Iogurte, 6 por R$ 10. Pão de forma, 2 por R$ 9,90. Salaminho, 2 por R$ 10. Produtos com preços promocionais muito atrativos são o chamariz de lojas que vendem mercadorias perto do prazo de validade. Elas estão em alta em Belo Horizonte e têm crescido com a ajuda de um aliado: o WhatsApp. Algumas chegam a ter mais de 500 grupos com clientes, criados exclusivamente para compartilhamento de promoções e oportunidades. Algo que, em um passado não muito distante, não era possível e que hoje auxilia os estabelecimentos a dar vazão aos produtos que estão muito perto de vencer.
O modelo de negócio não é novo. As mercearias que vendem produtos perto do vencimento existem há muitos anos, mas foram se atualizando com o tempo. A chegada de ferramentas como as redes sociais contribuíram para que os donos desses locais pudessem arriscar mais na compra de mercadorias. A comunicação por meio da internet facilitou a chegada do anúncio ao cliente, que muitas vezes vai “correndo” à loja só porque viu uma oportunidade divulgada no grupo de WhatsApp.
É o caso do Delícias do Leite, que hoje tem equipes preparadas para administrar os quase 500 grupos de WhatsApp com clientes da empresa (atualmente, o WhatsApp permite até 1.024 pessoas por grupo). Por lá, são divulgados todos os atrativos, como itens que vencem naquele mesmo dia, por exemplo. “Nós começamos a ter um ganho principalmente com a comunicação. As redes sociais, o WhatsApp, os meios de comunicação direta com o cliente aceleraram e permitiram que a gente pudesse cada vez mais arriscar com as datas dos produtos. A gente compra os produtos cada vez mais perto da validade e consegue fazer essa comunicação rápida com os nossos clientes”, revela Flávio Magela, diretor da rede Delícias do Leite.
A loja nasceu em 2013, como atacadista. Depois, após demanda da própria indústria, abriu para o varejo ofertando os produtos próximos da validade, em sua maioria laticínios, com preços bem atrativos e abaixo do mercado. Aos poucos, por demanda dos próprios clientes, foi acrescentando outros produtos, não necessariamente perto da validade, mas que complementam a cesta, como pães de forma e biscoitos.
“Nós fazemos um processo de busca constante de marcas que não estão nas principais redes. São produtos de qualidade que a gente consegue fazer um processo de introdução no mercado. Trazemos marcas que não são conhecidas e produtos com preço, às vezes, metade do valor das principais marcas”, acrescenta. Atualmente a empresa tem mais de 7.500 códigos de barras cadastrados, além dos chamados sazonais (ou de oportunidade): é o que acontece com marcas que estão trocando a embalagem, a fórmula ou o tamanho do produto e precisam escoar a produção.
A loja ainda absorve itens fora de padrão - quando estão perfeitos para consumo, mas fora da aparência desejada pelo fabricante, algo que acontece muito com bolos que não cresceram o suficiente, por exemplo. “Um panetone que era vendido a R$ 90 nas principais marcas de chocolate, nós vendemos na nossa loja a R$ 7,99 no fim do ano. Nós chegamos a vender oito carretas de panetone ano passado”, revela Flávio.
Hoje a empresa tem 15 lojas espalhadas por BH e região metropolitana, e deve abrir mais duas este ano. No ano passado, a Delícias do Leite cresceu 20% em faturamento, e neste ano já vê um crescimento de 10%.
Quem também cresceu muito nos últimos anos foi a Mumu, que entrou no mercado em 2016, com uma pequena loja de 30 m² no bairro Cabana, na região Oeste de BH, com um investimento inicial de R$ 12 mil. Hoje são 20 lojas, e a expectativa é abrir mais dez na região metropolitana de BH neste ano. Recentemente, a empresa passou, inclusive, por mudanças na marca, entrou no modelo tipo franquia e passou a se chamar Mumix Oportunidades.
