Galinhas criadas com espaço, livres para ciscar, descansar e botar ovos de acordo com a própria natureza. Essa é a proposta de quem cria galinhas livres, ou “felizes”, para a produção de ovos. O modelo de negócio, que atrai principalmente pessoas engajadas com a causa animal, vem ganhando mercado e é a aposta de empresas mineiras que viram no produto um potencial para crescer exponencialmente.
De acordo com a analista de agronegócios da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais (Sistema Faemg Senar), Mariana Simões, esse é um mercado que tem se sustentado bem e encontrado público consumidor. “Tem essa preocupação hoje do consumidor com o bem-estar animal. É um nicho que tem se sustentado, os produtores têm investido e a população tem gostado”, diz.
Ela explica que, mesmo sendo um produto teoricamente mais caro (um ovo de galinha livre pode custar o dobro do ovo branco convencional), há demanda e espaço para crescer. “Se você investe em galinhas livres, você vai ter maior demanda industrial, de capital, de estrutura, além de manejo diferenciado. Isso acaba onerando os custos”, explica. “Você só vai tornar aquele sistema viável quando conseguir repassar aquele preço para o consumidor. Mas você tem ali uma parcela da população que consegue consumir e que tem interesse no produto”, argumenta.
Quem apostou nesse mercado e viu o negócio progredir significativamente foi Guilherme Baruffi, fundador da Fazenda Speranza. O produtor largou a carreira no setor automobilístico para investir na produção de ovos, em 2021. Em três anos, ele viu o número de aves saltar de 3.500 para 120 mil. A fazenda, localizada em São Sebastião do Oeste, no Oeste de Minas, produz hoje cerca de 60 mil ovos por dia, com potencial para aumentar para 80 mil, quando parte das aves que ainda são jovens atingirem a idade ideal.
“Criar galinhas livres consiste em prover para a ave a liberdade de expressar o comportamento natural dela. Ou seja, ela precisa de um grande espaço interno dentro do aviário para que ela possa se locomover com liberdade, se empoleirar, ter alimentação saudável, não passar fome ou sede e ter disponível enriquecimentos ambientais”, sintetiza Guilherme.
Galinhas livres também são objeto de investimento da Mantiqueira Brasil, que lançou, em 2021, a marca Happy Eggs®. Hoje, as galinhas livres são responsáveis por 20% da produção de ovos na empresa. A ideia é aumentar esse percentual, atendendo a uma demanda do consumidor. Recentemente, a Mantiqueira aderiu à Coalizão Brasileira de Bem-estar Animal (COBEA) e anunciou que até o fim deste ano terá mais de 3 milhões de galinhas livres. Hoje são 16 unidades produtivas em Minas Gerais, São Paulo, Mato Grosso, Goiás, Paraná e Santa Catarina.
“Embora os dados no Brasil ainda não sejam precisos, estima-se que os ovos de galinhas livres representem cerca de 5% do mercado nacional de ovos atualmente. No entanto, as projeções indicam um crescimento expressivo, com o segmento podendo alcançar quase 20% da produção total até 2030”, afirma André Carvalho, Diretor de Marketing e Inovação da Mantiqueira Brasil.
Minas é hoje o terceiro maior produtor de ovos de granja no Brasil, atrás apenas de São Paulo e Paraná. De acordo com a Faemg, no primeiro semestre de 2024, Minas respondeu por 9,5% da produção brasileira. Houve ainda um crescimento de 17% na produção, acima da média do país, que foi de 8%.
Mas são livres mesmo?
Apesar de não ser novo, o conceito de galinhas livres ganhou destaque no mercado nos últimos anos. E a ideia vem para rebater a criação de aves em grandes granjas, onde o animal não consegue se movimentar muito bem. Na teoria, a galinha criada livre vive como na natureza, com espaço para exercer comportamentos naturais da sua espécie.
Os criadores de galinhas felizes afirmam que o animal vivendo em um lugar com mais espaço consegue, por exemplo, se livrar de pragas, se locomover melhor, subir em um poleiro com tranquilidade e evitar estresse.
