Alimentos

Brasil libera uso de mais de um agrotóxico por dia em 2019

Entrada de substâncias no país quase quadruplicou entre 2005 e 2018, diz Agricultura

Por Ludmila Pizarro
Publicado em 17 de março de 2019 | 03:00
 
 
 
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Em 2018, 450 registros de substâncias agrotóxicas foram concedidos pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), o maior número de aprovações em um único ano. Se a média diária for considerada, 2019 pode bater esse recorde, já que, só nos primeiros 66 dias do ano, foram registradas 86 substâncias, 1,3 produto por dia, em média. No ano passado, foi 1,2 aprovação diária.

Entre 2005, quando 91 produtos foram registrados, e 2018, o número de registros cresceu 394%. “É preocupante não só a quantidade de agrotóxicos, mas também a rapidez com que eles estão sendo aprovados. Isso dificulta que pesquisas sejam realizadas para entender os reais impactos ambientais e na saúde dos consumidores”, avalia o pesquisador e nutricionista do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) Rafael Arantes. Ele reitera que esse aumento de registros está acontecendo no Brasil, “o maior importador e aplicador de agrotóxicos do mundo em número absoluto de toneladas”, acrescenta.

“Os registros estão na contramão do que ocorre no mundo porque, entre as substâncias aprovadas, muitas são altamente tóxicas, sendo que a orientação da Organização Mundial da Saúde (OMS) é pelo uso de produtos com baixa toxicidade”, explica o pesquisador em saúde e ambiente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) André Burigo. Ele cita a aprovação, neste ano, do Sulfoxaflor. “É uma substância proibida nos Estados Unidos porque é prejudicial para as abelhas. Por que foi aprovada agora no Brasil?”, indaga.

Já para a Confederação Nacional de Agricultura (CNA), os registros ainda são insuficientes. “Hoje, se uma empresa solicita o registro de um defensivo agrícola, vai demorar de seis a oito anos para a aprovação. Temos, no país, poucos produtos e caros”, diz o consultor em tecnologia da CNA Reginaldo Minaré. Atualmente, o país conta com 2.127 substâncias agrotóxicas registradas, segundo o Mapa.

Para o ministério, o aumento nos registros reflete “medidas desburocratizantes” que envolvem ações internas e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), órgão que, junto com o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama), realiza as análises técnicas para liberação dos registros. O Mapa ainda reconhece que a demora persiste. “Em 2018, apenas dois novos ingredientes ativos foram autorizados de uma fila de mais de 35 aguardando análise”, diz a nota do ministério.

Crescimento

O registro de agrotóxicos tem batido sucessivos recordes de aprovação pelo Mapa desde 2016. Há três anos, foram 277 aprovações, um aumento de 99% frente a 2015.

Cerca de 60% dos alimentos do país apresentam resíduos

Segundo o Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (Para) de 2015, da Anvisa, 58% de mais de 12 mil amostras de alimentos colhidos em sacolões no Brasil apresentavam algum resíduo de agrotóxico. “Por isso, o país deveria fortalecer os estudos sobre os impactos na saúde do consumidor do uso indiscriminado de agrotóxicos, e não aumentar ainda mais o uso desses produtos”, avalia o pesquisador do Idec Rafael Arantes.

O Para foi descontinuado em 2016. “Foi uma decisão unilateral da Anvisa e que prejudicou as análises sobre como os agrotóxicos estão afetando a saúde dos brasileiros”, critica o pesquisador em saúde e ambiente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva André Burigo.

Idec

Segundo o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), não é possível evitar o consumo dos resíduos de agrotóxicos presentes em um alimento. “O melhor é consumir produtos orgânicos e agroecológicos”, diz o pesquisador do Idec Rafael Arantes.

Anvisa

A Anvisa orienta os consumidores brasileiros a lavar as cascas das frutas com uma escova própria para tirar os resíduos.

Mercado nacional movimenta R$ 50 bilhões

O mercado de agrotóxicos no Brasil gira R$ 50 bilhões por ano, diz o pesquisador da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) André Burigo. “É esse poder econômico que sustenta o modelo convencional de agricultura que usa tanto agrotóxico”, garante. Já para o consultor da Confederação Nacional da Agricultura (CNA) Reginaldo Minaré, “não é possível produzir em larga escala sem agrotóxico. Ele é usado em todos os países, no Japão, no Canadá, nos EUA, como aqui”, declara. Burigo discorda: “Produzimos no país arroz e açúcar orgânicos em larga escala e sem agrotóxicos”.

Os dois modelos estão em discussão no Congresso. O PL 6.299/2002 (PL do Veneno), que flexibiliza o uso de pesticidas, e o PL 6.670/2017, que cria a Política Nacional de Redução dos Agrotóxicos (Pnara), aguardam votação do plenário da Câmara. “O modelo atual de agricultura do Brasil é político, já que temos um potencial imenso para a agricultura orgânica e agroecológica”, avalia o pesquisador do Idec, Rafael Arantes, que está “pessimista” quanto à aprovação da Pnara. Já Minaré se diz “otimista” para a aprovação do PL 6.299. “É um texto maduro”, diz.

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