Com folga para parte dos empregados, o Dia do Trabalhador pode servir para lembrar que, em uma sociedade organizada ao redor do trabalho, é ele o que define a rotina da maioria das pessoas. O horário em que se acorda, o trajeto realizado diariamente, a posição em que se passa grande parte das horas do dia, os horários possíveis de se alimentar... Seja uma função na frente do computador ou que exija força física, é inevitável que o trabalho deixe marcas, visíveis ou não, no corpo do empregado.
Entre 2023 e 2024, houve um aumento de 35% das concessões de benefícios por incapacidade temporária em Minas Gerais, segundo o Ministério da Previdência Social. Foram 486,5 mil autorizações no último ano. Nem todas elas foram ocasionadas no próprio ambiente de trabalho, mas muitas podem ser agravadas por ele, reforça a pesquisadora do Centro de Telessaúde do Hospital das Clínicas da UFMG e idealizadora da página @cienciadoexercicio, Daisy Motta.
“O trabalho intelectual pode fazer mal para o nosso corpo, porque ficamos com um comportamento sedentário por muito tempo, sentados oito, nove horas. E aí, temos o trabalho em que se faz um esforço não planejado, como quem trabalha na construção civil carregando um grande peso ou ao ar livre em uma onda de calor, sem hidratação adequada”, introduz.
Um artigo de pesquisadores brasileiros publicado na “The Lancet”, uma das mais conceituadas revistas científicas do mundo, questiona a validade e até a ética da antiga noção de que “qualquer movimento conta” para uma boa saúde, inclusive o esforço físico no trabalho. Ele faz um apelo para que novos estudos considerem mais indicadores ao associar movimento do corpo e saúde. “É essencial diferenciar atividade física praticada por necessidade daquela realizada por escolha”, pontua o texto.
A auditora fiscal do Trabalho e conselheira do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait-MG) Odete Reis dá exemplos de situações comuns com que se depara. “O que mais vemos são doenças osteomusculares. Em frigoríficos, por exemplo, há muitas lesões de membros superiores e problemas na coluna e na lombar devido à intensidade e a repetitividade do trabalho... No teleatendimento, são mais questões de risco psicossocial, de adoecimento mental. Qualquer trabalho pode levar ao adoecimento”.
Trabalhos que aparentemente mantêm o funcionário em posição de descanso, como nos escritórios, também oferecem risco. Os longos períodos sentado em frente ao computador aprofundam o sedentarismo em um mundo em que geralmente já se gasta tempo sentado no trânsito e em atividades de lazer. Mas não é só esse perigo, um velho conhecido, que ameaça os trabalhadores.
A alta cobrança por resultados têm consequências psicológicas. Em Minas, os afastamentos por ansiedade ou depressão aumentaram 67,5% em um ano — isso não quer dizer que os transtornos foram ocasionados pelo trabalho, contudo especialistas concordam que um ambiente de demanda excessiva pode piorar os quadros. “Se houver muito estresse e pressão psicológica, a pressão arterial e o nível de glicemia podem aumentar”, pondera o presidente do Conselho Regional de Fisioterapia e Terapia Ocupacional de Minas Gerais (Crefito), Anderson Coelho.
Normas existem, mas nem sempre são obedecidas
Uma série de Normas Regulamentadoras (NRs) ditam os parâmetros para um ambiente de trabalho mais saudável. A NR-17, por exemplo, regulamenta condições ergonômicas básicas. Ela reforça uma série de diretrizes, como evitar levantamento de peso excessivo e longos períodos na mesma posição. Outras NRs se debruçam sobre setores específicos.
“Acho que não é todo trabalhador que tem noção sobre essas normas. Talvez precisemos de uma conscientização das pessoas sobre seus direitos no ambiente de trabalho. Muitas vezes, quando se fala em direitos trabalhistas, pensa-se em FGTS e salário, mas se esquece dessas outras questões que podem impactar sua saúde. Há uma tolerância muito grande ao descumprimento de normas trabalhistas”, pondera a auditora fiscal do Trabalho Odete Reis.