“No primeiro mês nós vendemos R$ 78 mil na primeira loja do Cabana, e hoje a rede já conta com uma venda de mais de R$ 9 milhões. Nós estamos falando de um crescimento de praticamente 100 vezes desde que abrimos”, revela Samuel Augusto Pinheiro Chaves, proprietário da Mumu, que, antes de arriscar abrir a loja, trabalhava com a venda de produtos perto da validade na rua.
“Nosso principal meio de comunicação na época foi o WhatsApp, a gente pegava todas as fotos dos itens e divulgava no WhatsApp. E, depois, veio o Instagram, uma grande ferramenta. Hoje a gente tem um Instagram forte, e temos vários grupos de WhatsApp. Juntando todas as nossas lojas, devemos estar falando em quase 500 grupos”, diz Samuel.
Além de laticínios, a empresa vende também itens de mercearia. “Hoje a gente tem café, arroz, biscoito, todos os derivados de leite, achocolatados, linhas de biscoito, de chips. Nosso forte mesmo são produtos voltados ao consumo na hora, produtos prontos”, enumera Samuel.
Quem também deve abrir duas lojas este ano é o Cremosa, que tem hoje nove unidades em BH e região. A primeira unidade foi aberta em 2017, no Alto Vera Cruz, região Leste de BH, após a percepção de que havia uma oportunidade de negócio nos produtos perto do vencimento. O fundador do Cremosa, Thiago Chaves, trabalhava em uma empresa de laticínios e era responsável pelos produtos “fifo” (sigla em inglês para first in, first out, ou primeiro a entrar, primeiro a sair), uma forma de gestão dos produtos que foram armazenados primeiro serem vendidos ou utilizados primeiro também. Foi daí que ele teve a ideia de abrir uma loja.
E a empresa também cresceu com ajuda do WhatsApp. De acordo com a supervisora da rede Cremosa, Cristiane Lara, hoje são 151 grupos, com média de 500 clientes em cada. “Todos os dias tem um funcionário que é destinado a chegar e postar as ofertas do dia nos grupos de WhatsApp”, conta.
Entre laticínios e itens de mercearia, a loja trabalha com cerca de 8.000 produtos. Neste ano, contando com a abertura de mais duas lojas, a empresa espera um faturamento de R$ 50 milhões, cerca de 12% a mais que no ano passado.
Mercado investe em logística para girar a economia e evitar desperdício
Um dos papéis de estabelecimentos que vendem produtos perto da validade é evitar o desperdício na indústria e no comércio. “A gestão do vencimento é um tema muito importante para a indústria de bens de consumo e, principalmente, para a de alimentos. A indústria não quer incorrer em perdas e, por isso, mobiliza seus times de produção, marketing e comercial para não deixar que produtos vençam no estoque”, comenta o professor de estratégia de negócios e marketing aplicado ao varejo, Gustavo de Rezende Jardim.
O consultor lembra que o varejo, nesse caso, atua como um parceiro da indústria, que precisa evitar prejuízo com o vencimento de mercadorias e vende produtos com validade curta a um preço mais baixo, além de exercer um papel social importante. “Esses pontos de venda exercem um papel importante na economia ao facilitar o acesso de famílias de baixa renda a alimentos, e também atuam na redução das perdas por parte da indústria”, diz Gustavo. Segundo pesquisa da Associação Brasileira de Prevenção de Perdas (Abrappe), o vencimento do prazo de validade representa 24% das perdas do atacado e do varejo.
Além disso, essas lojas chegam a receber itens com validade de 24 horas - e conseguem vendê-los graças não apenas ao fator preço baixo, mas a um processo logístico bem estruturado. No Cremosa, por exemplo, o centro de distribuição é o responsável por arquitetar a entrega dos produtos em cada loja, cuidando, inclusive, de dar atenção aos produtos que vendem mais em uma loja do que na outra. “A gente tem Fiorinos que ficam por conta de transferir os produtos entre as lojas e temos uma pessoa que fica por conta de fazer essas transferências”, comenta Cristiane Lara, da rede Cremosa. “Perder não é o nosso foco. A gente acaba vendendo mais barato do que a gente compra, mas desperdício jamais”, frisa.
