Camila Santini é uma influencer mineira como muitas outras. Ela posa em festas, usa looks combinados para se exercitar e compartilha fragmentos de sua rotina com uma dezena de milhares de seguidores. Mas ela tem algumas diferenças entre as influenciadoras habituais. Por trás das fotos, precisa se produzir de três a quatro dias inteiros para postar uma única imagem e sua estreia nas redes sociais demandou um investimento de quase R$ 1 milhão. Tudo isso porque é uma criação de inteligência artificial (IA).
Camila Santini não é uma pessoa, mas uma estratégia de marketing criada pela empresa de publicidade Grupo Gatti. O grupo já representa influenciadores tradicionais e, agora, quer expandir seu time para o mundo da IA e conquistar novos clientes (de carne e osso) com a novidade.
“As marcas têm muito medo de atrelar seu nome a um influenciador. E se ele cometer algo contra a lei? Puxa a marca junto. As marcas aceitam bem a IA porque se sentem mais seguras. A Camila Santini não cometerá nenhum tipo de delito, porque ‘controlamos a vida dela’”, argumenta o dono do grupo, Wemerson Gatti. Outro interesse é associar a imagem da marca à tecnologia e ao futuro. O primeiro grande contrato de Camila, diz ele, prevê o pagamento de R$ 200 mil por seis meses de conteúdo.
O desenvolvimento da personagem levou oito meses, segundo ele, e demandou o trabalho de 12 pessoas, sob um investimento de quase R$ 1 milhão. “Usamos em torno de 25 ferramentas de IA para construí-la. Só para o cabelo é uma, para a pele são outras duas. São necessários três, quatro dias para cada foto que construímos. Temos que tratar a luz como se fosse de flash, realçar o fundo como se fosse de um iPhone de altíssima qualidade, depois dar um realismo mais profundo”, diz Gatti.
Uma equipe fixa se dedica ao dia a dia de Camila. “São dois social media, um redator e um editor de imagens. Fizemos um banco de mais de mil imagens e estamos conversando com grandes marcas para a Camila se tornar embaixadora”, descreve Gatti. Atualmente, ela tem quase 12 mil seguidores no Instagram, inicialmente conquistados com tráfego pago, de acordo com o empresário. Após o lançamento oficial do perfil, nesta semana, o desafio passar a ser conquistar público — e clientes — de forma orgânica.
Influencers de IA são ‘sintomas do nosso tempo’, diz pesquisadora
Camila não é a primeira influenciadora feita com IA. Um dos exemplos mais famosos é Aitana Lopez, criação de uma empresa espanhola. Com 340 mil seguidores no Instagram, ela fatura mais de R$ 50 mil por mês, segundo o site EuroNews.
Para a coordenadora de pesquisa no Instituto de Referência em Internet e Sociedade (Iris), Fernanda Rodrigues, o surgimento desse tipo de personalidade é um sintoma deste momento. “Acredito que ela é bem sintomática do nosso tempo. Essa busca por influencers de IA surge em um momento em que muitas pessoas estão substituindo ou buscando manter as suas interações por meio de redes sociais, de aplicativos, pela internet, em vez de necessariamente encontrando as pessoas fisicamente. E aí, quando vemos essa busca por influencers de IA, me parece que é novamente uma tentativa de se distanciar das relações humanas e, consequentemente, do que é inerentemente humano. Justamente as eventuais discordâncias, os eventuais problemas que podem surgir de uma interação humana”, pondera.
Ela também ressalta que essas figuras podem reforçar estereótipos de corpos “padrão” — “magros, brancos, sem deficiência”. Ao mesmo tempo em que pode ser interessante ampliar esse leque e criar personalidades artificiais com outros corpos, isso pode ser uma faca de dois gumes, reflete a pesquisadora. “Me preocupa a quantidade de possíveis influenciadores reais que pertencem a esses grupos minoritários e podem perder suas oportunidades de contratos de publicidade em razão de influencers de IA. Influenciadores reais que são de grupos minoritários são pessoas que efetivamente passam por discriminações”.
Ela não condena o uso de IA para a geração de influencers, mas finaliza com um alerta: “é necessário agir com cautela sempre e, na prática, ter muita atenção aos impactos que o uso desse tipo de tecnologia pode gerar”.