“Se as abelhas desaparecerem da face da terra, a humanidade terá apenas mais quatro anos de existência”. A frase atribuída a Albert Einstein lembra que a polinização é tão importante que, sem ela, não há flora, não há animais e não há vida humana. Nesse sentido, um tipo de abelha tem ganhado atenção nos últimos anos por sua importância para a natureza e a economia: as abelhas sem ferrão. Esses animais têm sido ponto de debate em diversas instâncias no Brasil e no mundo, sendo alvo, inclusive, de projetos de lei que visam sua proteção.
O Brasil conta com cerca de 300 espécies de abelhas sem ferrão (também chamadas de nativas ou indígenas). Elas produzem mel - que, segundo especialistas, é um produto caro e rico em propriedades medicinais - e ajudam na polinização de diversos vegetais, inclusive os consumidos por humanos, como café, tomate, berinjela, urucum, coco, morango, goiaba, cupuaçu e açaí. No mundo, segundo a Food and Agriculture Organization (FAO) - órgão das Nações Unidas para a alimentação e agricultura, mais de 75% de todas as plantações de alimentos dependem da polinização natural.
De acordo com o agrônomo Lucas Oliva, analista de assistência técnica e gerencial do sistema Faemg/Senar, a meliponicultura (nome que se dá ao cultivo desse tipo de abelha) tem avançado bastante em Minas Gerais. Segundo dados do Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA), mais de 500 propriedades são especializadas em meliponíneos, as abelhas sem ferrão.
E o interesse pelas abelhas sem ferrão acontece por vários motivos, entre eles: produção de mel, educação (por não ter ferrão, são mais interessantes para mostrar para crianças), hobby e polinização na agricultura. “Você pode criar no quintal da casa, tem muita comercialização das abelhas para hobby”, exemplifica.
Além disso, tem sido fonte de renda para os meliponicultores, que são contratados para levar as colônias para polinizar plantações por um período de tempo. “Hoje nós temos muitos serviços de polinização. O pessoal leva muito no café para ajudar na polinização, na melhoria da qualidade da bebida, na qualidade do grão. A gente tem estudos que mostram que aumenta a produtividade, inclusive no café arábica. O café arábica é uma planta autógama, ou seja, quando a flor abre, já abre polonizada, mas mesmo assim a gente tem estudos que comprovam esse aumento na produtividade”, revela.
Ele explica que as abelhas sem ferrão são muito importantes para o equilíbrio do ecossistema e para a segurança alimentar. No quesito ecossistema, muitas vegetações, como as presentes na Mata Atlântica e no Cerrado, são polinizadas pelas abelhas sem ferrão. Em alguns casos, há plantas que só as abelhas sem ferrão conseguem polinizar.
Já a segurança alimentar envolve diversos fatores. Um deles é que onde tem abelha significa que o manejo de inseticidas é feito da forma correta. “As abelhas são bioindicadoras de manejo correto. Porque elas são muito sensíveis a alguns tipos de princípios ativos, de inseticidas. Então, onde a gente tem as abelhas, quer dizer que o manejo está sendo correto naquela região”, explica.
Mel bom e “caro”
Um atrativo para quem investe nas abelhas sem ferrão é o valor do mel. Por ser mais raro e produzido em menor escala e ter propriedades medicinais, o mel de abelhas sem ferrão costuma ter maior valor agregado. Um litro desse mel pode chegar a R$ 800. E se for monofloral, ou seja, de uma única planta, é mais valorizado ainda. Quando o meliponicultor trabalha levando as abelhas para as fazendas de café ou laranja, por exemplo, como citou Lucas Oliva, ele ainda consegue a produção de mel monofloral. “Ele ganha duas vezes”, diz o agrônomo.
Busca por proteção
Apesar do crescimento no interesse por esses insetos, as abelhas sem ferrão estão sob risco com as mudanças climáticas. Ondas de calor, secas e inundações atingem fortemente o habitat desses animais. A falta de água é um dos fatores que mais afetam as abelhas. “Elas precisam de água para produzir mel e refrigerar a colmeia”, explica Lucas Oliva.
No ano passado, o fator climático que mais afetou as abelhas foram as enchentes no Rio Grande do Sul. Segundo a Federação Apícola e de Meliponicultura do estado, entre 35 mil e 60 mil colmeias foram destruídas, causando impacto direto na apicultura, meliponicultura e produção de alimentos que dependem da polinização.
A ação do homem é tão preocupante quanto. As abelhas, como qualquer inseto, são sensíveis e frequentemente afetadas por agrotóxicos usados de maneira incorreta. Além de não sobreviverem a queimadas e sofrerem com o desmatamento. Diante disso, diversas ações têm sido feitas para proteger esses animais.
No Peru, por exemplo, lideranças indígenas se preparam para levar ao Congresso uma proposta de Declaração dos Direitos da Natureza para as abelhas sem ferrão. Os Direitos da Natureza nasceram de um movimento mundial e compõem um paradigma ético-jurídico alinhado com a ancestralidade indígena que reconhece a interdependência entre todos os elementos naturais – animais, vegetais, minerais ou humanos. Ou seja, reconhecem a natureza como sujeito de direitos, e não como objeto de direitos dos seres humanos - que se apropriam e exploram aquele elemento. A ação busca apoio por meio de uma petição online, publicada no site Avaaz. Até o fechamento desta matéria, a petição já tinha cerca de 225 mil assinaturas.
Projetos de Lei
No Brasil, diversos projetos de lei, no âmbito estadual e federal, tratam do reconhecimento da meliponicultura e de sua importância para a natureza e para a economia. Em Minas Gerais, tramita na Assembleia Legislativa um projeto de lei que trata da cadeia produtiva das abelhas sem ferrão - guarda, criação, manejo, uso, transporte, resgate e comércio de colônias de abelhas desse tipo.
O Projeto de Lei (PL) 2.477/21 recebeu parecer favorável da Comissão de Agropecuária e Agroindústria no início de outubro e agora aguarda parecer da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável.
Em Roraima, os deputados aprovaram, em maio deste ano, o Projeto de Lei (PL) nº 142/2024, que declara a criação de abelhas nativas sem ferrão como atividade de relevante interesse social, econômico e ambiental no estado.
Na Câmara dos Deputados, a Comissão de Desenvolvimento Urbano aprovou, em setembro passado, a proposta que visa promover ações de incentivo à proteção das abelhas sem ferrão e ao desenvolvimento de meliponários urbanos dentro da política de produção de mel. O texto aprovado é um substitutivo da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável ao Projeto de Lei 430/23, do deputado José Medeiros (PL-MT).
O texto original inclui a delimitação de áreas para proteção às abelhas sem ferrão e meliponários urbanos entre os itens do plano diretor das cidades. A proposta ainda será analisada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. Para virar lei, ela precisa ser aprovada pela Câmara e pelo Senado.