Resgate histórico

Memorial vai homenagear vítimas do rompimento da barragem da Vale em Brumadinho

Com projeto assinado pelo arquiteto mineiro Gustavo Penna, espaço foi idealizado pela associação dos atingidos e pela comunidade do município

Por Bruno Mateus
Publicado em 03 de junho de 2020 | 05:42
 
 
 
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Em março de 2019, familiares das vítimas do rompimento da barragem da Vale em Brumadinho viviam a dor e o luto recentes e o dia a dia de buscas pelos desaparecidos quando conceberam a ideia de um centro de memórias para homenagear os 272 mortos no crime ambiental, ocorrido às 12h28 de uma sexta-feira, 25 de janeiro do ano passado.

“Queríamos um espaço sagrado de reconhecimento e resgate dessas histórias, que não podem ficar esquecidas”, diz Kênya Paiva Lamounier, integrante da Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem Mina Córrego do Feijão Brumadinho (Avabrum).

Março de 2020. O relógio aponta 12h de uma quinta-feira, dia 5. O escritório do arquiteto mineiro Gustavo Penna é um dos quatro a apresentar uma proposta do que viria a ser esse memorial. Após uma breve fala, ele exibe um vídeo com detalhes do projeto para uma plateia composta por familiares das vítimas e membros da Avabrum. Elas se emocionam, se abraçam.

“Fiquei extremamente tocado, de uma forma tal que achei que até poderia prejudicar a apresentação, tamanha foi a emoção. Foi a experiência mais importante que já tive na minha carreira de arquiteto”, diz Penna. No início de abril, a Avabrum, depois de uma votação online, decidiu pela proposta arquitetônica de Penna. “Colocamos cabeça, alma e coração nesse projeto”, afirma o arquiteto. 

O Memorial Brumadinho será construído em um terreno de oito hectares (aproximadamente oito campos de futebol), marcado por ser uma das faixas de terra por onde a lama passou e destruiu tudo à sua frente. O espaço prevê uma área construída de aproximadamente 2.000 m², com um pavilhão de entrada, erguido com cimento e terra represada, áreas de convivência e espaço para orações.

Em um corredor de 230 m de comprimento, que simboliza uma fenda aberta pela ruptura da barragem, serão escritos os nomes de homens e mulheres que tiveram suas histórias interrompidas pela ruptura da barragem. No entorno do memorial, 272 ipês-amarelos serão plantados como forma de homenagear cada uma das vítimas. 

“O ipê é um verso de superação. Ele joga aquele tapete amarelo no chão, fica sem flor e sem folha, puro galho, mas depois volta a brotar, a florir. É uma experiência bonita demais, gosto até dessa coisa meio dramática. De alguma maneira ficamos assim também”, reflete Penna.

Ao final do percurso, haverá uma estrutura quadrada, imponente, chamada Monumento às Vítimas Fatais, de onde sairá uma lâmina de água, a lágrima dos que ficaram, que desemboca em um lago, tradução do silêncio da dor e de onde se pode ver o local exato do rompimento. “Tudo aponta para esse lugar. Foi ali que aconteceu, foi ali onde houve essa falência completa de tantas coisas. É tão grande que nem cabe explicação. A ideia do projeto é toda sob metáforas, que formam parte de uma mesma história”, explica o arquiteto.

Resistência

Segundo Kênya, reuniões virtuais ainda serão feitas para definir como as famílias vão querer homenagear seus familiares no espaço reservado a revelar a humanidade que supera a frieza dos números. “Pode ser por meio digital, vídeos, textos, algumas coisas ainda estão sendo pensadas”, diz Kênya.

Ela pondera que a intenção é que o memorial seja um ponto de passagem para quem visita Brumadinho, pois o que aconteceu em 25 de janeiro de 2019 não pode cair no esquecimento: “É um projeto muito bonito. Que esse espaço seja reconhecido como promotor de boas lembranças, de resgate da dignidade das vítimas, mas que as pessoas também possam entender o que foi esse crime hediondo”.

Financiamento

A Vale, mineradora responsável pelo funcionamento e rompimento da barragem, custeará a obra, ainda sem previsão de valores. O memorial nasce de uma exigência da Avabrum, que contou com o governo de Minas, o Ministério Público e a Defensoria Pública no diálogo com a empresa. O início das obras deve ser entre agosto e setembro, com o Memorial Brumadinho sendo entregue à população em um ano e meio.

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