Descaso

Sem a mesma luz de outrora

Texto de Paulo Gustavo reclamando das condições do Palácio das Artes levanta discussão sobre momento do local

Por Raphael Vidigal
Publicado em 22 de janeiro de 2019 | 03:00
 
 
 
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Foi na pele de Dona Hermínia, sua personagem mais bem-sucedida, que o humorista Paulo Gustavo, 40, voltou ao palco do Grande Teatro do Palácio das Artes neste final de semana, dez anos depois de se apresentar pela primeira vez no local. Dias antes de entrar em cena, o artista tinha esgotado todos os ingressos para as duas sessões de “Minha Mãe É uma Peça”. No entanto, após as apresentações, o comediante usou o seu Instagram para vir a público relatar incidentes que o incomodaram, revelando que já pensa em se apresentar em outro local quando voltar à cidade.

“Beagá foi lindo demais! Mesmo com todos os percalços, como num determinado momento a luz do teatro ter apagado e o ar- condicionado ter pifado, o que foi superdifícil pra mim e para o público presente, ainda assim, foram duas noites lindas de espetáculo. A plateia de 4.000 pessoas foi muito carinhosa e generosa comigo”, escreveu. Em outro trecho, conta que não pretende voltar ao Palácio das Artes até que as soluções para os problemas ocorridos sejam encontradas e cobrou atitudes das autoridades.

“É triste ver um teatro tão bonito e cheio de história como esse nessas condições: sem cuidado e manutenção condizentes, sem zelo e respeito com relação a tudo o que ele representa para a cultura e para cidade de Belo Horizonte. Espero que o novo governo dê a devida atenção para que os espaços culturais funcionem adequadamente e que assim a arte continue viva”, completou o artista. No dia seguinte, coincidência ou não, divulgou um vídeo de Beyoncé com as mãos para o céu e a seguinte legenda: “Quando você acaba de entrar naquela loja com ar-condicionado”.

Em nota, a Fundação Clóvis Salgado, responsável pelo Palácio das Artes, admitiu o fato, mas negou que o ocorrido tenha relação com as recentes exonerações de funcionários comissionados. “Aos poucos e na medida das urgências, o governo do Estado está reconduzindo os servidores para suprir as necessidades em todas as áreas da administração pública. Com relação aos problemas técnicos ocorridos durante o espetáculo, lamentamos profundamente e salientamos que a atual gestão estadual está empenhada em averiguar todas as pendências e realizar os devidos reparos”, declarou a fundação, que desde o início do ano está sem presidente.

Bárbara Amaral, supervisora de produção do festival Teatro em Movimento, que trouxe Paulo Gustavo até a cidade, também enviou uma nota. “Foi com pesar que vivenciamos um final de semana de muita tensão e tristeza, com problemas na luz e um teatro sem ar-condicionado, prejudicando o artista e as 3.500 pessoas presentes. Devido à falta de funcionários na casa, por conta das exonerações que ocorreram no início do ano, fomos impossibilitados também de abrir uma sessão extra. Nós nunca havíamos vivenciado este tipo de situação no Palácio das Artes e terminamos este final de semana tristes em ver um dos espaços mais importantes da cidade sem o merecido cuidado”, disse.

Luz. A atriz Teuda Bara, do Grupo Galpão, que estava na plateia de “Minha Mãe É Uma Peça”, confirma que os problemas técnicos geraram desconforto, com a luz piscando em diversos momentos. “É um constrangimento você colocar 2.000 pessoas num teatro e não ter ar-condicionado. Um desrespeito com o artista e com o público”, disse a atriz.

Presidente do Sindicato dos Produtores de Artes Cênicas (Sinparc), que realiza a Campanha de Popularização Teatro & Dança, Rômulo Duque afirma que o problema na iluminação do teatro já era sabido.

“Fomos informados no início do ano de que havia um problema na mesa de luz e que seria necessário alugar um gerador. Chegamos a um acordo para o Sinparc arcar com o custo da taxa dessa locação, que depois será reembolsado para cada produtor”, conta Duque. “Não foi discutido nada sobre ar-condicionado, mas temos ouvido essa conversa há tempos, com muitas reclamações do pessoal do stand-up”, completa.

História. Inaugurado em 1971, o Palácio das Artes é considerado uma das maiores casas de espetáculo da América Latina. A estreia foi com a execução do oratório “O Messias”, do compositor alemão Friedrich Händel (1685-1759). Por lá também passaram o guitarrista americano B.B. King, a cantora chilena Mercedes Sosa e artistas nacionais como Tom Jobim e Elis Regina.

Descaso que vem de longe traz alerta aos produtores culturais

O ator e produtor Alexandre Toledo, que em fevereiro se apresenta no Palácio das Artes com a sua versão para “Boca de Ouro” (de Nelson Rodrigues), conta que “até hoje não teve o seu contrato assinado, pela falta de um presidente designado”. Ele acredita que a polêmica gerada a partir da postagem de Paulo Gustavo pode ajudar a solucionar essas questões. “Existe uma percepção de vários artistas da cidade de que o Palácio das Artes vem sendo deixado de lado. Talvez agora que o Paulo Gustavo colocou a boca no trombone eles tomem providências”, observa.

Rômulo Duque é outro que leva fé nessa teoria. “A gente torce para que a reclamação do Paulo Gustavo faça alguma diferença. Eles ‘gostam’ é de reclamação nacional, a local para eles faz pouca diferença”, ironiza. Toledo aponta como exemplos desse descaso o fim do Ballet Jovem e da Big Band, em 2015, além do movimento “Menos Palácio e Mais Artes”, que em 2017 reclamava da falta de professores para os cursos de formação da instituição. “É um desmanche”, lamenta.

Desde que assumiu o Teatro da Cidade, o diretor e gestor cultural Pedro Paulo Cava admite que passou a frequentar menos o Palácio das Artes. Apesar disso, ele aponta para um perigo real da falta de manutenção. “O Palácio precisa de um corpo técnico grande. Sem a devida atenção ele está em perigo, pode até pegar fogo novamente”, alerta. Em abril de 1997 o Grande Teatro sofreu um incêndio que atingiu teto e cadeiras. Os bombeiros levaram dois dias para apagar o fogo, e o teatro só foi reaberto mais de um ano depois.

Com duas passagens pela presidência da Fundação Clóvis Salgado, uma no governo de Tancredo Neves (1910-1985), de 1983 a 1984, e outra no de Itamar Franco (1930-2011), entre 1999 e 2003, Mauro Werkema acredita numa “gerência moderna e competitiva para superar as dificuldades”. “Não há no Brasil uma casa com a diversidade do Palácio das Artes”, conclui.

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