Flávio Magelo, do Delícias do Leite, lembra que o trabalho logístico da empresa, que também conta com um centro de distribuição, ajuda muito no processo de saída de mercadorias. “Nós conseguimos treinar bem a nossa equipe para ter o acompanhamento principalmente da entrada da mercadoria, da sua data de validade, para que a gente possa dar a celeridade necessária para que esse produto chegue o mais rápido possível nas lojas”, diz. “Nós temos um treinamento muito efetivo de todos os nossos colaboradores para fazer o acompanhamento diário de todas as datas de validade”, explica.
“O produto pode chegar lá até com um dia de validade que a gente ainda recebe. Se ele chegar hoje e vencendo amanhã, nós temos frota própria com cinco caminhões e abastecemos nossas lojas diariamente. Então, não tem nenhum problema de o produto chegar com prazo mais apertado”, revela Samuel, da Mumu, que trabalha, em média, com prazos de validade de cerca de 15 dias.
Papel social
Para Flávio, a loja de produtos perto da validade é um modelo de negócio em que todo mundo é beneficiado: consumidor, empresa, comércio e indústria. “A gente tem uma questão social importante do nosso negócio. A gente leva comida barata para as pessoas. O nosso cliente ganha, a indústria ganha, porque ela ajuda o meio-ambiente, transformando o que era pra ser lixo em alimento na mesa das pessoas”, comenta. “A gente faz a compra de todo o excedente de produção que eles (indústria) não conseguem fazer a venda dentro do período que os supermercados aceitam receber”, diz Flávio.
Samuel reforça o pensamento. “Muitos produtos seriam descartados por causa da data da validade. Eles não descartam, mandam para a gente. O cliente ganha, porque está comprando produtos de qualidade com preço bom, porém com a data mais curta. E a empresa também ganha por não jogar fora, além de divulgar a marca dela”, destaca Samuel.
“Eu acho que essa proposta veio poder colocar na mesa dos brasileiros produtos que eram difíceis das pessoas terem acesso, como conseguir consumir, por exemplo, um iogurte de marca e qualidade melhor que antes era inacessível”, sintetiza Cristiane.
Tudo dentro da lei
Em Belo Horizonte, a Lei 10318/11 obriga que os estabelecimentos comerciais coloquem em evidência o prazo de validade de produtos que estão em oferta, sob pena de multa. Já a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o Código de Defesa do Consumidor (CDC) estabelecem que produtos não podem ser vendidos depois da validade. Em regra, conforme o CDC, o consumidor que adquirir um produto com validade vencida pode exigir o dinheiro de volta ou a substituição por outro produto, dentro da validade.
Além disso, em Minas Gerais, o programa “De olho na validade”, de iniciativa do Procon/MG, permite ao consumidor que encontrar qualquer produto vencido em uma gôndola no mercado o direito de trocar, gratuitamente, por outro idêntico ou similar, antes de passar pelo caixa. A adesão dos estabelecimentos ao programa é voluntária.
As lojas que vendem produtos perto da validade, em geral, atuam dentro da lei e vendem os itens até o dia de vencimento, no máximo. É comum, inclusive, ver placas deixando claro que ali os produtos estão com os dias contados. E quem frequenta, geralmente, também sabe disso.
“Os consumidores que frequentam este tipo de estabelecimento sabem que muitos produtos ainda podem ser consumidos alguns dias após a data de vencimento, sem prejuízo da qualidade. Ou então eles se utilizam desses produtos como ingredientes no preparo de outros alimentos que podem ser congelados, estendendo seu tempo de uso. Farinha, ovos e açúcar próximos ao vencimento podem resultar em um bolo que pode ser congelado e consumido bem mais tarde, por exemplo”, finaliza o professor Gustavo Jardim.