Fabíola Moulin assumiu a Secretaria Municipal de Cultura de Belo Horizonte em dezembro do ano passado, com um discurso de continuidade da gestão de Juca Ferreira. Quatro meses depois, ela se viu em meio a uma crise sem precedentes nos últimos cem anos, com o setor cultural fortemente impactado pelas consequências da pandemia do novo coronavírus. Desde março, o desafio da pasta da Cultura é criar ações emergenciais de apoio aos artistas em situação vulnerável e estabelecer políticas que fomentem a cadeia produtiva do setor.
Nesta entrevista ao Magazine, Fabíola Moulin, que acumula a função de presidente interina da Fundação Municipal de Cultura, afirma que a reabertura de espaços culturais em BH está sendo estudada e anuncia uma novidade: a publicação no Diário Oficial do Município (DOM), nesta quinta-feira, do CenaPlural 2020. “Serão destinados R$ 500 mil aos artistas e empreendedores culturais. Nesta edição, o número de proponentes contemplados será três vezes maior que o da última edição, passando de 40 para 120”, ela explica.
A secretária de Cultura de BH também fala sobre a importância da Lei Aldir Blanc, da reabertura da captação para projetos aprovados na Lei de Incentivo Municipal à Cultura, que vai liberar R$ 10 milhões e estava suspensa desde abril, e dos editais lançados recentemente pela prefeitura: um exclusivo para o setor audiovisual, o BH nas Telas, e outro destinado a diversas linguagens artísticas, num total de R$ 9 milhões em investimentos. “Os editais serão pagos agora e realizados em 2021, é uma perspectiva importante de retomada de um setor que foi muito prejudicado pela pandemia”,
Além dos editais lançados recentemente e da reabertura da captação para projetos aprovados na Lei Municipal de Incentivo à Cultura, outras ações estão a caminho?
Teremos um chamamento público do CenaPlural 2020, que está sendo lançado e terá novo formato, adaptado para atender aos protocolos de saúde vigentes e evitar a disseminação da Covid-19 na cidade. As informações detalhadas estão disponíveis na publicação. Serão destinados R$ 500 mil aos artistas e empreendedores culturais. Nesta edição, o número de proponentes contemplados será três vezes maior que o da última edição, passando de 40 para 120. Serão selecionados espetáculos que deverão ocorrer ainda em 2020, em formato virtual ou presencial, dependendo das condições sanitárias da cidade. Estamos trabalhando muito na Lei Aldir Blanc, mas temos outros editais ainda sem previsão de lançamento, especialmente o Mestres da Cultura Popular, que é muito importante e tem o objetivo de reconhecer e valorizar a atuação das pessoas que compõem o patrimônio imaterial da nossa cidade. Estamos trabalhando para viabilizar o edital ainda em 2020. Há um trabalho cuidadoso de se olhar e construir um plano para o segundo semestre, mas passamos pela dificuldade da pandemia e ainda estamos em ano eleitoral; entramos num período de vedação eleitoral, tem que ter muito cuidado e respeito ao recurso público.
A secretaria já estuda a possibilidade de uma reabertura dos espaços culturais?
Temos vários grupos de trabalho e temos conversado sobre os protocolos de reabertura por setores: teatros, museus, centros culturais, cinemas... Temos um cenário complexo e também estamos dialogando com representantes da sociedade civil, dos espaços culturais independentes e dos espaços do governo do Estado. Trabalhamos dentro de um planejamento, mas vamos considerando e desenhando que ele sempre pode ser alterado, porque não sabemos em que momento estaremos da pandemia, se vai diminuir, se vai aumentar, mas precisamos estar em diálogo com o setor cultural e construindo perspectivas.
Você falou sobre a importância de não se perder de vista as políticas públicas. Como aliar as ações emergenciais durante a pandemia à continuidade dessas políticas?
