No entretenimento, maratonar significa consumir qualquer produto (seja uma série, um livro ou programa) de forma ininterrupta, frenética e incessante. A expressão provavelmente veio do inglês “to binge-watch it”, que, traduzindo, seria “assistir tudo em uma tacada só” ou “assistir tudo de uma única vez”, por exemplo. Com o fortalecimento e o crescimento das plataformas de streaming, além do isolamento provocado pela pandemia e até mesmo por um clima de nostalgia, um novo hábito surgiu entre os brasileiros: o de maratonar uma das paixões nacionais, a telenovela.  

 
Boa parte desse novo modo de consumir os folhetins foi impulsionada pelo projeto da Globoplay, a plataforma de streaming da Globo, de resgatar clássicos da teledramaturgia. Desde maio do ano passado, quando a iniciativa foi lançada, já chegaram ao serviço 131 títulos. O mais recente, “A Gata Comeu” (1985), de Ivani Ribeiro e que traz Christiane Torloni e Nuno Leal Maia como protagonistas, estreou na última segunda-feira (7). “As telenovelas fazem parte da vida do brasileiro, falam diretamente à memória afetiva do público como gênero consagrado no audiovisual nacional. Hoje as pessoas têm a opção de assistir a novela tanto pela TV quanto pelo streaming, e essas possibilidades convivem. Uma modalidade de consumo não exclui a outra, e uma mesma pessoa que assiste a novelas pela programação linear dos canais Globo pode fazê-lo também pelo Globoplay”, observa Ana Carolina Lima, head de conteúdo da Globoplay.
 
Ela acrescenta que essa tradição noveleira atravessou gerações e chega aos dias de hoje com força total. “A diferença entre as plataformas é que o streaming tem a particularidade de permitir que os conteúdos sejam vistos onde, como e quando o consumidor quiser e, com isso, podem ser maratonados. E, de fato, desde que lançamos o projeto de resgate de clássicos na plataforma, percebemos que o consumo de horas da categoria novelas aumentou muito”, ressalta. Em breve, a Globoplay vai passar a contar no seu catálogo também com novelas portuguesas, turcas e latino-americanas, como a mexicana “A Usurpadora”, que fez sucesso no SBT. 

 
 
Para Ana Carolina, o público que maratona novelas não é necessariamente o mesmo das séries, mas não tem dúvidas de que a opção de assistir como quiser a determinado conteúdo está cada vez mais consolidada entre os brasileiros. É o que destaca também o blogueiro e influenciador digital Eduardo Conceição, 37, criador do perfil no Instagram e do canal do YouTube Memória Teledramatúrgica. “A grande vantagem de maratonar é você escolher a sua programação. Eu me sento no sofá ou me deito na minha cama e assisto ao que eu quero, na hora que eu quero e sem comerciais. E isso faz toda a diferença”, ressalta ele, que acredita que esse fenômeno ganhou embalo recentemente motivado pela nostalgia.
 
“Todo mundo tem uma novela que remete à infância ou a alguma fase boa da vida. Aquela coisa de assistir com a avó, com a mãe. E sem contar as que não são da minha época e que tenho a curiosidade de conhecer”, diz Edu, que é apaixonado por novelas desde criança. Nesse clima de revival, ele se pegou assistindo há pouco tempo na Globoplay a uma de suas tramas preferidas, “Vamp” (1991), de Antonio Calmon. “Eu estava matando a saudade, já que foi uma novela que me marcou muito e a primeira que vi na íntegra. Até hoje todo, aquele universo lúdico de vampiros e o elenco incrível fazem muito sucesso”, opina. 

 
Vínculo.  
 
A dona de casa Silvânia Guimarães, 51, é outra telespectadora assídua de folhetins e passou a maratonar as produções pelo Canal Viva, que, desde 2017, exibe aos domingos, na íntegra, os capítulos de algumas de suas tramas que foram ao ar ao longo da semana. Ela relata que, por conta da rotina atribulada de segunda a sexta, tira o domingo justamente para se dedicar a um dos seus hobbies favoritos. “Eu brinco com o meu marido e com meus filhos que este dia é só pra mim. Durante a semana eu cuido da casa, da família, mas no domingão eu só quero a companhia dos personagens de ‘A Viagem’ (1994) e dos de ‘Da Cor do Pecado’ (2004). É o meu momento (risos). Sem contar que foram novelas que marcaram demais a minha vida, então adoro rever”, salienta. 
 
A questão da memória afetiva é ressaltada por Stephanie Purwin, gerente de programação do Viva. Ela ainda lembra a importância do gênero para a cultura nacional. “As novelas que o Viva exibe falam diretamente com a memória afetiva das pessoas, o que leva a um aumento considerável da demanda por esse tipo de conteúdo, que se conecta com a sociedade mesmo sendo exibida 15, 20 anos depois. Somos craques na criação e na produção delas. Representam as histórias das nossas vidas, personagens que nos inspiram, que nos identificamos e que nos fazem sonhar. E ainda podemos conviver diariamente com elas, o que estimula ainda mais o hábito. Cria-se um vínculo mesmo”, analisa. 
 
E claro que, com tanta gente assistindo e maratonando as atrações, o resultado só poderia ser um Ibope bombando. “O lado evidente disso é a audiência, abrangência do público e repercussão nas redes sociais. Novelas têm conteúdo de qualidade que perdura e sobrevive ao tempo. Personagens e histórias extraordinárias. São muitos talentos reunidos. E tudo embalado de forma despretensiosa, leve e voltada para a família brasileira. E o momento atual pede isto: leveza e descompressão, além de um amor com final feliz”, frisa Stephanie Purwin. 

 
 
Estreias bombando 
Ana Carolina Lima, head de conteúdo da Globoplay, fala sobre o sucesso das estreias das produções que fazem parte do projeto de resgate de clássicos da dramaturgia. Segundo ela, “Mulheres de Areia”, quando completou 30 dias, em 29 de abril, na plataforma, registrou impressionantes 4,965 milhões de horas consumidas, sendo a novela com a melhor estreia do Globoplay até o momento. O ranking com o top 10 segue com “Laços de Família” em segundo lugar, com 4,956 milhões de horas. Em terceiro, “Tieta” (4,739 milhões de horas), seguido por “Chocolate com Pimenta”, em quarto, com 4,463 milhões de horas, “O Clone” (2,355 milhões de horas), em quinto, “Vale Tudo” (2,209 milhões de horas), em sexto, “A Favorita” (2,092 milhões de horas), “A Indomada” (1,649 milhão de horas), “Terra Nostra” (1,393 milhão de horas) e “Felicidade” (1,357 milhão de horas), em sétimo, oitavo, nono e décimo lugar, respectivamente, tendo também como parâmetro os 30 primeiros dias de estreia desses conteúdos na plataforma.