Não é exagero dizer que, dos nomes surgidos durante a ascensão da MPB, em meados da década de 60, Paulinho da Viola é, muito provavelmente, aquele cuja produção musical manteve-se mais ligada às tradições, pareando com Chico Buarque. O arroubo estilístico mais notável de Paulinho foi, justamente, “Sinal Fechado”, que deu nome ao único LP de intérprete de Chico, quando todas as músicas do autor de “A Banda” haviam sido censuradas pela ditadura militar.

Apesar disso, Paulinho inseriu em sua obra um inegável traço de originalidade, decorrente da abordagem sobre temas comuns ao universo do samba, gênero tão reverenciado pelo filho do chorão César Faria, integrante do grupo Época de Ouro. Tanto que chegou a apelar na clássica “Argumento”: “Mas não me altere o samba tanto assim”. O mérito de “O Amor É um Segredo”, verso pinçado de “Só o Tempo”, é oferecer interpretações que em nada lembram as versões originais, sem descaracterizá-las. 

A homenagem conduzida por Zé Renato e seu violão, com o apoio de luxuosos sopros e percussões, é respeitosa, mas dispensa a cópia. A faixa de abertura, “Um Caso Perdido”, de 1989, revela esse olhar único e original de Paulinho acerca de questões comezinhas. A perspectiva do compositor, ao contrário de bambas talentosos que o precederam e inspiraram, como Lupicínio Rodrigues e Wilson Batista, não é moral, mas, acima de tudo, humanista. 

Por conta disso, diante de uma mulher “que tem amores demais”, o compositor oferece uma ode à liberdade sexual feminina que dialoga com a contemporaneidade: “Sei que as histórias que contam/ Não passam de intrigas/ De quem não aceita/ Seu jeito de ser e viver a vida/ Quando ela some, me desespero/ Grito seu nome, faço canções/ Mas não tenho o poder de mudar seu destino/ E nem quero”. A delicadeza exprimida no canto de Zé Renato reforça esse sentimento de respeito às escolhas alheias. 

Para completar, a fotografia em preto & branco que ilustra a capa do álbum, com um casal maduro se beijando, reforça esse sentido amplo do amor que não se recolhe aos estigmas. Na sequência do disco, “Sofrer”, parceria com Capinam, realiza um tributo claro ao estilo melancólico de Batatinha. Uma das grandes referências de Paulinho, o sambista baiano presenteou o pupilo, em 1975, com “Ministro do Samba”, que dizia: “O samba bem merecia/ Ter ministério algum dia/ Então seria ministro Paulo César Batista Faria”. 

A beleza de “Sofrer” está na resignação de seus versos: “Sofrer, não faço outra coisa na vida/ A minha alma sofrida/ Quer descansar sem saber”. Já “Lua” investe em metáforas sagazes para falar de amor, e conta com o saxofone de Spok, que acrescenta o peso necessário ao molho quase sempre minimalista do CD. “Nem pode perceber como era pura/ Imenso mar que se julgava lua”, poetiza Paulinho, com a simplicidade característica. 

“Só o Tempo” coloca na roda uma das predileções do homenageado. Refletir sobre a existência é, para Paulinho, apreender o que nela existe de essencial e aparar os excessos. Aí reside a força de versos que se assemelham a ditados populares: “Sabendo que só o tempo/ Ensina a gente a viver”, canta Zé Renato, expressando tranquilidade e consciência. 

“Cidade Submersa”, samba de 1975, é opção ousada do intérprete. Além de ser das menos conhecidas do repertório de Paulinho, apresenta uma de suas letras mais intrincadas, voltada para o interior do eu lírico. “Foi Demais”, composta com Mauro Duarte, é o contrário. O sucesso concentra sua força na nostalgia: “Toda saudade tem suas dores/ Todo pecado, um dia tem seu perdão”. 
“Vida”, feita com Elton Medeiros, é tão singela quanto precisa. “Para um Amor no Recife” é o melhor encontro entre melodia e letra. “Minhas Madrugadas”, com Candeia, encerra o belo tributo.