Ela recomenda que trabalhadores submetidos a más condições de trabalho procurem o sindicato da categoria ou relatem o caso no canal de denúncias do Ministério do Trabalho e Emprego (denuncia.sit.trabalho.gov.br/).
O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, reconhece que parte das empresas não cumpre as normas. “Uma parcela do empresariado ainda não tem esse nível de consciência”, pontuou, no programa da TV Brasil “Bom Dia, Ministro” dessa quarta-feira (30/04), do qual O TEMPO participou. “Um bom ambiente de trabalho ajuda na saúde das pessoas. Se é um ambiente ruim, provoca doenças, não só psíquicas como pode levar a um acidente. A motivação das NRs e das fiscalizações não é autuar ou multar as empresas. Por parte do governo, não há essa voracidade de autuação e multa. O que pedimos é, conjuntamente, trabalhar para a proteção do trabalhador”.
Ele mencionou uma atualização da NR-1, que agora prevê que as empresas devem listar todos os riscos psicossociais do ambiente de trabalho. Ela começará a vigorar em caráter educativo no dia 26 de maio e, exatamente um ano depois, a prática passará a ser obrigatória.
Como o próprio trabalhador pode se cuidar
Além da obrigação de as próprias empresas cumprirem todas as normas previstas na legislação, o presidente do Crefito-MG recomenda alguns cuidados que o próprio trabalhador pode reforçar no dia a dia. Um deles está previsto no texto NR-17, que diz: “sempre que o trabalho puder ser executado alternando a posição de pé com a posição sentada, o posto de trabalho deve ser planejado ou adaptado para favorecer a alternância das posições”.
“Independentemente da atividade, o trabalhador tem que compensá-la. Se você fica muito tempo sentado, por exemplo, intercale com alguns momentos em que se levanta, alonga e movimenta as articulações”, complementa Coelho. “Se carrega peso, tente carregá-lo próximo ao corpo, utilizando grandes grupos musculares e se agachando em vez de dobrar a coluna”.
Em uma cidade com alta predominância de trabalho no comércio, como Belo Horizonte, é comum que, em vez de horas sentados, os trabalhadores passem longos períodos de pé atendendo aos clientes. Quando isso é inevitável, Coelho orienta que pequenos cuidados podem aliviar o cansaço. “O importante é revezar a posição e ficar algum tempo naqueles bancos mais altos, ‘semi sentado’, por exemplo, ou apoiar um pé e depois o outro em algum degrau. Os músculos das pernas são preparados para suportar o nosso peso, mas o movimento delas favorece o retorno venoso do sangue. Um benefício para todas as idades são as meias compressivas”.
Nos escritórios, ele pede atenção ao ajuste da cadeira (com o banco na altura do joelho), da tela (na altura dos olhos) e a distância do teclado (que deve garantir o descanso dos braços). “Às vezes, falta um treinamento nas empresas. Algumas compram aquele mouse pad com uma almofadinha para o punho, por exemplo, e elas acabam comprimindo os tendões. O mouse deve ser movimentado em círculos, e não em movimento de tchau, como muitas pessoas fazem”.
O comportamento fora do ambiente do trabalho também é primordial. A atividade física nos momentos de lazer é um dos maiores fatores de prevenção a lesões, seja no escritório ou em trabalhos que exigem força física. “Muita gente acha que por fazer esforço físico laboral não precisa de atividade física. Mas a atividade que faz bem é no tempo livre. Por escolha, e não por obrigação”, aconselha a pesquisadora Daisy Motta.
O presidente do Crefito-MG recomenda, ainda, buscar ajuda médica quando qualquer sinal de dor ou desconforto ocasionado pelo trabalho surgir antes que a situação se agrave. “Temos que agradecer por estarmos trabalhando, porque o trabalho nos dá condições e sensação de utilidade, mas precisamos criar estratégias para que ele não nos prejudique e esgote nosso corpo”, conclui.