Biografia

Uma luz sobre Áurea Martins

'A Invisibilidade Visível', de Lúcia Neves, conta a trajetória da cantora e questiona seu nível de reconhecimento

Por Raphael Vidigal
Publicado em 10 de fevereiro de 2018 | 03:00
 
 
 
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Áurea Martins não tinha dinheiro para comemorar o aniversário. À época, no final dos anos 1980, a solução para ela, que sempre gostou de celebrar a data, foi acatar a ideia do pianista Zé Maria Rocha, seu fiel escudeiro e companheiro de várias apresentações na noite carioca. “Ele falou para a gente fazer uma festa no Teatro Rival e chamar alguns pianistas, e quem quisesse aparecia, porque a gente não tinha como pagar o cachê. Se não viesse ninguém, pelo menos ia ter nós dois”, conta Áurea.

Para surpresa da cantora, os doze convidados compareceram, sendo que um, em especial, lhe chamou ainda mais a atenção. “De repente alguém gritou, lá no fim da plateia: ‘Áurea, sou eu, estou aqui!’. Lembro como se fosse hoje”, relembra a intérprete. A voz era de Johnny Alf, que viera de São Paulo decidido a parabenizar a amiga.

“Áurea sempre foi a querida dos pianistas”, afirma Lúcia Neves, autora da primeira biografia sobre a cantora carioca nascida Áldima Pereira dos Santos, cujo batismo artístico foi escolhido por uma dupla para lá de invejável: Mário Lago e Paulo Gracindo. Muitas dessas curiosidades são desvendadas com rara minúcia em “A Invisibilidade Visível”, lançamento da editora Folha Seca.

“Nunca me conformei com essa história de que a Áurea era invisível, e tudo que eu lia na imprensa era nesse sentido. Para escrever o livro eu tinha que olhar para ela com outros olhos que não o do mercado, porque a Áurea escolheu um caminho que não é esse convencional, de ir para a mídia e cantar o que está na onda”, avalia Lúcia. Professora aposentada na área de educação política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), a autora conheceu Áurea primeiro como uma fã, quando se mudou para o Rio de Janeiro. “Eu assistia a Áurea cantar no bar Carioca da Gema, e sempre achei o estilo dela muito diferente, alguém que está com quase 78 anos e tem uma interpretação contemporânea, que vem da história dela, onde todo mundo da família canta naturalmente”.

Professora. Em 1969, Áurea venceu o concurso “A Grande Chance”, quadro do programa de Flávio Cavalcanti realizado, na ocasião, no Teatro Municipal do Rio. No entanto, o prêmio só foi entregue a ela depois que a cantora Maysa, desconfiando do resultado a favor de outro participante, exigiu a recontagem dos votos. “Foi um dos momentos mais marcantes da minha vida, eu ainda não entendia a grandiosidade daquilo tudo”, revela Áurea, que desbancou os outros concorrentes ao entoar “Pela Rua”, de Dolores Duran e Ribamar, ainda hoje a sua “canção favorita”, diz.

O fato de ter gravado apenas oito discos após essa consagração contribuiu, segundo Lúcia, para o reconhecimento incompatível ao peso da trajetória de Áurea na música brasileira mas, para a escritora, não foi só isso. “Ela está nos discos de todo mundo, fez várias participações. Abordo também a carga de preconceitos que ela sofreu por ser uma cantora da noite, autêntica crooner, até hoje ela se apresenta no Blue Note (casa de espetáculos na capital carioca dedicada ao jazz) com a Orquestra Lunar”, aponta.

“Durante muito tempo se fez uma associação entre cantora da noite e prostituta. Uma mulher entrando no mercado de trabalho, nessas condições, nunca foi fácil”, observa Lúcia, que ouviu mais de 50 pessoas para escrever o livro.

“A maioria pessoalmente, sentada em barzinhos ou na minha casa. Mas com o Rildo Hora, por exemplo, fiquei mais de uma hora no telefone”, informa. Outro ponto que a entrevistada faz questão de destacar é o convívio de Áurea com as novas gerações, principalmente a partir da renovação musical ocorrida na Lapa nos anos 90. “Áurea tem o dom de ensinar, a nova geração a vê como uma professora, com um papel pedagógico”, assinala. Áurea, que foi tema de filme dirigido por Zeca Ferreira em 2009 exibido em mais de 60 países, garante: “O caminho da arte é nobre, nos engrandece”. Em 2018, ela lança CD com Cristóvão Bastos.

 
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“Áurea Martins: A Invisibilidade Visível”, biografia conta a trajetória da cantora carioca.

Autora: Lúcia Neves

Editora: Folha Seca

Páginas: 248

Preço: R$ 50,00

 

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