Em terra de oliveiras, quem tem disposição para cultivar é rei. Ou, rainha. Contrariando o senso comum, de que o agronegócio é um setor masculino, a produção de azeite em Minas Gerais tem em seu DNA a forte presença feminina. Apesar de não haver números oficiais, dados levantados por Amanda Souza, pesquisadora da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig), ajudam a traçar um panorama. Dos 45 associados na Associação dos Olivicultores dos Contrafortes da Mantiqueira e Sudeste (Assoolive), quase metade são mulheres. Mas, provavelmente esse número é ainda maior. Segundo a Epamig, há 200 produtores na Serra da Mantiqueira, e Minas Gerais concentra 65% desse total. 

“O azeite tem sido uma porta de entrada para muitas mulheres no universo do agro. O cultivo das oliveiras, desde o início, é muito permeado por pesquisa e suporte técnico. Então, mesmo quem não tem prática no campo consegue produzir se houver esforço. As mulheres têm muito essa questão de estudar e se aprofundar. São variáveis que têm favorecido o avanço das produtoras”, analisa Amanda. 

Foi justamente esse aspecto que levou a doutora em psicologia social aposentada, Vera Mincoff Menegon, a empreender no município de Sapucaí-Mirim, no Sul de Minas, desde 2016. Nascida em Quatá, São Paulo, ela tem memórias afetivas de quando o pai tinha um sítio com um pequeno cultivo para consumo da família e nutria o sonho de retornar ao campo. Assim, Vera fechou uma sociedade com as filhas, Natasha e Luana, e as três buscaram suporte para tirar o projeto do papel. Juntas, elas são donas da marca Verolí.

“Tivemos assessoria especializada no planejamento, plantio e manejo das oliveiras. Como não tínhamos expertise, esse apoio profissional foi e continua sendo importante para produzirmos com qualidade. Sentimos o quão impactante poderia ser a iniciativa para a economia local e para a construção da história do azeite no Brasil. Hoje, já são 9 mil pés de oliveiras das variedades Arbequina, Arbosana, Koroneiki e Grappolo”, conta Luana.


Azeites Verolí são premiados internacionalmente. Foto: Divulgação 

Entre os processos inovadores implementados pelo trio está o uso de derriçadeiras, ferramentas parecidas com mãos de dedos muito longos e que simulam uma colheita manual. Também são utilizados grandes panos, colocados ao redor das oliveiras, onde são coletadas as azeitonas para que elas não entrem em contato com o solo - o que aumentaria o processo de oxidação e levaria à perda de qualidade. 

“Não realizamos colheitas mecanizadas, pois o nosso relevo bastante montanhoso jamais permitiria o uso de grandes máquinas. Também temos como foco realizar uma colheita que preserve ao máximo a qualidade dos frutos e a saúde das oliveiras na hora da extração, pois isso impactará diretamente na sua produtividade no próximo ano”, explica. 


Trabalhadores usando derriçadeiras na colheita das azeitonas. Foto: Divulgação

Para Silvana Novais, gerente da Mulher, do Jovem e de Inovação do Sistema Faemg Senar, a inovação tem sido uma característica marcante das mulheres na olivicultura e, quando elas empreendem junto dos filhos, esse aspecto se torna ainda mais potente. “O jovem tem a característica de buscar o novo, então essa mistura de gerações é favorável para as produtoras, que já passam a fazer do jeito mais moderno por incentivo dos filhos. Isso, inclusive, é um grande facilitador para os processos de sucessão familiar”, analisa. 

Outra característica do negócio comandado por Vera e suas filhas é a busca pela sustentabilidade da fazenda - localizada em uma antiga área de pastagem. Houve o replantio de espécies nativas da Mata Atlântica, a introdução criteriosa das oliveiras e o cuidadoso manejo do solo. Esses fatores contribuíram para a recuperação de nascentes e aumentaram o volume de águas cristalinas na região.

