LPs

Vinis na era da tecnologia

Boom das bolachas em plena era do streaming favorece ambos os mercados

Por LUCAS SIMÕES
Publicado em 08 de janeiro de 2017 | 03:00
 
 
 
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Definir um fator capaz de justificar a nostalgia dos vinis gera discussões controversas sobre o quão verdadeiro pode ser o chamado “boom” recente dos LPs. Fato é que, se não dominam um mercado, os bolachões também não estão associados apenas a seletos colecionadores, e sim a uma indústria que começou a aproveitar de novo suas potencialidades para lucrar, ainda que a “volta do vinil” seja assunto para inúmeras mesas de bar.

Há dez anos, a venda de LPs segue crescendo em todo o mundo – representando uma tímida fatia de 0,9% de aumento em escala global, segundo a Associação da Indústria de Gravação da América (RIAA, em inglês).

No fim do ano passado, um dado específico chacoalhou a indústria fonográfica. Pela primeira vez na história, “os ultrapassados bolachões” superaram o consumo de músicas gratuitas por streaming na Inglaterra, lucrando US$ 300 mil a mais do que o modelo de consumo musical que mais avança no planeta, com 75 milhões de usuários conectados em 32 países, provocando a derrocada das mídias físicas. Menos a do vinil.

O empresário André Midani, lenda dos tempos de ouro das gravadoras no Brasil, acredita que o mercado enxerga uma evolução conjunta entre os formatos digitais e analógicos. “As culturas não são antagônicas, podem ser complementares. O streaming pode servir como organizador de playlists, mas também como degustador musical. Você lança o single antes do disco, atiça o ouvinte. Se ele quiser muito o disco, o mercado tem mostrado que vale a pena editar em vinil, além do streaming”, avalia o empresário.

Surpreendentemente, a Associação Brasileira de Produtores de Discos (ABPD), que reúne nove gravadoras afiliadas, entre as gigantes Sony, Warner e Universal, ainda não voltou a publicar números sobre o mercado de vinis no país. Mas lá fora as cifras são animadoras.

Em dezembro passado, a Entertainment Retailers Association (ERA) anunciou que os ganhos com a venda de vinis superaram os de streaming gratuito de plataformas como Deezer, Spotify e YouTube, que, além das assinaturas, arrecadam dinheiro com anúncios publicitários consumidos obrigatoriamente pelos usuários não pagantes. No total, o vinil atingiu o valor de 2,4 milhões de libras, enquanto os álbuns digitais faturaram apenas aos 2,1 milhões de libras.

Apesar disso, o ex-titã Charles Gavin avalia que o boom do vinil não deve afetar em nada o mercado de streaming – pelo contrário. <CW-35>Convidado pela Sony para fazer parte da curadoria do “Projeto Vinil”, com Ed Motta e o jornalista Maurício Valadares, a gravadora o orientou a selecionar discos raros para voltar ao mercado apenas em formato de vinil, como “Verde Que Te Quero Rosa” (RCA Victor, 1977), de Cartola, e “Geração de Som” (CBS, 1978), de Pepeu Gomes.

“A empresa quis aproveitar o momento do vinil, porque a música digital tem sua receita crescendo ano a ano. O vinil, por mais que tenha voltado, esteja se dando bem em box especiais e lançamentos, não representa uma enorme fatia mundial de consumo. Mas há espaço, interesse, e o mercado vê isso além do aspecto de colecionador”, diz Gavin.

Tecnologia. Não à toa, empresas voltaram a investir em pesquisas. A holandesa Symcon tem apostado no projeto Green Vinyl Records (Vinil Verde), capaz de gravar discos via injeção – em um método de moldagem que evita o vapor, economizando até 65% de energia, sem fazer pressão nas matrizes estampadoras e garantindo maior durabilidade dos LPs. A Symcon acredita que esses vinis sejam fabricados em duas semanas – atualmente o processo desde o corte até a chegada do disco às lojas pode demorar de 12 a 16 meses.

