Qual o senhor considera ser o grande legado do real? O que ele representa para a nação? Agora temos uma moeda estável. Isso é um marco civilizatório. Gustavo Franco costuma dizer, inclusive no livro sobre os 30 anos do real que estamos lançando, que um país se define por seu hino, sua bandeira e sua moeda. Mais importante é a questão do poder de compra da população. A alta inflação que tivemos é um desrespeito à cidadania.  

Quarenta por cento da população brasileira hoje nasceu em 1994 ou depois e não faz ideia do que eram aqueles tempos de hiperinflação. É outro mundo. Existe uma economia brasileira pré-1994 e outra depois de 1994. Continuamos com desafios importantes, mas alguns não existem mais. Um é a alta inflação. Obviamente, a de hoje, 4%, incomoda. Antes do Plano Real, essa era a de três dias. A inflação era 3.000%. Não há como pensar que algum político, de esquerda ou de direita, mexerá com os fundamentos econômicos a ponto de provocar uma inflação desse tipo. 

Como surgiu a ideia do real? A ideia em si era antiga. Alternativas para poder estabilizar a economia sem praticar os arrochos monetário e salarial, característicos da ditadura. Na PUC Rio, no final dos anos 1970 e início dos 1980, nosso grupo se dedicou à análise de alternativas. E dali saíram duas propostas. Uma era chamada “choque heterodoxo”, de Chico Lopes, e foi muito mal aplicada no Plano Cruzado. A outra era uma reforma monetária, que partiu de trabalhos de Persio Arida e André Lara Resende, que, com muitas modificações, foi aplicada no Plano Real. As ideias estavam lá, o que não tínhamos era poder. O poder apareceu quando Fernando Henrique foi nomeado por Itamar ministro da Fazenda. Primeiro seguiu um pequeno grupo, mas depois, em agosto de 1993, o grupo inteiro da PUC – Pedro Malan, eu, Winston Fritsch, Gustavo Franco, André Lara Resende e Persio Arida. Havia ali uma união da técnica com a política, que foi fundamental não só para a concepção, mas para a implementação do Plano Real da forma como foi feita.  

E a história do rascunho do plano em um papel azul? Foi ali que nasceu a Unidade Real de Valor (URV)? Fernando Henrique estava muito triste porque Itamar demitiu o presidente do BC, (Paulo César) Ximenes, sem contar para ele. Fizemos uma reunião na casa dele, e eu rascunhei como seria o plano se fôssemos ficar nesse papelzinho azul, que depois eu destruí para não cair na mão de vocês: a imprensa. 

A URV já estava prevista ali? Já tínhamos conversado muito sobre isso. Basicamente, era começar com um ajuste fiscal – cortamos 20% das despesas obrigatórias a partir de uma emenda constitucional. Depois, a unificação do sistema de indexação, a partir da URV, durante quatro meses. Em seguida, a introdução do real ancorado no dólar. Isso estava no papelzinho e foi isso o que fizemos. 

Como eram as reuniões? Entre nós, da equipe, não houve muitos problemas. Com o Congresso foi uma questão de convencimento. Pedimos uma coisa bastante difícil, que era cortar 20% dos gastos obrigatórios do Orçamento, e Itamar perguntou o que daríamos de volta. Dissemos que daríamos estabilidade, e quem votasse a favor se reelegeria. Ele entendia perfeitamente essa linguagem. Não precisamos dar nada em troca, nenhum toma lá dá cá.  

O plano tinha a questão da eleição de FHC. Isso foi um grande cabo eleitoral. O plano é resultado da união de boa técnica com política com “P” maiúsculo. Sabíamos que, para eleger Fernando Henrique, era preciso introduzir o plano antes das eleições. E o impacto foi imediato. Em julho, Lula tinha 40%, e Fernando Henrique tinha 20% nas pesquisas. Em agosto, Fernando Henrique tinha 40%, e Lula, 20%.  

Quais foram os momentos mais desafiadores? Houve toda a questão de manter a inflação baixa, a crise de 1998 e 1999 e o abandono da âncora cambial. Outra passagem crítica foi a entrada do Lula no governo. O mercado financeiro esperava era o “cano” na dívida, como estava escrito no programa do PT.  

Ele foi um opositor ao plano lá atrás, em 1993 e 1994. Tanto ele quanto Bolsonaro. Havia esta questão: Lula vai entrar, e o que vai acontecer? Não aconteceu nada. Ele se comportou muito bem nos primeiros anos, e houve a bonança das commodities. Aí entrou Dilma e, quando as commodities fraquejaram, ela fez uma política maluca e foi derrubada também porque deixou a inflação ir para 10%. 

O que deve ser feito para manter estabilidade econômica e inflação sob controle? Falta desenvolvimento. O desenvolvimentismo é muito associado na nossa história ao inflacionismo e ao protecionismo, e a última coisa que queremos é essa trindade da ditadura militar. 

Qual mensagem fica para os próximos 30 anos? A mensagem é que o copo está meio cheio. Não temos mais a alta inflação que existia no Plano Real nem as crises de balanço de pagamentos. O copo meio vazio é não conseguirmos ser como o Chile, que era pobre e virou o país mais rico da América do Sul. O alicerce está aí. Controlar a inflação e ter uma moeda como símbolo nacional foi feito há 30 anos.