Com mais de 50 shows e festivais em seu currículo, incluindo o da Madonna, realizado em maio deste ano no Rio de Janeiro, o engenheiro Lucas Magalhães faz parte da tropa que não mede esforços, e gastos, em busca dos melhores eventos musicais do país. Só na última edição do Lollapalooza, em São Paulo, o jovem investiu R$ 1.300 no ingresso para três dias de festival. “Gastei cerca de R$ 900 dentro do local dos shows. Com mais R$ 300 de passagens e R$ 450 de hospedagem, cheguei a investir quase R$ 3.000 em uma única viagem”, conta.

Lucas, e outros tantos apaixonados país afora, ajudam a movimentar um setor bilionário. De acordo com dados da Associação Brasileira dos Promotores de Eventos (Abrape), o mercado de atividades de cultura e entretenimento movimenta hoje no Brasil R$ 314,2 bilhões de faturamento anual e R$ 76 bilhões em massa salarial (19,9% do total do país).

Outra pesquisa, divulgada pelo Serasa em parceria com o instituto Opinion Box, que ouviu 1.398 pessoas em março deste ano, aponta que 62% dos entrevistados vão a pelo menos um show de artista nacional por ano e 27% frequentam pelo menos um show de artista internacional anualmente. Em relação aos hábitos financeiros, 56% deles sempre se planejam com antecedência e 46% costumam poupar ou investir algum dinheiro para destinar a esses gastos aos shows.

A próxima empreitada de Lucas é voltar ao Rio de Janeiro em setembro, no festival Rock in Rio, onde assistirá ao show de outra diva pop internacional: Katy Perry. Os R$ 375 do ingressos foram pagos à vista, mas ainda falta definir, e pagar, hospedagem e transporte. 

Lucas Magalhães planeja voltar ao Rock in Rio em setembro . Foto: Flavio Tavares / O Tempo

 

“Acabei não me planejando com antecedência e as passagens de avião estão caríssimas, cerca de R$ 1.000 em média. Provavelmente eu vá de ônibus mesmo. Pela plataforma da Buser, que oferece preços melhores, acredito que eu consiga ir e voltar por R$ 200. Também vou priorizar um Airbnb próximo ao local do show, para economizar em deslocamento”, diz.

Para tentar gastar menos, ele também fica de olho nas redes sociais para descobrir quais marcas vão fazer ações de ativação e distribuir produtos grátis durante o festival. “Participo de todas que posso. Já ganhei cerveja girando roleta e lanchinho ao postar uma foto mostrando a marca. Como são muitas horas de festival, dá para ganhar várias coisas sem deixar de aproveitar os shows,” afirma. 

Planejamento é fundamental

Consumidora voraz de shows e festivais, a estudante de direito Clara Freitas sempre recorre ao parcelamento para conseguir se planejar. Para conseguir assistir aos rappers Travis Scott e 21 Savage, também no Rock in Rio, ela dividiu o ingresso de R$ 397 em 4 vezes. A jovem também desembolsou R$ 528, dividido em seis parcelas, para assistir o ídolo Bruno Mars, que se apresenta em novembro no Mineirão. 

“O salário de estágio não é alto, então essa é a forma que encontrei para viabilizar minha ida aos shows sem me endividar. O parcelamento também é estratégico: caso surjam outros shows, eu consigo comprar sem me apertar. Existe a possibilidade de Adele e Olivia Rodrigo virem ao Brasil em breve. Se o anúncio acontecer, já estou preparada”, explica. 

Ela faz parte dos 48% dos fãs que recorrem ao cartão de crédito para poder assistir aos seus ídolos e dos 59% dos entrevistados que buscam opções de parcelamento sem juros, de acordo com a pesquisa do Serasa.

O consultor financeiro Silvio Azevedo alerta que a falta de planejamento, as compras por impulso e o mau uso do cartão de crédito podem gerar endividamento e prejuízos a longo prazo.

“Evite pegar cartão de crédito emprestado. É comum que, para shows mais caros, as pessoas não tenham limite total no cartão e recorram a amigos e familiares. Isso pode gerar o endividamento de mais de uma pessoa ao mesmo tempo. Além disso, lembre-se que não é só pagar as parcelas, também há gastos relacionados ao evento”, orienta. 