A empresa japonesa Ulvac pesquisa uma técnica de prensagem para tornar os vinis imunes a arranhões e cargas estáticas nos discos, causados pelo manuseio rotineiro. Já a austríaca Rebeat Digital elabora o projeto High Definition Vinyl (Vinil HD), que aumentaria a capacidade de dados gravados nos LPs.

Um contexto que também deu gás às fábricas. Em São Paulo, a Vinil Brasil está prestes a ser inaugurada, neste semestre, como a segunda fábrica de vinis do país, concorrendo diretamente com a Polyson. A nova fábrica nasceu quando o músico Michael Nath e o ex-técnico de manutenção mecânica da RCA Luís Bueno se juntaram para recuperar máquinas de prensagem encontradas em um ferro-velho – os equipamentos eram da Continental, empresa que fabricou discos de Secos & Molhados e Tim Maia.

“Elas estavam há 20 anos paradas e há um ano enferrujadas. Aproveitamos a estrutura delas, a carcaça, que é excelente e não se fabrica mais. Mas recompomos tudo: as válvulas, a parte eletrônica, a cortadeira, que não existia”, diz Bueno.

A expectativa é que a Vinil Brasil produza pelo menos 300 mil LPs neste ano, o dobro do que a Polysom deverá colocar no mercado, algo em torno de 150 mil vinis. A Polysom informou, por meio de nota, que a previsão é que “haja algum crescimento em relação ao ano passado, mas certamente será menor do que o verificado em 2014 e 2015”. Além disso, o comunicado ressalta que “não há como negar que a crise de consumo atingiu todo o setor de entretenimento e o vinil se inclui nisso, mesmo sendo o único formato físico que cresce consistentemente em todo o mundo”. Ou seja, o futuro pode ser digital e movido por compras online, mas tem chegado com um forte gosto nostálgico.


Personagem

“Colecionador ainda prefere buscar os discos originais”

FOTO: DISCOTECA PÚBLICA / DIVULGAÇÃO
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Arquivo. Pampani é referência na área

Genuíno militante da escuta e do arquivo do vinil, Edu Pampani é uma espécie de guardião do formato, por meio de iniciativas como a Discoteca Pública, gigantesco acervo para as bolachonas na capital mineira. “É bacana saber destes números, destas vendagens”, reconhece ele. “Mas temos de lembrar que eles dizem dos discos que são comprados pelos lojistas, e não que chegam às mãos dos clientes, o que torna as coisas diferentes”.

Como que para afirmar a potência do vinil hoje, ele lembra o fato de esses números não computarem a venda de discos usados (o que aumentaria substancialmente os índices) já que “colecionador que é colecionador quer o original”, ressalta, lembrando que a indústria hoje investe em novas edições, geralmente de discos clássicos.

“É a maior demanda hoje em dia, inclusive nos sebos. A molecada, que ‘herdou’ a coisa de escutar vinil dos familiares mais velhos, corre atrás é de Beatles, Led Zeppelin, Pink Floyd”, exemplifica ele.

Outro aspecto percebido por Pampani é um possível trajeto do ouvinte de hoje em dia – nem sempre de anulação entre os suportes, e sim de complementaridade. “Spotify, Deezer, GooglePlay, todas essas plataforma digitais de música parecem acabar levando o ouvinte para o vinil. Porque as pessoas escutam as coisas primeiramente por ali, e o que gostam realmente querem ter em formato físico”. (Thiago Pereira)

 

Lançamentos em vinil para 2017

Clube da Esquina.

Ainda em janeiro, a Polysom relança “Clube da Esquina” (1972) e “Clube da Esquina 2” (1978)

Afro-Sambas.

Nos 50 anos do clássico de Baden e Vinicius de Moraes, a Polysom já começou a vender os LPs, a serem entregues a partir de 31 de março.

Beck.

Depois de relançar os discos “Odelay” (1996), “Sea Change” (2002) e “Guero” (2005), a Universal Music vai reeditar em vinil os álbuns “Midnight Vultures” (1999), “The Information” (2006) e “Modern Guilt”

Black Mirror.

O lançamento mais surpreendente em LP é a trilha dos episódios da série, mais especificamente “San Junipero”, com músicas de Geoff Barrow e Ben Salisbury.

 
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