Suspenso em março do ano passado, justamente quando aconteceria a edição que colocaria o ponto final em uma temporada de 11, realizadas em aparelhos culturais da região da Pampulha desde 2019, o projeto Sarau Libertário acaboun tendo que encontrar uma forma de se reinventar diante da inesperada pandemia.  Depois de analisarem prós e contras de algumas possibilidades, mais recentemente, os produtores bateram o martelo pela ideia de propor a alguns dos convidados que gravassem podcasts abordando temas relacionados justamente à criação artística em tempos de isolamento social. 

Foram gravados, assim, seis programas, que já estão disponíveis no canal do Sarau Libertário no Spotify. São eles: “Grupo Galpão e perspectivas do teatro pós-pandemia”;  “Laura Cohen e o trabalho do escritor em isolamento social”; “Octavio Cardozzo, a música e a explosão das lives”;  “Interioranas e o fazer artístico no contexto pandêmico”; “Bruna Kalil Othero e os novos caminhos para a colaboração artística”; e “Enversos, a geração Z na música e a adaptação ao isolamento social”. As entrevistas foram feitas por Bruna Kalil Othero, Octavio Cardozzo e Letícia Cagnoni.

Bruna, aliás, lembra como foi as primeiras notícias da pandemia foram foram sendo percebidas pelos três. "Tudo (o processo do Sarau Libertário) estava sendo tocado com muito carinho e trabalho, e, em março,  faltava apenas uma edição. Foi quando todo mundo foi ficando apreensivo (com o avanço da doença, as notícias), estava tudo muito incerto. E quando a prefeitura de Belo Horizonte anunciou (as primeiras medidas voltadas a mitigar o contágio do novo coronavírus), resolvemos adiar. E ficamos pensando, tentando entender como poderia ser, a alternativa possível. Mas os primeiros meses foram de fato muito incertos. Depois que se passaram dois, três meses, vimos que  presencialmente não ia mesmo rolar", rememora.

Por outro lado, ela conta que, exatamente por este período, começaram a pipocar, Brasil afora, as lives. "Era um mundaréu de lives, muita gente mesmo fazendo. Justamente por isso, resolvemos não partir para esse formato, mesmo porque, nem sempre a pessoa, em casa, tem uma internet boa, por exemplo. E acabamos transformando a edição, com os mesmos artistas, nessa versão podcast. Porque ele (podcast) é um registro, fica ali para ser ouvido a qualquer momento, e é um tipo de mídia que teve uma ascensão grande nos últimos tempos, não só pelo isolamento, mas porque muita gente descobriu as potências do formato. Não bastasse, acho que se encaixou bem com a proposta do Sarau. É em formato de entrevista, mas também uma conversa. Tivemos os músicos cantando, nos caso dos escritores, eles lendo trechos... E tudo feito de forma remota. Gravamos por Zoom, e, depois, o Pedro Cambraia, o faz tudo do som, fez a mixagem e transformamos em podcast". 

Mesmo com as semelhanças, Bruna reconhece que foi um processo bem desafiador. "Estávamos mais acostumados com o bate-papo. Com a pandemia, o distanciamento, Infelizmente, perde-se a troca entre os artistas, mas, por outro lado, ganha-se em termos do registro, já que o podcast fica ali, disponível, gratuitamente (em streaming)".

Uma das atrizes do Galpão, Lydia Del Picchia conta que, no aludido inicio do ano passado, havia, no grupo, a "expectativa gostosa" de participar presencialmente da iniciativa. "O Galpão não tinha ainda participado do Sarau Libertário, então, no primeiro momento (referindo-se a março do ano passado), até o finalzinho a gente ainda queria que rolasse. Depois, percebemos que, de fato, para a segurança de todos os envolvidos, principalmente do público - pois, naquele momento, a gente ainda não sabia direito como se proteger -, não seria tão fácil (retomar presencialmente). Acabou que demorou um tempinho para a gente voltar e, no caso, gravar no formato do podcast", diz ela, que, no entanto, frisa ser da "ala otimista". "Vou confessar que esse formato virtual tem me surpreendido para o bem. No caso do Galpão, em particular, pelo fato de todo mundo já ter por volta dos 50 anos, a gente não tinha muita lida com essas plataformas. Aliás, mesmo com redes sociais, poucos do grupo tinham, então. Foi uma mudança brusca. Tivemos que aderir, lógico, mas a verdade é que tenho me surpreendido. Tenho aprendido muito, gostado, visto muita coisa legal, criado coisas bacanas. E a conversa do Sarau foi uma delícia. Chega um momento (da experiência) na qual você relaxa e fala: 'Vai ser legal'. É quando a gente 'troca' a expectativa. Não vou nem falar baixar, porque não seria essa a palavra".

Lydia pontua que tem se deparado com muitas iniciativas bacanas acontecendo por podcast. "A gente vai descobrindo, entendendo e gostando, é uma boa surpresa. E, nesse caso em particular, foi uma conversa bem legal. A gente leu trechos do repertório do grupo e de outros espetáculos. Na minha opinião, mesmo quando pudermos voltar para o presencial, algumas experiências virtuais (desenvolvidas na esfera das artes cênicas nessa pandemia) vão ficar". O Galpão, cumpre frisar, foi um dos grupos que mais se manteve (se mantém) ativo. Além do filme documentário "Éramos em Bando", lançou a experiência virtual "Histórias de Confinamento" e apostou suas fichas na iniciativa "A gente pode tudo pelo menos por enquanto", que, além de disponibilizar vídeos dos espetáculos do grupo, traz entrevistas com parceiros artísticos, casos de viagens contados pelos atores, leitura de poemas e oficinas online

Sobre o Sarau Libertário
O Sarau Libertário é um projeto realizado gratuitamente com recursos da Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Belo Horizonte. Desde abril de 2019, acontecem edições mensais, em quatro diferentes aparelhos culturais da Região da Pampulha. Participaram da temporada nomes como Luiz Ruffato, Julia Branco, Teuda Bara, Helio Flanders, Kdu dos Anjos e Bia Nogueira, entre outros. Mesclando teatro, música, literatura e artes visuais, o evento surgiu em 2016, movido pelo desejo de criar um espaço novo e plural para artistas independentes de Belo Horizonte.  Até hoje, foram realizadas 11 edições, que contaram com a participação de 35 artistas. A lista tem ainda nomes da música, como Di Souza e Deh Mussulini; da literatura, como Lucia Castello Branco, Nívea Sabino e João Maria Kaisen; e do teatro, como as atrizes Lira Ribas e Mariana Arruda. “O tema do primeiro foi ‘Primeiras Palavras’ e o segundo ‘Cantar o Amor’. Já o terceiro foi ‘O Silêncio e o Grito’ e, o quarto, ‘Metamorfoses’”, relembra Bruna Kalil Othero.


“Em 2017, estreamos com um novo formato do Sarau, com o tema ‘Beagá em Cena’. No mês de junho, o tema foi ‘Gênero e Diversidade’ e, em setembro, ‘Poéticas da Mulher’. Para fechar, eu e o Octávio Cardozzo, que também produz o Sarau, montamos uma edição especial, chamada ‘Amor Amargo’”, completa. Em 2018, foi a vez de debater o tema "Passados & Futuros", com Ana Elisa Ribeiro, Sidarta Riani e o Bremmer Guimarães. “Também fizemos uma linda e potente edição sobre ‘Poéticas Negras’, com o professor Marcos Alexandre e a cantora Josi Lopes”, finaliza.