Clara garante que segue essa regrinha quando os shows acontecem fora de BH. “Geralmente, tento me hospedar na casa de parentes ou amigos e fico de olho em passagens baratas de ônibus. Também faço uma pequena compra no supermercado para baratear a alimentação. Tento gastar R$ 1 mil no máximo durante esse tipo de viagem, incluindo o ingresso e as despesas”, diz. 

Para quem já “meteu os pés pelas mãos” e se encalacrou com o cartão de crédito, o jeito é seguir uma vida mais regrada após o evento para não ser engolido pelas dívidas. “Se já se endividou, economize no lazer. Diminua ao máximo ou corte gastos com baladas e barzinhos até você conseguir equilibrar as contas”, aponta Silvio. 

Com parte do salário destinado a shows e festivais, Clara conta que já fez concessões em seu dia a dia quando os gastos pesaram. “Troco o Uber pelo ônibus e bebo menos quando saio. Quando fui ao show da Taylor Swift, em novembro do ano passado, passei meses sem sair à noite por causa dos gastos. Deixei de frequentar lugares para conseguir pagar.”

BH como destino 

Quem vem de cidades do interior para curtir os festivais mais famosos de BH, como Sarará e Sensacional, também busca formas de economizar na hospedagem e no deslocamento. O analista de sistemas Guilherme Cardoso, morador de Sete Lagoas, a 60 km da capital, conta que sempre opta pelo famoso “bate e volta”. 

“É muito perto, não compensa gastar dinheiro com hospedagem. Também não é vantajoso ir de carro, pois eu teria despesas com gasolina, pedágio e estacionamento. Já tenho um conhecido que sempre organiza vans e pago cerca de R$ 60 reais para ir e voltar. Sai muito mais barato do que ir para a rodoviária e depois ter que gastar com Uber para chegar ao local do evento”, analisa. 

Ele também conta que evita comer fora de casa e sempre compra o ingresso que dá direito ao open bar. “Não são todos os festivais que oferecem, mas priorizo essa modalidade para gastar menos. Bebida em festival é algo absurdo, já cheguei a comprar uma água por R$ 8. Entendo que precisam ter lucro, mas não entendo porque cobram tão caro.”

Outro cuidado tomado por ele é em relação ao cartão de crédito. “Só uso em caso de extrema necessidade, tanto que nem ando com ele na carteira. Por isso não me perco nas contas e nunca me enrolo. As pessoas precisam entender que crédito não é dinheiro na mão, a conta vai chegar em algum momento”, aconselha.

Victor Diniz, Mari Campos, Matheus Rocha e Gabriel Assad . Foto: Fred Magno/O Tempo

 

Victor Diniz, empresário e um dos organizadores do festival Sensacional, que acontece nos dias 20 e 21 deste mês no Parque Ecológico da Pampulha, afirma que são esperadas 25 mil pessoas na edição deste ano e, geralmente, 40% do público que frequenta o evento é de fora da região metropolitana de BH. 

“Estamos falando de quase 10 mil pessoas que saem de suas cidades para usar transporte, consumir alimentos e frequentar lojas e outros pontos culturais da cidade. Os eventos ajudam a gerar renda e reforçar nosso potencial turístico.”

Mercado aquecido, mas “com ressaca”

Com shows de Caetano Veloso e Maria Bethânia e do artista internacional Bruno Mars agendados para o segundo semestre, ambos no Mineirão, é nítido que BH se mantém firme no mapa dos grandes shows. A vinda de Andrea Bocelli em maio e o anúncio recente de que Ludmilla confirmou a cidade na nova turnê da Numanice, com show previsto para fevereiro, são outras provas de que a demanda de público ainda é alta. 

No entanto, para Priscilla Machado, diretora regional da Abrape, alguns movimentos recentes do mercado mostram que o público está mais seletivo “ao não conseguir absorver o excesso atual de eventos”. 

“Estamos vivendo um período de ressaca após dois anos de festa. No pós-pandemia, havia uma quantidade de eventos represados e uma demanda altíssima por entretenimento. Praticamente qualquer show tinha seus ingressos esgotados. Agora, o cancelamento das turnês de Ivete Sangalo e Ludmilla mostra que o público não quer pagar cerca de R$ 700 por um show”, analisa. 