“O aspecto sustentável também se estende para a comunidade em que estamos inseridas. Nossos trabalhadores são registrados e fazemos rodas de conversa semanais para discutir coletivamente os próximos passos do projeto. Desde o início realizamos um trabalho de conscientização sobre os direitos dos trabalhadores, pois na área rural ainda há muita exploração do trabalho. Queremos que as pessoas se sintam parte do projeto e sejam valorizadas, pois elas são parte fundamental da produção”, garante Luana. 

O resultado de tanta dedicação é que, neste ano, dois rótulos da marca, Koroneiki e Blend, entraram para o guia Flos Olei, concurso internacional de azeites que reúne os 500 melhores de todos os continentes - sendo o único azeite mineiro a entrar na lista pelo segundo ano consecutivo. A marca também recebeu medalhas de ouro nos concursos internacionais Evo International Olive Oil Contest (IOOC), realizado na Itália, Terra Olivo, do Mediterrâneo, e Olivinus, da Argentina. Isso tudo apenas dois anos depois de terem lançado sua primeira safra comercial no mercado. 


Langar que produz o azeite Verolí. Foto: Divulgação 

E, por lá, os trabalhos não param. Luana revela que elas já começaram a diversificar as embalagens, para fortalecer novas parcerias na área da gastronomia, e estão fortalecendo o olivoturismo na fazenda. “Terminamos recentemente uma reforma para estruturar nossa área de receptivo, onde realizamos visitas guiadas com degustação para que nossos clientes possam não só conhecer todo o processo de nosso azeite fresco, mas também usufruir da paisagem e beleza da Serra da Mantiqueira”, comemora. 

Mozart “dá show” nos olivais

Já a advogada paulista Rosana Chiavassa, produtora do azeite Monasto, não precisou se aposentar para entrar no agro. Após visitar um olival em Luminosa, distrito de Brazópolis, no no sul de Minas, ela decidiu ter uma plantação para chamar de sua. Comprou em 2019 a fazenda Santa Helena, em Maria da Fé, na Serra da Mantiqueira. A fazenda já produzia e, entre fevereiro e março de 2020, fez sua primeira colheita como produtora. 

“Lembro que era uma época de muitas chuvas, com céu cinza e árvores doentes - pois as oliveiras não gostam de umidade. Pensei no que poderia alegrar as plantas e logo lembrei de música, que é algo que eu amo. Um engenheiro faz os cálculos para sabermos quantas caixas de som deveríamos instalar na área”, conta. Hoje, são cerca de 70 equipamentos ecoando músicas clássicas para as 3.200 oliveiras. A média é de uma caixa a cada 45 metros e a instalação é subterrânea, não ficando nenhum fio à mostra.

Segundo ela, a experiência deu tão certo que, em novembro do mesmo ano, ela colheu uma mini safra - algo raríssimo no segmento, uma vez que as colheitas são anuais. Foi justamente essa safra, embalada por músicas clássicas, que levou a principal premiação na categoria Delicate (Delicado) do Concurso Mundial de Azeites de Nova York (NYIOOC). “Interpretei como uma forma de agradecimento das oliveiras”, afirma. 

Responsável por implementar o projeto na fazenda, o musicoterapeuta Luis Leão, que estuda a influência da música nas plantas, explica que a técnica aumenta a atividade celular, principalmente nos vacúolos onde a concentração de água é mais abundante, potencializando o desenvolvimento da planta e, consequentemente, dos seus frutos.

“Também notamos a diminuição das pragas e uma maior incidência de polinizadores como borboletas, abelhas e pássaros na fazenda Santa Helena em comparação com as vizinhas. Além disso, os funcionários da lavoura são positivamente impactados, ficando mais tranquilos e trabalhando com maior concentração e motivação”, diz.

O azeite Monasto também foi o primeiro azeite extravirgem certificado em Minas Gerais. A certificação foi concedida pelo Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA), órgão vinculado à Secretaria de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Seapa).