Claro que pensamos nas ações emergenciais, mas também é importante pensar naquilo que é estruturante, que é continuidade de políticas públicas. O primeiro passo foi atender os artistas em maior situação de vulnerabilidade. Fizemos uma parceria com a Secretaria Municipal de Assistência Social para distribuição de cestas por meio do banco de alimentos. Conseguimos atender famílias circenses de BH e do entorno, fotógrafos lambe-lambe, artista de rua. Distribuímos mais de 43 toneladas de alimentos. Em seguida, passamos para as ações que pudessem dar continuidade às políticas públicas, inclusive para estruturar esse futuro. Em recursos, já distribuímos R$ 34 milhões – homologamos o Descentra, publicamos o edital de incentivo fiscal 2020 para 150 projetos, realizamos o Circuito em Casa, publicamos os editais e liberamos a captação de recursos da Lei de Incentivo Municipal à Cultura. A gente vê uma continuidade tanto na política de descentralização quanto de fomento.
Na prática, como o profissional da cultura em BH pode ser beneficiado pela Lei Aldir Blanc e como a secretaria pode auxiliar para que ele tenha acesso a esse crédito?
A secretaria participou muito das discussões em várias instâncias nos fóruns de secretários e gestores da cultura para que a lei fosse aprovada. É uma conquista importante. Estamos trabalhando há um tempo para atualizar o cadastro do Sistema Nacional de Indicadores Culturais e do mapa cultural de BH. No mapa, temos o cadastro de artistas e espaços culturais, e agora estamos trabalhando para lançar uma atualização desse cadastro. A Lei Aldir Blanc está dividida em três formas de apoio, e uma delas é a ajuda emergencial de R$ 600 para a pessoa física. A intenção é que tenhamos a possibilidade de acessar os cadastros e que eles sejam unificados. Vai ser um trabalho conjunto entre município, Estado e governo federal. A lei estabelece quais são os critérios, o importante é divulgarmos e darmos acesso para as pessoas se cadastrarem e pleitearem os recursos. Estamos avançando com as providências jurídicas e adinistrativas para a regulamentação da lei em Belo Horizonte, estamos aguardando a regulamentação federal.
No governo federal, cinco secretários já ocuparam a pasta da Cultura em apenas 18 meses. Como isso impacta as políticas públicas em Belo Horizonte?
Este é o reflexo do desmonte das políticas culturais. É um enfraquecimento e uma forma de demonstrar o que o governo federal pensa da cultura. O fim do Ministério da Cultura e agora essa inconstância no cargo minam a possibilidade e a força da cultura de ter um papel fundamental, estratégico, civilizatório, e revelam a ausência de uma continuidade de políticas públicas. E claro que isso tem impacto em BH. Os editais da lei municipal, tanto do fundo quanto de incentivo, tiveram uma procura enorme nos últimos dois anos exatamente pela ausência de políticas em outras instâncias. A demanda da prefeitura cresceu muito nesses dois últimos anos. Avançamos nas nossas políticas, a recriação da Secretaria de Cultura foi um gesto de valorização, aumentamos os recursos da pasta, criamos programas, mas, mesmo assim, não damos conta de preencher as lacunas de outras instâncias.
Há algum plano em estudo para que a Virada Cultural possa acontecer de forma online?
A Virada é, talvez, o mais complexo dos eventos. O conceito dela é a ocupação da cidade, é o encontro, 24 horas na rua com atividades culturais, fechar o hipercentro para as pessoas terem algum tipo de experiência. Para a Virada, temos uma grande dificuldade de pensar um formato virtual, a essência dela é diferente. Mas, ao mesmo tempo, estamos realizando o Circuito Municipal de Cultura de forma online. É importante porque alcança um número grande de pessoas com atividades variadas, olhando para todas as linguagens, valorizando a produção artística local de diversas regionais e abarca um número grande de artistas.
Nesse período de crise, como está sendo o diálogo da prefeitura com a Secretaria de Estado de Cultura e Turismo de Minas?
Desde o início, quando estava o Marcelo Matte, a gente tem um bom diálogo, tivemos vários encontros pensando em ações conjuntas, programas. Recentemente, o Leônidas Oliveira assumiu, mas ainda não tivemos um momento de grande alinhamento. Com a Lei Aldir Blanc, temos a necessidade desse diálogo. Participamos de várias discussões com o governo do Estado na área de museus, sempre tivemos parcerias e contamos com o apoio em festivais. O diálogo se dá em várias esferas da cultura. Temos a dificuldade neste momento de pandemia, mas seguimos dialogando.