programação cultural da cidade.
“Temos 17 centros culturais em nove regionais diferentes e estamos promovendo atividades em todos esses espaços, contemplando o público infantil, idoso e das demais faixas etárias”, afirma Bárbara Bof, diretora de Promoção dos Direitos Culturais da cidade. A apresentação de Rincon integra o projeto Descontorno, cujo nome já revela os objetivos. “Convidamos as pessoas para conhecerem a potência e as possibilidades de fruição da cidade, a partir de uma descentralização”, sublinha Bárbara. Jorge Ben Jor, Tamara Franklin, Sérgio Pererê, Maurício Tizumba, a Orquestra Sinfônica de Minas Gerais e espetáculos cênicos completam a programação.
Programe-se
Abertura do 6º Festival Descontorno e lançamento do Circuito Municipal de Cultura:
19h – VJ Suave
19h30 – Tamara Franklin
20h30 – Rincon Sapiência
Nesta sexta (6), embaixo do viaduto Santa Tereza. Gratuito.
A programação completa até o dia 15 de dezembro está disponível no site.