Rosana colheu mini safra fora de temporada após usar música clássica no olival. Foto: Divulgação

Apesar dos bons resultados que tem colhido em seu olival, Rosana afirma que os desafios ainda são muitos, principalmente porque as oliveiras não são nativas do Brasil. “Temos que ir descobrindo aos poucos qual tipo de solo é mais favorável e enfrentar as pragas que não existem na Europa. Isso também dificulta previsões sobre as safras. Há anos melhores e piores”, analisa. 

Para achar soluções, ela e outros seis produtores da região assinaram um acordo com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). O acordo envolve o estudo de solos e árvores. “Queremos fazer o mesmo movimento que aconteceu com a soja. Queremos que, daqui há 30 anos, existam olivais no Brasil inteiro”, diz. 

Ela também frisa que os desafios enfrentados por ela são estritamente relacionados à produção e que nunca sofreu machismo ou desrespeito por ser uma mulher no campo. Amanda Souza, técnica da Epamig, corrobora essa visão e afirma que também não conhece relatos de intimidação entre as produtoras de azeite. 

“Isso é algo bastante positivo - ainda mais quando pensamos que o agronegócio é um ambiente predominantemente masculino. Talvez pelo fato de terem vindo de outras áreas de atuação, elas têm facilidade de se estabelecer e conquistar espaço no negócio”, analisa. 

Herança de família

Distante do Sul de Minas, também há quem use os azeites da Serra da Mantiqueira para manter vivas as tradições familiares e realizar negócios. Descendente de sírios, Kátia Salomão aprendeu com a família a valorizar o produto. “Usamos muito em nossa culinária. Costumamos brincar que não colocamos azeite na comida, colocamos comida no azeite”, conta. Hoje, em sua fazenda em Lagoa Santa, produz cerca de 25 tipos de azeites saborizados. 

“Há cerca de sete anos, uma amiga me encomendou 40 garrafas para dar de presente de formatura. Quem ganhou o brinde veio encomendar mais e a coisa foi crescendo. Fiz uma leva para vender no Natal e, o que sobrou, acabei de vender em uma feira de bairro. A partir daí, foi virando um negócio”, relembra. 

Kátia transformou conhecimento de família em negócio premiado. Foto: Arquivo pessoal

Kátia compra os produtos e saboriza com alguns produtos importados, como cardamomo e canela. “Mas, muitos deles, como alecrim e laranja, eu produzo na minha horta. É tudo fresco, sem agrotóxico. Não tenho o selo oficial de orgânico, mas todo o processo segue essa linha. A água utilizada é de um poço artesiano e a terra é adubada com esterco de vaca.”

Apesar do pouco tempo de estrada, cerca de seis anos de empresa, o reconhecimento já chegou representado nos 17 prêmios que Kátia acumula. Só neste ano, a marca conquistou seis medalhas de ouro e prata na 9ª edição do EVO International Olive Oil Contest (IOOC), na Itália. Foram quatro medalhas de ouro com os azeites de Menta, Alecrim, Orégano, Pomodoro e Basílico, e duas de prata com e Cardamomo com Canela e Limão Siciliano. “Ter o reconhecimento de um país com larga tradição no azeite é bastante significativo, não apenas para mim como para o país em geral. Acredito que o nicho de azeites saborizados ainda tem muito a crescer, é pouco explorado no país”.

Fazenda de Kátia, em Lagoa Santa, é usada para atividades de degustação com o público. Foto: Arquivo pessoal 

O mesmo otimismo é estendido à produção de azeites em geral. “Enxergo como um mercado promissor, é um caminho sem volta. Temos mercado interno para isso e a qualidade já nos coloca como os melhores do mundo, vários azeites mineiros já são premiados. Se continuarmos nesse ritmo, a tendência é só crescer nos próximos anos”, avalia Kátia.

Para Amanda Souza, técnica da Epamig, os prêmios de todas essas mulheres envolvidas no segmento do azeite dão visibilidade aos produtos e incentivam a comercialização - fomentando ainda mais o setor. “A questão da sustentabilidade, muito presente nos negócios comandados por mulheres, também ajuda no aspecto comercial, pois hoje é um atributo cada vez mais exigido pelos consumidores”, garante. 

