Anos após a retomada das operações no pós-pandemia, empresas e representantes do setor ainda relatam um entrave na cadeia de produção, com atraso em entregas de aeronaves. Apontam também para um novo impacto causado pela alta do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).
Peter Cerdá, CEO da Associação Latino-Americana e do Caribe de Transporte Aéreo (Alta), afirma que uma série de fatores pressionam a eficiência das companhias aéreas e limitam a competitividade do Brasil frente a outros mercados. Além do impacto financeiro do combustível de aviação, principal gasto das empresas atualmente, ele chama a atenção para atrasos em entregas de aviões.
Segundo Cerdá, na América Latina e no Caribe, os prazos de entrega de aeronaves narrowbody (fuselagem estreita, com apenas um corredor) aumentaram mais de 50% desde a pandemia e chegam a 6,5 anos de espera — o que impede a renovação das frotas das companhias aéreas, diz.
Ele afirma haver também outras barreiras logísticas que elevam os custos e reduzem a competitividade no Brasil. "A liberação de peças na alfândega pode demorar até dez dias, em comparação com os dois ou três dias observados em países vizinhos, o que compromete a agilidade na manutenção das aeronaves."
Leonardo Fiuza, presidente da TAM Aviação Executiva, afirma que as companhias ainda registram atraso na entrega de aeronaves, mas em uma gravidade menor do que a observada durante a pandemia, período em que o setor viveu um desarranjo na cadeia de produção.
"Ainda não está totalmente normalizado. Ainda tem alguns fabricantes com dificuldades de manter as linhas de produção funcionando com regularidade. A situação não está mais tão crítica quanto esteve um ano atrás, mas ela ainda não está totalmente resolvida", diz.
Companhias aéreas começam a estimar também o impacto gerado pela alta do IOF. A Abear (Associação Brasileira das Companhias Aéreas) afirma que atualmente a aviação brasileira possui 60% dos custos atrelados ao dólar. O QAV também é precificado na moeda americana.
Depois de um embate entre governo Lula e parlamentares no primeiro semestre deste ano, que resultou na derrubada pelo Congresso dos decretos que alteravam as alíquotas do IOF, o ministro do STF Alexandre de Moraes validou, em julho, a alta no tributo.
A decisão atendeu parcialmente ao pedido do governo ao reconhecer o direito de o Executivo editar decretos para a fixação de alíquotas, mas derrubou o dispositivo que incidia sobre o risco sacado -tipo de operação em que o fornecedor recebe à vista de uma instituição financeira e a dívida é quitada pela compradora em um prazo mais longo.
Segundo a Abear, o aumento do IOF sobre remessas para o exterior eleva em nove vezes a alíquota que incide sobre leasing (aluguel de aviões) e manutenção de aeronaves. A entidade estima um impacto de R$ 600 milhões com a medida em 2025.
"A Abear tem mantido constante diálogo com o governo federal sobre a agenda de redução de custos do setor. Hoje, a aviação brasileira possui 60% dos custos atrelados ao dólar, o que representa um cenário desafiador para o crescimento da indústria", escreve a associação em nota.
A entidade diz esperar do governo uma solução para a alta do IOF até setembro. Procuradas pela reportagem, Azul, Latam e Gol disseram que seguem o posicionamento da Abear.
No ano passado, os custos com seguros, arrendamentos e manutenção de aeronaves representaram 18,9% dos gastos das companhias aéreas, de acordo com o monitoramento feito pela Anac (Agência Nacional de Aviação Civil). Foi a segunda maior despesa do setor, atrás somente do QAV (querosene de aviação).
No geral, as companhias aéreas brasileiras tiveram uma despesa de R$ 67,2 bilhões com custos dos serviços aéreos em 2024, um aumento de 11,3% em relação ao ano anterior.
Adalberto Febeliano, ex-diretor de relações institucionais da Azul e especialista em aviação civil, descreve o setor aéreo como uma grande zona de processamento de exportações. Ele explica que, além do combustível e do leasing, custos como manutenção, seguros e tarifas de navegação aérea e aeroportuária internacionais são indexados ao dólar.
Segundo Febeliano, a variação cambial observada no último ano, com o dólar acima de R$ 6, prejudicou as companhias. "Quando chegamos no final do ano, o dólar era R$ 6,20. Mas a passagem foi vendida meses antes, em outubro, quando o dólar estava mais baixo."
Outro custo apontado pelo setor é o de judicialização excessiva, uma reclamação antiga das companhias aéreas brasileiras. A Abear afirma que, neste ano, o impacto de gastos com processos judiciais deverá ultrapassar o patamar de R$ 1 bilhão. Segundo a entidade, o cenário é "incompatível com os altos índices de pontualidade e regularidade registrados pela aviação brasileira".
Segundo o painel de indicadores do transporte aéreo da Anac, a porcentagem dos gastos do setor aéreo brasileiro com condenações judiciais vem apresentando leve alta nos últimos dois anos, mas ainda está abaixo do patamar observado na pandemia. Em 2024, as condenações judiciais representaram 1,3% das despesas das companhias.
Nos últimos anos, as três principais companhias aéreas brasileiras (Gol, Latam e Azul) passaram pelo Chapter 11 (equivalente à recuperação judicial) na Justiça americana. O caso mais recente foi o da Azul, que anunciou a entrada no processo em 28 de maio deste ano. A expectativa da empresa é a de que a recuperação judicial termine no fim deste ano.