De acordo com os produtores, essa galinha não é submetida à ingestão de hormônios ou outros remédios que podem interferir diretamente no ovo botado por ela. Além disso, ela conta com uma alimentação balanceada e o mais natural possível. Embora não haja na literatura estudos que comprovem que o ovo de galinhas livres é mais saudável, segundo os produtores, há indícios de que os ovos sejam mais ricos nutricionalmente.
Em março de 2023, uma portaria do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) chegou a impedir que as aves fossem criadas totalmente soltas em uma área aberta, como um pasto. A medida visava combater a Influenza Aviária, diminuindo as chances de contato com um animal contaminado com o vírus. A norma, no entanto, foi revogada em abril de 2024, pela Portaria nº 727, mas o estado de emergência zoossanitária foi mantido em todo o território nacional. Hoje, está disponível no site do Mapa um manual de biosseguridade para a criação de aves. Ele orienta, por exemplo, o produtor a manter a criação fechada pelo menos na época de migração de aves vindas da América do Norte, de novembro a março.
Na fazenda de Guilherme, quando confinadas, as galinhas ficam em um espaço com temperatura e umidade controladas (24°C) e por onde entra a luz natural, com espaço para subir em poleiros e rolar no chão. “A galinha fica onde a gente chama de cama de casquinha de arroz. Da mesma forma que nós temos o hábito de tomar banho, a ave criada solta tem hábito de tomar o que a gente chama de banho de cama, que é rolar em uma areia bem soltinha ou em uma palha bem soltinha para poder limpar debaixo da asa e tirar algum inseto que está incomodando. Isso significa que ela é uma ave mais saudável, sem parasitas”, comenta.
“A gente veio de uma cultura global de uma produção de baixo custo. E essa produção de baixo custo é atingida quando você confina uma ave em uma gaiola, colocando de 15 a 16 aves por metro quadrado. É uma ave que não se movimenta”, diz sobre a criação de aves em granjas convencionais. “Para o bem-estar do animal, é preconizado até no máximo oito aves, dependendo do tipo do galpão. Hoje aqui na fazenda são sete aves por metro quadrado”, afirma Guilherme.
André, da Mantiqueira, conta que por lá as galinhas também não ficam confinadas em gaiolas. “As aves são mantidas em ambientes controlados, onde elas têm liberdade para manter o seu comportamento natural, ciscando, com espaço para movimentar as asas e acesso a poleiros e ninhos”, diz.
Tanto na Fazenda Speranza quanto na Mantiqueira, os processos de coleta dos ovos são automatizados. Além disso, há todo um protocolo a ser seguido no manejo dos animais, para evitar qualquer tipo de contaminação.
Ovo caipira orgânico também se destaca
Há uma pequena diferença entre o ovo caipira e o ovo de galinhas livres, e ela está no modo de criação e na alimentação dos animais. Enquanto este ainda tem “cara” de granja (com grandes populações de galinhas) e manejo controlado, aquele é fruto de uma criação menor, em um ambiente com menos animais e alimentação mais natural.
O ovo caipira é o foco do projeto Ovo Fácil. A iniciativa busca oferecer ovos caipiras de forma prática para moradores de condomínios. E funciona assim: um carrinho carregado de ovos é colocado no condomínio e o morador adquire o produto pelo sistema de autoatendimento. A proposta é levar o ovo caipira para mais próximo do consumidor. Além disso, recentemente, a empresa fez parceria também com pequenos empórios.
De acordo com Cláudia Ligório, CEO e fundadora da Fazendinha em Casa e responsável pelo Ovo Fácil, eles trabalham em parceria com pequenos produtores que criam galinhas soltas no quintal e têm uma alimentação mais natural. O projeto deu certo e teve um crescimento considerável nos últimos 2 anos. O número de condomínios pulou de 70 para 94 no período. Além disso, as vendas dos condomínios somadas às vendas dos empórios cresceram 400%.
Para ela, o resultado é reflexo de uma boa aceitação do consumidor. “Os principais reguladores no fim das contas são os consumidores. A gente tem clientes de anos comprando com a gente. Então, isso é o maior aval de que o cliente está muito feliz com aquilo que ele está comprando. Tem cliente que fala: meu bolo não é o mesmo quando eu faço com o outro comum”, conta.
Hoje, os ovos da Ovo Fácil são vendidos por R$ 17,90 a dúzia, e de R$ 238 a R$ 298 a caixa com 360.