Fernando Henrique Cardoso, inicialmente ministro da economia e, depois, presidente, não foi o único “garoto-propaganda” do Plano Real. Entre a euforia e o receio da chegada de uma nova moeda, brilhava o frango. O quilo da ave custava, em média, um único real quando o plano estreou. O que hoje é a carne mais consumida no Brasil, na época foi uma novidade no carrinho de compras de muitos brasileiros e tornou-se um símbolo do aumento do poder de compra no país. Passados 30 anos, R$ 1 já não compra as mesmas coisas de 1994, e os brasileiros assistem a serviços ficarem mais caros do que a inflação acumulada em três décadas. Por outro lado, o salário mínimo aumentou acima dela (mais de três vezes) e impulsionou a qualidade de vida.

Corrigido pela inflação, R$ 1 de 1994 equivaleria, hoje, a cerca de R$ 0,12. Não à toa, as lojas de R$ 1,99 desapareceram desde então. Já o salário mínimo teve um salto acima da inflação. Para ter o mesmo poder de compra de 1995, quando o Plano Real estava em curso, o mínimo precisaria ser, hoje, de R$ 1.039,81, segundo cálculos do economista da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, Administrativas e Contábeis (Ipead) Diogo Santos. A base está acima disso, contudo — R$ 1.420.

“Com o envelhecimento da população, um maior número de pessoas vivendo da Previdência e os programas sociais atrelados a ele, o salário mínimo serve como uma referência de que o poder dos mais pobres e vulneráveis aumentou significativamente de 94 para cá”, pontua o pesquisador da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) e professor sênior da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da Universidade de São Paulo (FEA/USP) Heron do Carmo.

O aumento do poder de compra das famílias é uma expressão clara das mudanças macroeconômicas no dia a dia dos brasileiros. “Quando há controle inflacionário, a renda e o perfil de consumo das famílias mudam. Logo, se uma pessoa só comia arroz, feijão e uma carne de segunda, agora pode comer arroz, feijão e uma carne de primeira. Depois, diminui o arroz e o feijão para comer outras coisas e, por fim, amplia a alimentação fora do domicílio”, explica o economista-chefe da Associação Paulista de Supermercados (Apas), Felipe Queiroz.

Ele calcula a variação da cesta de cerca de 200 itens básicos em São Paulo, uma das cidades com o custo de vida mais alto do Brasil. Em 30 anos, o índice mensurado pela Apas variou 428%. Em contrapartida, a inflação geral no período, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo, foi de cerca de 708%.

Ainda que a variação dos produtos básicos tenha ficado, em geral, abaixo da inflação acumulada, o cenário muda na seara dos serviços. Queiroz destaca, por exemplo, a variação de mais de 1.000% dos preços de aluguel de imóveis na capital paulista. “Na medida em que a renda aumenta, as pessoas mudam de residência, e o efeito da especulação imobiliária é ampliado nos grandes centros. Não é um problema apenas de São Paulo ou de BH, mas mundial”, diz.

Tabela do IR está defasada

A tabela do Imposto de Renda também está defasada na era real. Se a faixa de isenção do imposto fosse atualizada no mesmo ritmo da inflação no período, seriam isentas pessoas com renda de até R$ 5.021,38, o que beneficiaria cerca de 15,5 milhões de brasileiros, segundo a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco).

Passados 30 anos do real, não existem desafios tão grandes que sejam incontornáveis, diz o professor da FEA/USP Heron do Carmo.