O governo federal e a concessionária VLI estão em vias de fechar aquele que pode se tornar um dos maiores acordos ferroviários da história do país: a renovação antecipada da concessão da FCA (Ferrovia Centro-Atlântica), que acaba em agosto de 2026.

A reportagem teve acesso a detalhes da proposta que acaba de ser encaminhada ao TCU (Tribunal de Contas da União), para que seja avaliada a possibilidade de aprovar a renovação de contrato por mais 30 anos com a VLI, empresa formada pela Vale, Brookfield, Mitsui e BNDESPar, além de fundos de investimentos.

O acerto, que passou por uma longa etapa de negociação entre o Ministério dos Transportes e a concessionária, prevê um pacote total de R$ 28 bilhões em investimentos obrigatórios pela empresa.

A proposta inclui a renovação integral de 4.138 quilômetros de trilhos, além de uma série de obras de grande porte. Outros 3.082 km devem ser devolvidos à União, para que sejam oferecidos a eventuais interessados. Os mais de 7.000 km de linhas da FCA interligam Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Goiás, Bahia, Sergipe e Distrito Federal, conectando-se às demais concessões que operam no país.

A decisão pela renovação do contrato atual ocorre após o governo avaliar, com apoio da estatal Infra S.A., que alternativa seria mais vantajosa: deixar o contrato atual vencer e fazer uma licitação do zero ou negociar a prorrogação da concessão atual impondo novas exigências.

No entendimento do governo, a segunda opção mostrou-se a mais viável, por eliminar passivos judiciais bilionários, garantir investimentos de longo prazo e resolver pendências com bens não amortizados. A proposta, agora, será analisada pela secretaria de consenso do TCU, onde deve passar por eventuais ajustes, caso seja aceita. O passo seguinte é submetê-la ao crivo dos ministros da corte.

Se a proposta for aprovada, será realizado, ainda, um leilão simplificado, para verificar se alguma outra empresa teria interesse em fazer uma proposta melhor. O acordo elaborado pelo governo inclui, entre as suas condições centrais, manutenção e requalificação do trecho de trilhos entre Bahia e Minas Gerais, que seria mantido pela FCA.

Entre as obras sinalizadas na proposta estão o contorno ferroviário de São Félix (BA), orçado em R$ 1,4 bilhão, a passagem de trilhos em Licínio de Almeida (BA), de R$ 1,6 bilhão, e a implantação de bitola mista entre Tocandira e Brumado (BA), com R$ 6,2 bilhões em investimentos. Com essa estrutura, será possível fazer a integração da FCA com a Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol), que cruza todo o estado baiano.

Em Minas Gerais, foi incluído no projeto o contorno ferroviário de Belo Horizonte, ainda em fase de projeto. O projeto prevê que a malha Bahia-Minas contará com gatilhos de investimento adicionais, que podem somar mais R$ 9,2 bilhões ao longo da concessão.

O possível abandono do traçado entre Minas e Bahia era um dos pontos centrais de preocupação de muitas empresas da região, que viam nesta hipótese o possível isolamento do Nordeste da malha ferroviária.

O contrato também pretende resolver um impasse sobre o material rodante. Atualmente, a FCA utiliza locomotivas e vagões arrendados da VLI. Pelo novo desenho, 225 locomotivas e 2.328 vagões, avaliados em R$ 2,6 bilhões, passarão a integrar de forma definitiva a concessão. Essa mudança pretende eliminar distorções contábeis que vinham sendo criticadas por técnicos do governo e pelo TCU.

O governo avalia que, sob o ponto de vista estritamente financeiro, a renovação se mostra mais vantajosa do que uma nova licitação. No cenário de relicitação, a outorga -pagamento direto à União- foi estimada em R$ 1,94 bilhão. Pela renovação, o valor a ser pago diretamente aos cofres públicos foi previsto em R$ 1 bilhão, mas, com o empacotamento de trechos deficitários e viáveis, o saldo final gera um valor presente líquido positivo de R$ 5,3 bilhões, segundo as estimativas.

O processo passou por diversas rodadas de ajustes. As primeiras propostas priorizavam locomotivas e vagões, deixando de lado os trilhos. Isso foi considerado insustentável pelo governo, devido ao risco de deterioração da malha. A versão mais recente inverteu a lógica, fazendo com que os investimentos na via permanente superem o do material rodante.

A reportagem questionou a VLI e o Ministério dos Transportes sobre o assunto, mas ambos informaram que não comentam o assunto. O TCU também não se pronuncia sobre acordos que estão em andamento.

A atual concessão, que tem prazo de 30 anos, foi assinada em agosto de 1996 e acaba exatamente daqui a um ano. Há pressa no governo de resolver a situação, devido ao prazo exíguo para o fim do contrato.

A área técnica do Ministério dos Transportes já chegou a sinalizar, com base em premissas anteriores, que a melhor opção para o governo e a população seria deixar com que a concessão atual acabasse e partisse para oferta de trechos diferentes, mas as negociações avançaram.

Hoje o governo avalia que, se o acordo proposto for aprovado, já terá nas mãos o resultado financeiro e estratégico que precisaria buscar em novos leilões, o que demandaria mais tempo e incluiria imprevisibilidades, além de contar com trechos devolvidos que poderão ser desmembrados e oferecidos a terceiros, incluindo trechos para transporte de passageiros.

Uma auditoria concluída no fim do ano passado pelo TCU mostrou que, dos mais e 7.000 km de extensão da FCA, cerca de 3.000 km estão inutilizados. Em outros 2.700 km, o tráfego foi classificado como "baixíssimo", com menos de um par de trens passando pela malha diariamente. O uso mais regular, portanto, limita-se a apenas 2.157 km de toda a concessão, ou seja, apenas 27% da rede é explorada com regularidade.

O TCU já autorizou a prorrogação antecipada de três grandes concessões ferroviárias: a Malha Paulista, operada pela Rumo, cujo contrato foi estendido até 2058; e as ferrovias da Vale, a Estrada de Ferro Vitória a Minas (EFVM) e a Estrada de Ferro Carajás (EFC), aprovadas em 2020, em um modelo que incluiu o investimento cruzado para viabilizar a construção da Ferrovia de Integração do Centro-Oeste (Fico), entre Mato Grosso e Goiás.