Montar uma bela mesa, cozinhar e receber os amigos sempre foi um ritual rotineiro para o publicitário Dudu Pônzio antes do isolamento social recomendado para evitar o avanço do novo coronavírus. Em casa, de quarentena, ele manteve o hábito de preparar a própria comida como uma maneira também de estar mentalmente ocupado e compartilhar via redes sociais a mesa pronta com alguma receita – uma delas, inclusive, foi uma torta de caramelo, sobremesa já conhecida por quem frequenta os menus preparados por Dudu.
“Me lembro que cismei de fazer essa torta em um domingo para dar fatias de presente para alguns amigos. Quando olhei ela pronta, gostei muito do resultado e vi que muitas pessoas ficaram interessadas em comprá-la, mesmo não estando à venda”, contou.

O publicitário, que também é dono de uma franquia de hambúrguer que, assim como vários outros estabelecimentos, está fechada, viu no hobby a possibilidade de um novo negócio. Mas, antes de nascer oficialmente a Dona Torta, em maio, ele foi surpreendido pela insegurança. “Preparar a torta de caramelo para os meus amigos sempre foi prazeroso, mas colocá-la para fora do espaço da minha casa me deu medo. Fiquei pensando ‘será que as pessoas vão se interessar e pagar por ela?’”, relembra. “Mas o cenário da quarentena não me fez pensar diferente”, disse. 

A atmosfera desanimadora da pandemia também encorajou o diretor de arte e designer gráfico Albino Papa a se reinventar, gastronomicamente falando, durante o isolamento social, além de ser uma forma de colocar a energia acumulada para fora. “Meu último trabalho havia sido feito antes da quarentena. E fui ficando sem grana, e as contas chegando. Passei por várias fases”, relembra sobre o momento em que decidiu transformar sua antiga paixão pela gastronomia em uma nova marca de conservas, a Mustache, por enquanto com duas variedades: uma mostarda artesanal em grãos e uma conserva de abobrinha.

Mas, antes de criar a marca, há pouco mais de um mês, Papa precisou lidar com dilemas internos. “Demorou para entender que eu precisaria criar outras oportunidades em áreas diferentes da minha e senti vergonha, no início, porque não sou cozinheiro profissional”, confessa. “Eu sou muito perfeccionista, e demorou um pouco para entender que a minha profissão está paralisada neste momento”, emenda.

A mostarda produzida por ele surgiu quando um vizinho o presenteou com uma muda da planta, há alguns anos, em São Paulo. Por curiosidade, foi pesquisar receitas do condimento francês. “A mostarda leva duas semanas para ficar perfeita, entre o molho, trituração, mistura e envase”, explica ele sobre o processo. Já a abobrinha é feita por meio de uma técnica de conservação que se chama “salga seca”. Todas possuem produção limitada e quase sempre se esgotam. “Quando anunciei a marca, começaram a surgir alguns serviços novamente. As pessoas começaram a ver o meu trabalho, como designer, por causa da gastronomia”, cita.

Além das lives

O ato de fazer a própria comida intensificou-se durante a quarentena, e isso tem levado muitos chefs a usarem as redes sociais para compartilhar receitas com os seus seguidores. Muitos ainda não haviam encarado as sessões virtuais como uma influência profissional para os amadores. Reconhecido nacionalmente, o chef Paulo Yoller, proprietário da hamburgueria Meats, que também tem divulgado suas receitas nesse formato, acredita, sim, no alcance dessas transmissões. 

“Cozinhar é algo que todo mundo faz; agora, de forma profissional, é fazer em maior quantidade. Mas ainda é algo muito simples comparado a procurar outro emprego”, compara ele. “É uma saída que eu já esperava que acontecesse. Hoje existem muitos meios de divulgar essa venda nas redes sociais”, disse. 

O assessor de imprensa Fábio Gomides havia colocado em prática só com os amigos o seu curso profissional de pães de fermentação natural e, mesmo assim, como uma atividade esporádica – um pão leva cerca de 25 horas para ser preparado, desde a ativação do fermento até sair do forno. “Era preciso tempo e planejamento que eu não tinha. Fazia alguma fornada no máximo uma vez ao mês”, disse Fábio. Mas, durante a quarentena, além do tempo – não mais perdido –, os pães ganharam outra proporção além do hobby. 

Em pouco tempo surgiu a Baru Panetteria. “As primeiras fornadas profissionais eram para amigos, e, em pouco tempo, outras pessoas me procuraram e compraram pela indicação da qualidade do produto, mesmo sem eu conhecê-las. É muito gratificante”, confessa. 

A cozinha também sempre foi o espaço preferido da maquiadora Cida Nogueira. Assim como no início os pães preparados por Gomides só tinham como destino o paladar de poucos – e sortudos – amigos, os tomates confit da Cida, iguaria que já era famosa entre pessoas mais próximas, passaram a ser degustados por outros.
 

Não se sabe ao certo se os projetos gastronômicos que envolvem a torta, as conservas, os tomates confitados ou os pães artesanais serão prolongados após a pandemia ou se ficarão como uma atividade temporária. “A Dona Torta é uma experiência de quarentena. Mas os pedidos continuam, e estou criando mais confiança em mim”, disse Dudu Pônzio.