A fala da especialista vai ao encontro da pesquisa do Serasa, que revelou que 70% do público compra ingressos de até R$ 300. Para Priscilla, além da alta demanda, a falta de mão de obra e o alto custo dos fornecedores também ajudaram a aumentar o valor dos ingressos. 

“Fomos o primeiro setor a fechar e o último a reabrir. Por isso, muitos prestadores de serviço acabaram indo para outras áreas durante a pandemia. Além disso, colocar piso, pagar segurança, contratar banheiro químico ficou muito mais caro nos últimos anos. Um show que era feito em 2019 pode custar o dobro hoje.”

Com um mercado dinâmico e que se reinventa constantemente, a especialista afirma que o “segredo” agora é que cada show ou festival encontre o caminho que faça mais sentido.

“Um artista do porte do Bruno Mars justifica mobilizar o Mineirão, pois o público entende que raramente terá outra oportunidade como essa e compra o ingresso. Já os festivais locais passaram por um ápice e agora estão vendo seu público diminuir. Faz sentido que eles voltem a acontecer em locais menores e com menos custos”, analisa. 

Victor Diniz conta que, enquanto a maioria dos festivais “deram um passo para frente” no pós-pandemia, o Sensacional escolheu “dar um passo para trás”. “Muitas marcas decidiram fazer o maior festival de todos os tempos e tiveram problemas com filas, estrutura e cancelamento de shows. Nós optamos por realizar uma edição menor e tivemos um público de 15 mil pessoas em 2022. Em 2020 havíamos atingido 25 mil pagantes”, diz. 

Para ele, fazia mais sentido focar em experiência para voltar a crescer aos poucos. “Em 2023 já conseguimos voltar ao público de 25 mil pessoas e, neste ano, teremos mais dois dias de festival em agosto com preço mais acessível e artistas independentes. É um crescimento calmo e planejado.”

Geração de emprego e renda

De acordo com dados da Abrape, Minas Gerais concentra 9.735 dos empregos, atrás apenas de São Paulo (40.347) e Rio de Janeiro (14.093). Já Belo Horizonte gera 3.644 empregos, atrás apenas de São Paulo (19.881), Rio de Janeiro (10.290) e Brasília (4.014).

“Está mais do que provado que o setor é fundamental para o país. Um show internacional que ocorre em BH, por exemplo, movimenta a compra de passagens de alguém que vem de fora, provoca a ocupação de hotéis e movimenta restaurantes. O Carnaval é a prova de como esse movimento em cadeia ocorre”, analisa Priscilla. 

A Prefeitura de Belo Horizonte avalia como positiva a continuidade de grandes eventos na cidade, como os festivais, e a vinda de artistas internacionais. “São eventos que movimentam a cadeia turística por completo, gerando renda e emprego, além de ampliar a projeção de BH e reforçar seu posicionamento como destino turístico. Temos dados mostrando que 22% dos turistas apreciam shows, eventos e vida noturna e 41% voltariam à cidade em busca de lazer”, afirma a Belotur. 

Já Victor Diniz aponta para a geração e o fomento de mão de obra. “Há alguns anos os profissionais tinham que sair da cidade para conseguir emprego no setor. Agora, eles têm a oportunidade de começar aqui. Estamos falando de atividades mais simples, como atendimento no bar do evento, e aquelas mais complexas, como cenografia, montagem e produção.”

Comportamento do público que consome shows e festivais*:

  • 46% destinam parte de suas rendas para esse tipo de evento
  • 56% costuma se planejar
  • 48% usam cartão de crédito 
  • 59% buscam opções de parcelamento sem juros
  • 62% vão a pelo menos um show de artista nacional por ano
  • 27% vão a pelo menos um show de artista internacional por ano
  • 70% pagariam R$300 no máximo em um ingresso 
  • 60% compram os ingressos menos de um mês antes de data do show
  • 68% gastam R$ 200, em média, com alimentos e bebidas durante os shows

*Dados da pesquisa Serasa/Opinion Box, que ouviu 1.398 pessoas em março de 2024