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Nara Leão ganha nova biografia, assinada por Tom Cardoso

Ela é conhecida como uma das musas da Bossa Nova, mas, na verdade, nunca quis que sua trajetória se limitasse a apenas um movimento

Por Patrícia Cassese
Publicado em 15 de março de 2021 | 09:46
 
 
 
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Partiu de Tárik de Souza, a sugestão para que Tom Cardoso se debruçasse sobre a trajetória de Nara Leão (1942-1989) no momento em que o jornalista - autor das biografias do jornalista Tarso de Castro e do jogador Sócrates e do livro investigativo "Se não fosse o Cabral - A máfia que destruiu o Rio e assalta o país" - procurava um personagem para esquadrinhar. "Ele achava que a Nara merecia uma nova biografia - já existia a do (Sergio) Cabral (de 2001), assim como outros livros, mas o decano da crítica musical entendia que havia muito mais a se dizer sobre ela, aspectos que um livro apenas não esgotava. Sobretudo em relação à pluralidade da artista, ao fato de ela não ter sido uma cantora só de Bossa Nova, como acabou ficando no imaginário da maioria das pessoas, mas, sim, alguém que participou ativamente dos mais importantes movimentos da música brasileira", narra Cardoso.

Ideia prontamente acatada, Tom partiu para o trabalho em campo. E o resultado desta imersão na vida e na obra da intérprete já pode ser apreciado em "Ninguém Pode com Nara Leão - Uma Biografia", livro chancelado pela editora Planeta, e que, nem poderia ser diferente, tem o prefácio (intitulado: "Às vezes, recatada, outras estouvadinha") assinado por Tárik. Nele, o crítico exalta a diversidade que norteava tanto a vida afetiva quanto a profissional da capixaba cuja família mudou-se para o Rio quando ela contabilizava apenas um ano de vida. 

Não menos dignas de nota são a orelha, assinada pela cantora Teresa Cristina, e a quarta capa, pelo cineasta Cacá Diegues, que, com a propriedade de ter partilhado anos de vida com a cantora (foram casados de 1967 a 1977, tendo tido dois filhos, Isabel e Francisco), assinala: "Ninguém hoje pode fazer ideia do que significava, no início dos anos 1960, uma menina de classe média de saia curta e joelhos de fora, sentada num banquinho a tocar violão em teatros, boates e na televisão, falando de liberdade, arte, política, sexo e psicanálise".

Tom Cardoso ressalta que em Nara Leão, vida profissional e íntima eram norteadas por diretrizes afins. "A Nara, ela não tinha uma faceta 'artista' e outra 'mulher'. Acho que o que sempre se sobressaiu na sua personalidade foi essa vontade de ser livre. Na música, não se deixou amarrar a nenhum movimento, aliás, detestava amarras, camisa-de-força. O Chico Buarque tem um texto que diz que ela saia de um movimento sem se despedir, e isso acontecia justamente porque queria se permitir ser livre. Primeiro, para não gravar só aquilo que fazia parte da respectiva bolha, patota. Por exemplo, como artista da bossa nova talvez ela nunca pudesse gravar um disco inteiro dedicado a Roberto e Erasmo Carlos, como o fez. Mas foi por não ter sido considerada de nenhum movimento, muito menos da Bossa Nova, que gravou mais coisas - mesmo depois tendo retomado a gravação de discos bossa-novistas".

O biógrafo conta que o critério que Nara Leão sempre seguiu para escolher o que iria gravar foi o da qualidade. "Podia ser um músico de choro, um cantor brega (entre aspas), um sambista, bossa-novista...Se ela gostasse da letra, da canção, da música, e se se identificasse, gravava. Por isso transitou da Bossa Nova à Tropicália. Gravou um disco em homenagem a Roberto e Erasmo Carlos quando nenhum artista da MPB faria isso, e com músicos do (universo do) choro. Imagina ela cantando 'Cavalgada' com Raphael Rabello (1962-1995) tocando violão em ritmo de choro, era muito louco. Ela gostava dessas experimentações, que se davam por ela se posicionar sempre de forma aberta, sem preconceitos, sem amarras diante da música".

No tocante à mulher Nara, Tom relata que ela prezava a esfera da vida simples. "Queria ser uma pessoa comum. Detestava essa badalação em torno do artista, receber pessoas no camarim, ser assediada, ter que estar toda hora arrumada. Ela não bebia, dormia cedo. Queria ser a mãe. E foi estudar psicologia com 32 anos. Não desejava que a carreira ditasse sua vida, penso que esse é o aspecto mais relevante que confunde a artista com a pessoa".

No entanto, ele revela um aspecto que, de certa forma, na sua opinião, saiu um pouco do script no que tange à personalidade da artista: a lida com um tumor no cérebro, inoperável. "Primeiramente, o pai (Jairo) escondeu dela o teor de uma conversa que teve com uma das maiores autoridades médicas do Rio, o neurocirurgião Paulo Niemeyer, conto isso no livro ( o que atrasou o tratamento). Os dois discutiram o resultado da tomografia e ele não contou para a filha. Depois, mesmo Nara sendo uma mulher tão independente, tão de vanguarda, exemplo de mulher livre, teve um comportamento talvez meio medroso em relação à doença, de não querer muito enfrentar (em certo momento, a cantora pensou em abandonar o tratamento tradicional). Mas, veja, não é nenhum tipo de julgamento, até porque, ela teve muita qualidade de vida, produziu muito mesmo enquanto tinha alguns episódios bem desagradáves (como confusão mental, esquecimento das letras das músicas, tonturas, visão de luzes piscando e de ter a sensação de estar, na cabeça, com algo girando como a hélice de um ventilador)".

Na empreitada de decifrar um pouco mais da alma dessa artista tão carismática, Tom ressalta, ainda, o apoio imprescindível da família no tocante ao acesso a materiais referentes a seu objeto de estudo. "Infelizmente, não consegui falar com a irmã, Danuza Leão,  o que seria importante  para entender um pouco mais como funcionava aquela família um tanto diferente da maioria das outras. Mas a filha, Isabel, de pronto me disse: 'Estou aqui para ajudar'. E mesmo sendo low profile, mantendo um distanciamento, o que acho até bom para o biógrafo, estava ali, quando precisei, e autorizou o uso das imagens, foi super solícita". 

 

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