O brasileiro nunca esteve tão saudável. É o que pode fazer acreditar o boom de academias abertas no país, a variedade de roupas de musculação disponíveis e as fileiras de caixinhas de whey nos supermercados. O mercado fitness de fato está em alta, com projeção de valer quase R$ 34,8 bilhões nos próximos anos só no segmento de nutrição esportiva e vestuário, de acordo com a consultoria Euromonitor International. As apostas do mercado são altas, e a pressão para queimar gordura e ganhar cada dia mais músculos apresenta ao consumidor crescentes opções — nem todas elas saudáveis ou acessíveis.
O número de academias e similares no Brasil aumentou 32,2% desde 2019 e passou de 59,4 mil para 78,5 mil — não coincidentemente, impulsionado pela preocupação com a saúde após a pandemia de Covid-19. Minas Gerais está acima da tendência nacional e viu um crescimento de 41% de estabelecimentos nesse período, de 3,3 mil para 4,6 mil, de acordo com o Conselho Federal de Educação Física (Confef). Outros setores cresceram nessa esteira. O faturamento do mercado de nutrição esportiva, que inclui os populares creatina e whey, disparou quase 69% de 2019 a 2023 e deve mais do que dobrar nos próximos quatro anos, a ponto de alcançar R$ 9,6 bilhões, segundo a Euromonitor International. Até o número de nutricionistas disparou: em 2013, o número de novos profissionais registrados no Conselho Regional de Nutricionistas de Minas Gerais (CRN9) foi 714. Em 2023, aumentou mais de três vezes e passou para 2.335.
Atenta à escalada ininterrupta dos indicadores de faturamento, a consultoria chama este momento de Revolução do Bem-Estar (ou Wellness Revolution, no original em inglês). A pandemia é um dos motores da virada. O coronavírus virou a atenção de parte do mundo para os cuidados com o corpo. “As pessoas primeiro ficaram atentas em cuidar da imunidade e, depois, da saúde de uma forma mais geral”, introduz a consultora de pesquisa da Euromonitor International Mariana Teixeira.
A preocupação com a saúde mental é mais um fator, seguido por outro que nunca saiu de moda: a estética. “Ela existe com muita força”, continua Teixeira. “Ela ainda converge para um perfil mais esguio, e não é à toa que vemos um super boom do uso de Ozempic para emagrecimento intenso. Mas também há movimento de body positivity, de aceitar o próprio corpo, contanto que seja saudável”.
Há quase 20 anos no setor de vestuário para exercícios e com três lojas em Belo Horizonte, a empresária Christiane Barbosa diz assistir a uma expansão do público. “A concorrência aumentou muito. Agora, estou lançando uma linha para a melhor idade, um público que está super ativo na atividade física. As crianças também. Antes, elas faziam natação, judô, balé, e hoje têm atividades para elas nas academias”, diz. O tradicional público jovem permanece fiel, prossegue ela: “a estética conta muito. Todo mundo quer ir arrumadinho para a academia”. O segmento de vestuário fitness atingiu um valor de R$ 17,8 bilhões no Brasil em 2023, com projeção de chegar a R$ 25,2 bilhões em 2028, segundo a Euromonitor.
Quem paga pelo fit?
Influencers do universo fit, as telas de cinema e as academias lotadas podem dar a impressão de que está todo mundo se exercitando e perseguindo um corpo magro e definido. Não é bem assim. Menos da metade dos brasileiros maiores de idade (40,6%) seguem a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) e praticam pelo menos 150 minutos de atividade física moderada por semana, segundo a pesquisa Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel). Em Belo Horizonte, o percentual é de 40,1%. O corpo esculpido que salta nas telas do celular nas redes sociais também não é uma realidade para a maioria dos brasileiros, já que 56% deles têm obesidade ou sobrepeso atualmente, segundo a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Outra pesquisa, esta conduzida pelo Serviço Social da Indústria (Sesi) em 2023, demonstra o impacto da desigualdade social sobre uma vida ativa. O nível de atividade cresce na medida da renda: 37% de quem ganha até um salário mínimo pratica atividade física pelo menos uma vez por semana, percentual que sobe para 70% entre quem recebe mais de cinco salários.
“Existe muito o discurso da meritocracia, de quem diz que é fácil, que qualquer um consegue fazer atividade física em casa. Tem gente com dinheiro que viaja para outro país para correr uma maratona. Mas isso é um acesso, não um mérito. Quanto tempo as pessoas com um salário considerado médio na população gastam no transporte público? Que horas as mulheres que trabalham farão atividade física?”, questiona a diretora científica da Sociedade Brasileira de Atividade Física e Saúde (SBAFS), Daisy Motta.
Ao lado de outras entidades do setor, a SBAFS pressiona o governo federal pela implementação de uma política nacional de atividades físicas. “Precisamos de investimento em pessoas e projetos que possam promover atividade física para a população. Não é só aumentar o número de academias, até porque tem pessoas que não gostam desse ambiente. Temos que pensar em outras coisas também, como danças e atividades culturais, além de só a atividade tradicional de pegar peso e exercício muito intenso”, defende Motta.