Criatividade feminina

Além de produzir e saborizar, algumas empresárias também utilizam o azeite e seus resíduos como base para a indústria da beleza e da confeitaria. A farmacêutica Vânia Gonçalves, moradora de Maria da Fé, se inspirou na primeira extração do produto para iniciar uma linha de cosméticos. Segundo ela, o azeite tem propriedades hidratantes, antioxidantes e alta concentração das vitaminas A, B, E e K - muito benéficas para a pele. 

“Além de usar o azeite em si, também utilizo o bagaço para fazer sabonetes e os caroços eu trituro para montar sachês aromáticos. Também é um negócio sustentável, pois reaproveito muito do que iria ser descartado”, conta. 

A criação de produtos iniciou-se a partir de uma técnica desenvolvida por pesquisadores da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig), de onde ela pega a matéria-prima, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (Fapemig). 

“Eu preparo o material para que ele possa ser usado durante todo o ano. Como a colheita só acontece uma vez por ano, preciso garantir que meus insumos durem até a próxima safra”, revela. 

Vânia utiliza azeite e seus resíduos para empreender na perfumaria. Foto: Divulgação pessoal 

Já a empresária Ana Lúcia Ribeiro, que tem lojas de doces em Maria da Fé e Itajubá, desenvolveu dois produtos curiosos: um chocolate meio-amargo que leva azeite da região e uma trufa recheada de azeitona. A ideia surgiu quando foi realizada uma feira na cidade cujo protagonista era o azeite e ela precisou inventar algo para participar do evento. 

“Geralmente, vendo mais para turistas por causa da curiosidade que esses doces despertam. O azeite acaba atraindo visitantes para a cidade, que entram na loja pelo fator inusitado e, muitas vezes, acabam comprando outros produtos também. Todo mundo sai ganhando”, comemora. 

Mulheres do mundo: uni-vos!  

Uma das figuras mais reconhecidas deste universo também é mulher e atende pelo nome de Ana Beloto. A sommelier de azeites e azeitóloga já está no ramo há mais de duas décadas e tem feito um importante trabalho de educação e divulgação - ofertando palestras, oficinas e workshops. Eleita como uma das 100 mulheres poderosas do agro em 2021, pela revista Forbes, ela cita o “pulo do gato” das mulheres no campo. 

“Temos facilidade em agregar e isso é uma característica importantíssima na olivicultura, que é muito desafiadora e demanda união. As mulheres são dedicadas e detalhistas. Veja o exemplo da Rosana, que instalou caixas de som e conseguiu uma mini safra. Elas pensam no diferencial do negócio e isso reflete em um produto de alta qualidade”, afirma. 

Sommelière de azeites pela Faculdade Federal de Química do Uruguai e especialista pela Ifapa e Dcoop, ambas instituições em Andaluzia, na Espanha, Ana Beloto também sabe agregar. Ela também participa de um grupo com mais de 1200 mulheres de mais de 40 países que produzem azeite ou são azeitólogas, o Women In Olive Oil. Ela e a produtora Glenda Hass lideram o braço nacional desse grupo, que conta com 288 brasileiras. 

Ana Beloto divulga conhecimento sobre o azeite há mais de duas décadas. Foto: Divulgação

“Formamos um elo e trocamos informações. É uma forma de fortalecer o setor e se apoiar em desafios. Também temos uma ramificação nacional, com quase 300 brasileiras”, diz. 

Ana também já assinou um blend mineiro que foi condecorado pelo Guia Mundial dos Azeites de Oliva, o Flos Olei, ficando entre os 500 melhores do mundo. Para ela, as mulheres têm tudo para se destacar cada vez mais no mercado. “A oliveira é um símbolo feminino em sua essência, então nada mais natural que esse negócio se torne ainda mais potente com a participação das mulheres no campo e na divulgação”, pontua.