Brasil e Estados Unidos têm desenhado um vaivém estratégico e ideológico que, pouco mais de 200 anos da primeira ida, parece viver a mais importante erosão dos caminhos de volta desde a redemocratização dos anos 1980. Os ataques -ou suas respectivas insinuações- do presidente Donald Trump fragilizam as relações bilaterais e esticam a corda do contato entre os países.

O estilingue político incendiário que o republicano usa para ameaçar o governo do presidente Lula (PT) causou espanto, mas não é a maior crise da via bilateral entre as nações -o indiscutível ponto mais baixo aconteceu quando as gestões de John F. Kennedy (1961-1963) e Lyndon B. Johnson (1963-1969) apoiaram e contribuíram com o maior ataque à democracia brasileira, o golpe de 1964.

Anos antes, houve ainda a virada americana no apoio a Getúlio Vargas que, em regime autoritário e depois de abrir bases militares e fornecer suprimentos estratégicos aos Aliados na Segunda Guerra, foi pressionado interna e externamente a abandonar o Estado Novo em prol de uma abertura democrática brasileira.

Ainda assim, o estica e puxa é constante desde o início da relação, em 1824, quando Washington reconhece a independência brasileira, e os laços diplomáticos se estabelecem. Quase dois séculos depois, com o crescente desgaste promovido por Trump -de 2017, quando primeiro tomou posse, a 2025, quando provoca caos na ordem mundial liderada pelos EUA-- o americano demonstra alinhamento ao que viu de perto entre 2019 e 2020: a retórica de ataque ao sistema eleitoral e às instituições democráticas do então presidente Jair Bolsonaro (PL).

A derrocada observada agora, com o embate entre Lula e Trump, que se cultivou durante esse período, vem depois de cerca de quatro décadas em que Brasil e EUA buscaram construir um respeito mútuo. Desde a última retomada democrática brasileira, iniciada em 1985, foram quase trinta anos de rearranjos internos e diplomáticos que permitiram um desenvolvimento comercial e institucional paralelo e concomitante.

Foi em 2013 que os sucessivos saldos positivos tiveram um revés. O site WikiLeaks divulgou informações confidenciais da Agência Nacional de Segurança dos EUA (NSA, na sigla em inglês) que revelavam espionagem americana contra a então presidente Dilma Rousseff, seus assessores, ministros e a Petrobras.

O imbróglio foi gradualmente superado depois de Dilma adiar uma visita oficial ao então presidente Barack Obama, que justificou a espionagem falando em supostos alvos terroristas, e meses depois revisou protocolos da NSA para, em teoria, salvaguardar aliados. Sem retaliação formal, assim permaneceram EUA e Brasil: aliados.

A próxima inflexão chegaria anos depois, com as eleições de Trump, em 2016, e Bolsonaro, em 2018. Alinhados ideologicamente, as tradições diplomáticas institucionalizadas deram lugar a uma relação quase pessoal e, a posteriori, intransferível. Pautas conservadoras, negacionismo ambiental e discurso antiglobalista tomaram o lugar e semearam o que, de volta à Casa Branca, em 2025, Trump torna a evocar.

O pequeno trecho temporal -2023 e 2024- em que Lula observou ao norte o democrata Joe Biden como homólogo serviu como uma tentativa de reiniciar as relações diplomáticas equilibradas que, décadas antes, as nações buscaram construir. O retorno do republicano ao poder, porém, esfacelou os esforços.

Para especialistas, Donald Trump assume uma postura combativa e com frágil lastro diplomático ao repetidamente ameaçar históricos aliados com tarifas comerciais que, segundo críticos, mais refletem seu alinhamento ideológico do que protegem sua autoridade nacional. Lula, por outro lado, aposta na defesa da soberania para se respaldar e tentar evitar danos maiores à economia. A tensão da corda tem aumentado, e a diplomacia parece ser a maneira possível de desescalada.