As discussões entre o governo de Minas Gerais, as instituições de Justiça e a Vale sobre o acordo para a reparação dos danos socioeconômicos provocados pelo rompimento da barragem em Brumadinho, na região metropolitana, estão em fase final: a expectativa do Estado é que se chegue a uma decisão definitiva até o dia 25 de janeiro, quando a tragédia, que provocou 270 mortes, completa dois anos.
Se isso não acontecer, as negociações devem ser interrompidas, e a decisão vai para as mãos da Justiça, o que pode levar anos. O texto do acordo foi finalizado nesta quinta-feira (14) e, na próxima semana, começa a discussão sobre o valor. Inicialmente, o Estado e as instituições jurídicas pediram R$ 54,7 bilhões, sendo R$ 26,7 bilhões referentes aos danos materiais, e R$ 28 bilhões, aos danos morais coletivos. A Vale, no entanto, ofereceu menos da metade do montante: R$ 21 bilhões.
De acordo com o secretário-geral do governo de Minas, Mateus Simões, o Estado não vai aceitar discutir valores inferiores aos relativos aos danos materiais. Há rumores de que o recurso acordado possa chegar a R$ 37 bilhões, uma espécie de meio-termo entre o pedido e o que a mineradora se dispõe a pagar, mas isso não foi confirmado pelo secretário nem por uma fonte envolvida na negociação ouvida pela reportagem.
"Como estávamos com problemas muito sérios no começo da negociação para definir o texto do acordo, decidimos que não valia a pena discutir o valor enquanto houvesse a definição do texto. O que temos hoje na mesa é o valor que pedimos na entrada e o valor oferecido (pela Vale) na entrada, depois nunca mais falamos disso. Para nós, é muito claro que os R$ 26,7 bilhões são definitivamente devidos, é o que não discutimos. A gente discute os R$ 28 bilhões para entender quanto poderia ceder", afirma Simões.
"Por um lado, fechar um acordo significaria não esperar anos por uma decisão judicial. Por outro lado, não podemos abrir mão dos direitos de indenização do Estado e da coletividade, então, temos que tentar chegar a um razoável, que jamais será um valor que comprometa os prejuízos efetivos", completa.
Caso não haja acordo até o dia 25, as tratativas serão suspensas. "Vamos ter que resolver isso na próxima semana, não há alternativa, porque, se alongar demais, não justifica fazer acordo, é melhor esperar a decisão judicial. Alongar demais vai transformar o acordo em um acordo ruim", pontua o secretário. Mas as expectativas são positivas e, segundo ele, há "chance real" de se chegar a um acerto. "O definitivo é o valor, mas o mais difícil em um acordo como esse é a discussão de texto, e isso a gente acaba hoje (quinta-feira) depois de mais de 80 horas de audiência", destaca.
De acordo com Simões, o texto do acordo prevê cronogramas, velocidade e fiscalização para a aplicação dos recursos, tanto por parte da Vale quanto pelo próprio governo. Mais da metade do dinheiro será investido nos mais de 20 municípios diretamente atingidos pelo rompimento da barragem, em obras ambientais, de reconstrução e saneamento, por exemplo. Algumas ações são mais amplas e abrangem projetos de infraestrutura de escolas, hospitais e mobilidade em outras partes do Estado, que perdeu em arrecadação por causa da tragédia.
"Nenhum dinheiro vem desse acordo para o caixa do Estado. Minas é um Estado quebrado, a gente não tem dinheiro para pagar salário, 13º, fornecedor, o dinheiro ia sumir dentro do Estado. Se houver acordo, ele vai começar a ser cumprido imediatamente, e os resultados vão ser percebidos imediatamente. Vai ter entrega de dinheiro imediata para algumas atividades", explica o secretário. As ações serão fiscalizadas por Ministério Público e Defensoria Pública.
O que diz a Vale
A Vale informou que "permanece empenhada em reparar integralmente os atingidos e as comunidades impactadas". Segundo a mineradora, as negociações "seguem avançando" no Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania e ainda não há definição de valores.
Para a empresa, a indenização individual aos atingidos "é a medida mais adequada para a reparação integral". Até o momento, mais de R$ 2 bilhões foram pagos em indenizações individuais a mais de 8.700 pessoas. Ainda conforme a Vale, o auxílio emergencial está sendo concedido a mais de 100 mil pessoas.
Atingidos criticam falta de participação no processo
O processo de discussão e elaboração do acordo vem sendo criticado pelos atingidos por não incluí-los nas reuniões e negociações realizadas entre Estado, Vale e instituições jurídicas.
"O debate que tem sido feito não é uma posição contrária à realização de um acordo, mas, sim, a realização de um acordo sem a participação dos atingidos, o que abre brecha para outras violações de direitos. O processo do rompimento da barragem não é só quando a lama passa, os danos continuam acontecendo diariamente. Sem que os atingidos sejam ouvidos, não tem como garantir que o acordo esteja levando em conta as reais demandas da população que sofre todos os dias", afirma Ísis Táboas, coordenadora geral do projeto de Brumadinho da Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (Aedas), assessoria técnica eleita pelos atingidos.
Segundo o secretário-geral do governo, Mateus Simões, o processo considera perdas coletivas, enquanto os direitos individuais dos atingidos são discutidos em outras ações. "Os atingidos são representados pela Defensoria Pública e o Ministério Público. Há uma interlocução constante das associações e das comunidades atingidas com esses agentes que foram, desde o início, quem atuou nos processos em favor das vítimas", afirma Simões. O acordo não interfere no pagamento dos auxílios emergenciais e das indenizações individuais.