Pelo menos três entidades econômicas brasileiras se manifestaram após o presidente da Argentina, Javier Milei, receber o prêmio de Economista do Ano da Ordem dos Economistas do Brasil (OEB). Membros da Ordem estiveram em Buenos Aires nessa terça-feira (25) para entregar o prêmio a Milei. 

O Conselho Federal de Economia (Cofecon), o Conselho Regional de Economia do Estado de São Paulo (Corecon-SP) e a Associação Brasileira de Economistas pela Democracia (Abed) contestam a honraria e afirmam que a Ordem não representa os economistas brasileiros. 

Em nota, o Cofecon afirma que a OEB é uma entidade privada "que reúne um pequeno grupo de cidadãos", que não representam a profissão, e aponta que Manuel Enriquez Garcia, atual presidente da OEB, teve o seu registro de economista suspenso por questões éticas. 

"Além disso, Milei é acusado de participar de uma associação ilícita que causou prejuízo a mais de 40 mil pessoas. A denúncia surgiu após a divulgação em suas redes sociais, no dia 14 de fevereiro, da criptomoeda $LIBRA, que posteriormente se revelou uma fraude do tipo “rug pull” (ou “puxada de tapete”)", diz o texto. 

Já o Corecon-SP reforçou que as únicas entidades que representam os economistas são o Conselho Federal de Economia, que regulamenta e fiscaliza o exercício da profissão, e o Sindicato dos Economistas, que atua na defesa da categoria. 

"O prêmio não foi entregue pela entidade que representa os economistas brasileiros. A referida Ordem é uma organização da sociedade civil com pouquíssimos associados com suas contribuições em dia e representa somente esse restrito público", assina Odilon Guedes, presidente do Corecon-SP. 

Já a Abed afirmou que o prêmio legitima um projeto econômico "destrutivo e antidemocrático" e revela uma preocupante adesão a uma agenda ultraliberal que compromete o desenvolvimento social e econômico da América Latina.

"Milei tem conduzido a economia argentina por um caminho de desmonte do Estado, desregulamentação selvagem e ataques aos direitos sociais e trabalhistas, aprofundando a recessão, a desigualdade e a instabilidade econômica", afirma a nota. 

No ano passado, essa láurea foi dada ao então presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, uma escolha questionada por outras associações do setor. O prêmio é concedido anualmente desde 1957.

Como foi a entrega do prêmio? 

Milei esteve reunido com a direção por cerca de 1 hora e 15 minutos, segundo relatos à reportagem. Ele foi convidado para ir ao Brasil em agosto, para a cerimônia de premiação, e a Ordem diz que o presidente aceitou o convite e disse que quer cumprir agenda de três dias no país.

Na carta do prêmio que o próprio Milei compartilhou, a Ordem diz que a escolha pelo ultraliberal "não poderia ter sido mais acertada". O grupo afirma que Milei atua com sabedoria e determinação nas políticas monetária e regulatória, levando à estabilização da economia argentina diante de tempos difíceis.

"Sua visão estratégica e seu compromisso com a estabilidade econômica têm sido fundamentais para guiar o país em momentos de incerteza e volatilidade dos mercados", diz a OEB.

Estiveram presentes, de acordo com o governo, o presidente da Ordem, o professor da Faculdade de Economia da USP Manuel Enriquez Garcia; o vice-presidente, Luis Carlos Barnabe, o coordenador local na Argentina, Ivan Slepoy, e outros três membros honorários do grupo.

"Nossa tradição é a de, sem nenhuma ideologia, premiar economistas que ganham destaque por sua contribuição em postos do governo e à sociedade. Neste ano o nome foi Javier Milei", afirmou García. Ele também mencionou o que chama de "efeitos positivos, principalmente entre as camadas dos mais pobres," da gestão ultraliberal.

Javier Milei vinha consolidando uma política macroeconômica elogiada pelo empresariado e por parceiros internacionais, até se deparar com o primeiro escândalo de sua gestão: a divulgação da criptomoeda $Libra, acarretando denúncias de que ele estaria envolvido em um esquema de fraude. O tema é analisado pelo Ministério Público Federal argentino.

Confira as notas das entidades na íntegra

Conselho Federal de Economia (Cofecon):

"O Conselho Federal de Economia (Cofecon) manifesta-se contra a decisão da Ordem dos Economistas do Brasil (OEB) de conceder o título de “Economista do Ano” ao presidente da Argentina, Javier Milei. 

O presidente argentino enfrenta um escândalo de natureza econômica em seu próprio país, sendo acusado neste mês de participar de uma associação ilícita que causou prejuízo a mais de 40 mil pessoas. A denúncia surgiu após a divulgação em suas redes sociais, no dia 14 de fevereiro, da criptomoeda $LIBRA, que posteriormente se revelou uma fraude do tipo “rug pull” (ou “puxada de tapete”). 