Ela destaca, ainda, que o nível de atividade física das mulheres é habitualmente menor do que o dos homens — 45% delas afirmam nunca se exercitar, contra 32% deles, mostra o estudo do Sesi. “As mulheres são menos ativas em todas as fases da vida e têm uma pressão estética maior. Isso agrava até a saúde mental”.
Foi essa pressão — mas também a atenção à saúde — que fisgou a auxiliar jurídica Rafaele Dias, de 29 anos. Há cerca de um ano, ela mudou de hábitos e, com isso, adquiriu um gasto mensal adicional de R$ 1.000. “A estética grita mais alto, mas me exercito pela saúde também. Minha respiração estava ruim com o sobrepeso, e eu sentia fadiga. Experimentava roupas e o número ia só aumentando, chegou a 42, e isso não me agradou”, conta. Hoje, ela paga por consultas com nutricionista, mensalidade da academia, consultoria de exercícios e creatina, fora os alimentos da dieta.
Por recomendação da nutricionista, ela também tentou tomar whey, a proteína à base do soro do leite de vaca que é moda entre quem faz musculação, contudo não se adaptou. “Achei o gosto péssimo, batia no estômago e embrulhava”, reclama. A despeito de pessoas como ela, o mercado dos concentrados de proteína, como o whey, não para de crescer — assim como os riscos do consumo desenfreado deles.
O pote de ouro da proteína
A febre do whey é antiga. O suplemento proteico, que é um subproduto da produção de queijos, começou a ser comercializado na forma de pó nos anos 90. Nunca mais deixou a rotina dos marombas e, desde então, estimulou a criação de lojas de nicho especializadas em produtos para musculação. Agora, ele migrou dos potões pesados para caixinhas coloridas nas prateleiras de supermercado e tenta conquistar o grande público.
A indústria e os supermercados tateiam estratégias para introduzir o produto no dia a dia dos consumidores. “Os supermercados, em parceria com a indústria, refletem nas suas gôndolas o comportamento do consumidor. Isto é, a oferta dos produtos atende à demanda dos lares ou de determinados segmentos de consumidores. É o que vem ocorrendo com esses produtos saudáveis”, pondera o presidente executivo da Associação Mineira de Supermercados (Amis), Antônio Claret Nametala, referindo-se não somente ao whey, mas à gama de opções fit que ocupam as prateleiras das redes de supermercados mais simples às mais premium.
“Antes, falávamos em um mercado concentrado em lojas especializadas. Quando os suplementos vão para outros formatos, como os ready to drink (prontos para beber, ou RTD) e as barrinhas, furam uma barreira e vão para um canal que se comunica com uma parcela muito maior de pessoas, um canal que fala com todo mundo”, explica a consultora da Euromonitor International Mariana Teixeira.
Para ampliar o público, o setor aposta em formatos práticos, e assim as caixinhas e as barrinhas de whey tornam-se, aos poucos, uma opção mais comum de lanche no dia a dia. “Os produtos enriquecidos com proteína estão conseguindo penetrar em extratos relativamente mais baixos de renda. Não significa que todo mundo esteja consumindo, mas antes era algo muito mais elitizado e, hoje, vemos entrar em extratos mais intermediários”, apresenta Teixeira. Mas quem, afinal, precisa de whey e de outros suplementos?
Proteinados, sim; saudáveis também?
A recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) é de consumo de 0,8 g de proteína por quilo diariamente — um adulto de 70 kg, portanto, deve consumir 56 g. Essa indicação, contudo, pode ser maior dependendo de uma série de fatores que somente um profissional é capaz de identificar, destaca a vice-presidente do Conselho Regional de Nutrição de Minas Gerais (CRN9), Bruna Soares Faria.
Ela também destaca que a suplementação não é uma recomendação para a população em geral, mas para casos específicos em que a pessoa não obtém toda a proteína necessária na alimentação natural. “Temos proteínas em carnes, leguminosas, cereais... O consumo de feijão com arroz está diminuindo no Brasil, e a combinação é uma excelente forma de consumir proteína. Indicamos suplementos para atletas, que precisam de aporte maior de proteínas, mas eles precisam fazer uma avaliação individual”, diz. Em uma década, o consumo de arroz e feijão dos brasileiros caiu, e o de produtos industrializados aumentou, comprova o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O marketing associa alto teor de proteína a saúde. A relação não é necessariamente verdadeira, enfatiza a nutricionista — o consumo sem controle pode, por exemplo, danificar os rins. Além disso, os suplementos à base de whey são alimentos ultraprocessados, isto é, formulações industriais. “Temos que evitar ultraprocessados ao máximo”, pontua Faria.
A diretora científica da Sociedade Brasileira de Atividade Física e Saúde (SBAFS), Daisy Motta, resume que o Brasil ainda tem um longo caminho rumo a uma saúde equilibrada fora da publicidade de suplementos compartilhada por influencers e das salas de academia. “O nível de atividade física cai, o tempo de tela aumenta, e a qualidade da alimentação piora. Com base nesses dados, as redes sociais não refletem muito bem o que tem acontecido”.