A partir da próxima quarta-feira (6/8), tem início a tarifação de 50% sobre produtos brasileiros nos Estados Unidos, mas possivelmente o impacto sobre a economia nos dois países não será tão grande quanto a expectativa inicial, já que boa parte dos setores exportadores foram contemplados na lista de quase 700 itens de exceção. Até mesmo para os produtores de café, que têm alta demanda, mas não foram incluídos na listagem, devem encontrar soluções para escoar a produção que abasteceria as cafeterias do país presidido por Donald Trump.
Em 2024, as exportações de café para os Estados Unidos foram de US$ 1,9 bilhão. Segundo levantamento recente da CNN, 30,7% do café consumido no país sai do Brasil, enquanto 18,3% tem como origem a Colômbia. Os EUA também são abastecidos com café de Vietnã, Honduras, Guatemala e México, entre outros países.
Mesmo com a taxação de 50% sobre o produto brasileiro, não há garantia de que os cafezais das outras nações consigam suprir a alta e crescente demanda do mercado consumidor norte-americano. De acordo com a National Coffee Association, principal associação comercial da indústria cafeeira dos EUA, estima-se que dois terços dos adultos americanos bebam café todos os dias e que mais de 70% consumam a bebida todas as semanas.
“É um produto que os Estados Unidos dependem da exportação brasileira porque não conseguem substituir por outro facilmente”, afirma Paulo Casaca, economista do Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas Administrativas e Contábeis de Minas Gerais (Ipead/UFMG). E o norte-americano tem buscado qualidade na hora de apreciar sua bebida favorita.
O consumo de café especial aumentou quase 18% nos últimos cinco anos nos Estados Unidos – e nem todo produtor consegue oferecer a qualidade igual ou próxima do produto cultivado no Sul de Minas, por exemplo. “O café brasileiro é o mais competitivo, tanto o arábica quanto o robusta. Ele traz o corpo e a doçura que os cafés de outras origens não têm”, disse Marcio Ferreira, presidente do Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), logo após o anúncio do tarifaço por Trump.
E a demanda no país continua crescendo. A empresa Custom Market Insights estima um crescimento do setor cafeeiro em 66% em dez anos – de US$ 90,97 bilhões em 2025 para US$ 150,88 bilhões em 2034. Tudo isso deve ocorrer mesmo com a inflação do produto: o preço do café moído subiu 12,7% no último ano (cerca de um dólar por pacote), de acordo com o Departamento de Estatística do Trabalho dos EUA. O valor tende a continuar subindo, mas não há nada que indique que o norte-americano deixe de tomar café por isso.
É possível que ainda haja negociações entre empresas dos EUA e os exportadores brasileiros por não haver estoque neste momento para atender os consumidores. A produção global de café em 2025/26 deve somar 178,7 milhões de sacas, de acordo com estimativa do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA, na sigla em inglês), mas, como o consumo global deve atingir um recorde de 169,4 milhões de sacas, o estoque global fica apertado – sem chegar a 22,8 milhões de sacas.
“Os produtores e os exportadores brasileiros precisam pensar em alternativas. Se o Brasil perder realmente esse mercado americano para outro possível exportador, o que vai acontecer? Vão atender outro país interessado”, explica Stefânia Ladeira, especialista em comércio exterior e gerente de produtos da Saygo Comex.
De acordo com Carla Beni, economista e professora de MBAs da Fundação Getulio Vargas (FGV), a confirmação do tarifaço não foi tão impactante para o setor produtivo quanto se imaginava. “O anúncio de ontem trouxe um grande alívio, principalmente por causa da lista de quase 700 itens que foram retirados da elevação de 50% da alíquota de importação. Pode não ser uma maravilha, porque o movimento ideal seria que essa elevação não ocorresse. Mas é uma situação que foi menos pior, pois o pacote que está sendo estudado internamente (pelo governo) para poder dar apoio para os segmentos afetados vai ser muito menor do que se esperava”.
E a carne?
Os produtores de carnes, que também ficaram de fora da lista de exceções, também podem ampliar mercados na Ásia. Pedro Braga, presidente do Sindicato das Indústrias de Carnes, Derivados e de Frios de Minas Gerais (Sinduscarne), adiantou a O TEMPO que o setor está buscando negociar com Vietnã e fortalecer os mercados já existentes na China, Oriente Médio e Europa.
Segundo Stefânia Ladeira, especialista em comércio exterior e gerente de produtos da Saygo Comex, o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) vai ter que trabalhar intensamente para analisar as necessidades sanitárias de outros países e verificar as possibilidades de a produção brasileira atendê-las. “Quando a gente fala das carnes, um dos principais países de destino, uma das principais regiões, é inclusive a China. A China compra bastante carne do Brasil, do Uruguai, da Austrália, então a gente tem a oportunidade de estender essas carnes para lá. A única questão é entender junto aos órgãos se os abates no Brasil estão regulados para poder exportar a carne para esses lugares”.
O próprio governo chinês tem demonstrado interesse em comprar mais produtos do Brasil. “A médio prazo, pode ser uma oportunidade para produtos em ascensão no mercado asiático. Um exemplo é o café especial brasileiro, que hoje possui uma grande entrada no mercado norte-americano e tem sido cada vez mais consumido na China. Em um futuro próximo, o mercado chinês pode ser um grande comprador deste produto em contraponto ao mercado americano”, garante a diretora executiva da Câmara Chinesa de Comércio do Brasil, Mariana Bahia.
Para Fagner Santos, especialista em comércio exterior e mercado Chinês da JF Comex Consultoria, este é o momento dos exportadores investirem mais no contato com empresas chinesas, além de visitarem feiras em Pequim e Xangai. “É preciso ir a campo, ir até a China para conhecer esse mercado e buscar parcerias com empresas chinesas que possam ser a fábrica e representar as marcas dos produtos brasileiros por lá. Essas empresas chinesas importadoras vão entender o projeto apresentado e caso gostarem do produto e entendam que têm potencial de consumo no seu mercado interno passam a ser parceiros de negócios para as marcas brasileiras”.