O Cofecon ressalta, também, que a OEB é uma entidade privada que reúne um pequeno grupo de cidadãos, economistas ou não, e não possui qualquer atribuição normativa, fiscalizatória ou representativa sobre a profissão de Economista. Nos termos da legislação vigente no Brasil (Lei 1.411/1951), cabe exclusivamente ao Conselho Federal de Economia e aos Conselhos Regionais de Economia a regulamentação e fiscalização do exercício da profissão no País, incluindo o registro profissional obrigatório para o desempenho da atividade. 

Destaque-se, ainda, que o atual mandatário da OEB, no cargo há mais de uma década, encontra-se com seu registro de economista suspenso em razão de processo ético-disciplinar, o que reforça a ausência de legitimidade da entidade para se pronunciar em nome da categoria. 

O próprio regulamento do prêmio menciona que ele é “destinado a premiar Economistas que se destacaram na atividade profissional ou em trabalhos em benefício do país, da coletividade ou da classe dos economistas”, condições que não se verificam no caso de um economista cuja atuação se dá fora do Brasil.  

Por fim, o Cofecon reafirma seu compromisso com uma economia que promova o desenvolvimento sustentável, fortaleça o mercado interno, reduza as desigualdades e garanta inclusão social e oportunidades para todos.  

Presidência do Conselho Federal de Economia (Cofecon)"

Conselho Regional de Economia do Estado de São Paulo (Corecon-SP):

"O Conselho Regional de Economia do Estado de São Paulo vem a público - e em particular aos Economistas - mostrar sua surpresa diante da notícia veiculada na data de ontem (25/02/2025) de que a Ordem dos Economistas do Brasil, através de seu Presidente, Manuel Enriquez Garcia, condecorou o Presidente da Argentina, Javier Milei, como "Economista do Ano". 

Diante deste fato, esclarecemos que o prêmio ao Presidente da Argentina não foi entregue pela entidade que representa os Economistas brasileiros. A referida Ordem é uma organização da sociedade civil com pouquíssimos associados com suas contribuições em dia e representa somente esse restrito público.

As únicas entidades com representação legal dos Economistas brasileiros são o Conselho Federal de Economia, uma autarquia federal que regulamenta e fiscaliza o exercício da profissão (Lei nº 1411/1951) e o Sindicato dos Economistas, que atua na defesa da categoria (CLT, art. 513, alínea “a”). No Estado de São Paulo, a representação é feita pelo Corecon-SP, que tem mais de 70 anos de regulamentação e conta com cerca de 15 mil Economistas registrados, e o Sindecon-SP.

Cabe destacar que o Sr. Manuel Enriquez Garcia teve o seu registro de Economista suspenso pelo Cofecon por questões éticas, tendo o Tribunal de Contas da União (TCU) considerado procedentes as denúncias de irregularidades cometidas em sua gestão quando foi Presidente do Corecon-SP, na década passada. 

Atenciosamente, 

Odilon Guedes 
Presidente do Conselho Regional De Economia - 2ª Região"

Associação Brasileira de Economistas pela Democracia (Abed):

"A Associação Brasileira de Economistas pela Democracia (Abed) manifesta seu veemente repúdio à decisão da Ordem dos Economistas do Brasil de conceder a premiação de "Economista do Ano" ao presidente da Argentina, Javier Milei. Essa escolha não apenas legitima um projeto econômico destrutivo e antidemocrático, como também revela uma preocupante adesão a uma agenda ultraliberal que compromete o desenvolvimento social e econômico da América Latina.

Milei tem conduzido a economia argentina por um caminho de desmonte do Estado, desregulamentação selvagem e ataques aos direitos sociais e trabalhistas, aprofundando a recessão, a desigualdade e a instabilidade econômica. A suposta estabilização da inflação, amplamente exaltada por seus defensores, nada mais é do que a repetição de políticas desastrosas de supervalorização do peso, historicamente responsáveis por sucessivas crises no balanço de pagamentos do país.

Mais grave ainda é a submissão ideológica de Milei às políticas autoritárias e persecutórias de Donald Trump, evidenciando um alinhamento internacional com forças reacionárias que atentam contra a soberania nacional e os direitos dos povos.

Ao premiar Milei, a Ordem dos Economistas do Brasil não apenas chancela esse projeto nefasto, mas também se distancia do compromisso que deveria ter com uma economia orientada pelo bem-estar social, pelo fortalecimento do desenvolvimento nacional e pela democracia. É fundamental destacar que a Ordem dos Economistas do Brasil não fala em nome dos economistas brasileiros, muito menos daqueles que defendem a preservação da democracia e a promoção do desenvolvimento com justiça social. A atual direção daquela entidade demonstra um claro oportunismo ao se apresentar como porta-voz dos economistas brasileiros, tentando legitimar políticas que aprofundam desigualdades e fragilizam a soberania nacional.

A ABED reafirma seu compromisso com uma economia justa, inclusiva e soberana, rechaçando qualquer tentativa de legitimar políticas que condenam os povos ao empobrecimento e à instabilidade."

*Com informações da Folhapress