Assim como “O Som ao Redor”, “Que Horas Ela Volta?” e “Aquarius” nos últimos anos, o maior mérito de “Benzinho” é sua capacidade de fazer um retrato quase mediúnico do Brasil hoje. A imagem do filho que vai para fora do país – deixando para trás uma família cheia de questões não-resolvidas, uma casa velha em ruínas, e uma nova pela metade – é o reflexo perfeito de tantos jovens que têm partido para Lisboa, Canadá, ou outro destino, em busca de alguma esperança, abandonando um Brasil atualmente quebrado, estagnado entre o ímpeto da mudança e a manutenção de privilégios.

É claro que, quando começou a pensar e escrever o filme, há mais de três anos, Karine Teles não tinha como prever isso. Mas a atriz, que também protagoniza o longa, acredita que o retrato político mais macro que ela e o diretor Gustavo Pizzi desejavam fazer – desse próprio momento de transformação por que passa o país – ainda se sustenta. “O longa fala da necessidade de transformação. Aquela casa antiga, em que a mãe cuida dos filhos, o pai vai trabalhar, a irmã é abusada, não se sustenta mais. Está cheia de rachaduras e, se não mudar, vai cair na cabeça de todo mundo. E essa família dá as mãos uns para os outros e acredita que, se atravessarem juntos, vai dar certo”, ela descreve.

E não é por acaso que essa imagem da família de mãos dadas, atravessando a rua rumo ao mar, abre o longa que estreia nesta quinta-feira (13). O plano, com os personagens pequenos, quase esmagados, diante de um céu enorme, cheio de possibilidades e adversidades, é uma síntese do filme: uma obra delicada, sobre pessoas comuns e suas agruras cotidianas, que elas enfrentam com a ajuda do afeto que sentem uns pelos outros.

“Benzinho” começa quando Fernando (Konstatinos Sarris), o mais velho dos quatro filhos de Irene (Teles) e Klaus (Otávio Müller), é convidado para jogar handebol na Alemanha. Ao mesmo tempo em que precisa enfrentar essa separação precoce e inesperada, Irene tem que lidar com sua formatura no Ensino Médio, que ela acabou de completar; com a irmã Sônia (Adriana Esteves) que vem morar com eles numa casa caindo aos pedaços, fugindo do marido abusivo (César Troncoso); e com o fechamento da livraria do marido, um eterno sonhador à beira da falência.

O roteiro de Pizzi e Teles cria uma metáfora sutil e perfeita para essa versatilidade malabarista da protagonista na própria posição de Fernando. Uma das funções esportivas mais ingratas, o goleiro de handebol está ali para receber bolada e pancada de todos os lados, salvando os milagres que forem possíveis – com cada defesa sendo celebrada como uma vitória, um gol. E essa é basicamente a vida de Irene. “A gente tinha uma cena dela jogando no gol às vésperas da viagem do Fernando, mas acabamos cortando na montagem porque achamos que a metáfora já estava dita de outras maneiras no filme”, admite Karine.

Essa sutileza e essa recusa a mensagens óbvias e “grandes” cenas é um dos maiores méritos do longa. “Benzinho” é um filme pequeno, sem reviravoltas melodramáticas, e totalmente alicerçado em seus personagens – uma família comum, de gente barulhenta, desorientada, imperfeita. “É uma casa muito parecida com a da minha avó, sempre muita gente, muito primo, tio, muita criança, muito barulho”, conta a atriz. E tudo começa e termina neles: o humor vem dos adoráveis gêmeos filhos do casal (filhos de Karine e Gustavo na vida real); o drama vem do equilíbrio entre introspecção e explosão, dignidade e despreparo, que Esteves empresta a Sônia; e a subversão vem da própria escolha do handebol, um esporte pouco popular no país. “A gente queria falar da paixão do garoto pelo que faz, e não de um sonho de vitória, de riqueza, ele não quer ser o próximo Neymar”, argumenta Karine.

E se o elenco inteiro transforma esses personagens em pessoas que todos conhecemos, o grande destaque é, sem dúvida, o trabalho de Karine Teles como Irene. Na cumplicidade protetora que ela estabelece com a irmã, na falta de paciência carinhosa com os filhos e no olhar afetuoso que dirige a todos ao seu redor, a atriz sintetiza toda a simplicidade humana buscada por “Benzinho” e toda a complexidade de uma mulher que é mãe, irmã, esposa, empresária, estudante e roqueira, imperfeita, tudo ao mesmo tempo. É nela e no olhar que ela dirige a um dos filhos no plano final que o filme enxerga um futuro possível, esperançoso – e, definitivamente, feminino.