A conta de luz ficará mais cara em julho devido à bandeira amarela. Com a mudança — a primeira desde abril de 2022 —, a indústria reagiu e pede soluções para evitar mais variações como essa no futuro. Para a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), a resposta passa por construir mais hidrelétricas, como ela reforçou em uma nota pública divulgada neste mês. Mas isso é uma alternativa viável? E as hidrelétricas são uma fonte de energia tão limpa quanto seus maiores defensores sugerem?
Para responder a essas perguntas, é importante entender a lógica de acionamento da bandeira amarela. Ela é adotada quando há ameaças ao pleno abastecimento de energia. Desta vez, é devido à previsão de chuvas 50% abaixo da média até o final do ano e a um inverno mais quente que o habitual. Nessas condições, pode ser necessário recorrer às termelétricas para complementar a demanda de energia. É uma fonte mais cara, e o aumento da conta de luz não apenas custeia essa alta como estimula o consumidor a gastar menos e, assim, diminuir a necessidade das termelétricas.
Nesse cenário e com uma perspectiva de contas mais altas para empresas e pessoas físicas, a Fiemg emitiu uma nota em que pede mais hidrelétricas no Brasil. “O acionamento da bandeira amarela sinaliza que estamos ligando as termelétricas, que são poluentes e mais caras que as hidrelétricas. Ou seja, estamos encarecendo a conta do consumidor e poluindo o meio ambiente devido a uma escolha que fizemos no passado de não investir mais em hidrelétricas”, diz o presidente da entidade, Flávio Roscoe, em trecho do documento.
Para o professor do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (USP) Dailson Bertassoli Júnior, que pesquisa hidrelétricas, a proposta não é eficiente para diminuir a variação da conta de luz. “Continuaremos a depender da variação de chuvas. Muitas vezes, as pessoas não colocam isso na conta. As variações tendem a aumentar no cenário de mudanças climáticas, e as condições tendem a se tornar piores. Pode construir quantas hidrelétricas quiser, continuaremos a ter esse problema”, diz.
O Brasil é, historicamente, um dos países que mais investiu em hidrelétricas em sua história, e tem duas das cinco maiores do mundo. A maioria das usinas brasileiras concentra-se ao redor de grandes centros urbanos, e a nova fronteira das obras é a região amazônica, a exemplo de Belo Monte, inaugurada em 2016 no Pará. Os impactos ambientais da instalação da usina, contudo, que tem secado trechos do rio Xingu e posto em risco a vida de comunidades indígenas e ribeirinhas, coloca em xeque novas iniciativas desse porte.
Uma das soluções para aumentar a eficiência energética do Brasil é investir nas estruturas que já foram construídas, e não levantar novas, defende Bertassoli Júnior. “Exaurimos boa parte do potencial economicamente viável no Sudeste. Existe a possibilidade de melhorar a capacidade das hidrelétricas que já existem e deixá-las mais eficientes”. Entre as soluções apresentadas por ele, estão a substituição das turbinas por modelos mais novos e a adaptação das usinas ao modelo reversível, capaz de armazenar energia em períodos de excesso de geração.
A Fiemg calcula que a substituição de fontes não renováveis de energia — como as usinas termelétricas — por hidrelétricas poderia gerar uma redução de custos com energia elétrica de 19,3% por ano, além de um aumento nas exportações de R$ 13,5 bilhões e um crescimento de 0,9% do Produto Interno Bruno (PIB) do Brasil. O professor Bertassoli Júnior concorda que é necessário investir em fontes renováveis, mas questiona se isso significa necessariamente ter mais hidrelétricas.
Quase 70% da geração de energia no país depende das hidrelétricas, segundo dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). Em seguida, estão a eólica (12,1%) e a solar (9,4%). “Precisamos diversificar essa matriz em vez de confiar novamente apenas nas hidrelétricas. Mas, para quem tem martelo na mão, todo parafuso é prego”, diz o pesquisador, referindo-se à insistência de alguns setores na geração de energia hidrelétrica.
Hidrelétricas tem uma energia limpa de fato?
A fonte de energia das hidrelétricas é renovável, mas é de fato limpa, isto é, não polui? Não é bem assim. Estudos demonstram que, dependendo do modelo, da dimensão e de onde elas são instaladas, também são poluentes.
Uma pesquisa do Instituto de Geociências (IGc) da USP, em parceria com a Universidade de Linköping, na Suécia, a Universidade de Washington, nos Estados Unidos, e a Universidade Federal do Pará (UFPA) mostrou, em 2021, que Belo Monte aumentou em três vezes a emissão de gases do efeito estufa na região amazônia.
Um dos autores do estudo, o professor Dailson Bertassoli Júnior pondera que esse não é o problema mais grave implicado nas hidrelétricas. “Elas emitem gases, mas muito menos do que outras fontes, como as termelétricas. Levamos em conta fatores globais, porque as emissões são globais, mas não podemos descartar impactos locais. Emite-se menos gases, o que tem um impacto positivo, mas Belo Monte deslocou milhares de pessoas, inundou uma área super relevante e impactou ciclos de cheia”, diz.
Uma alternativa cujo impacto ainda precisa ser melhor estudado, completa ele, são as Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs), usinas de porte muito menor para atender a demandas reduzidas. “Elas têm um impacto global menos intenso, porque ocupam um espaço bem menor. Mas o impacto combinado de várias pequenas usinas não é muito bem entendido e precisa ser considerado”, conclui.