Em 2022, o Brasil tinha 1,5 milhão de pessoas que trabalhavam por meio de plataformas digitais e aplicativos de serviços, o equivalente a 1,7% da população ocupada no setor privado. Desse total, 52,2% (ou 778 mil) exerciam o trabalho principal por meio de aplicativos de transporte de passageiros, em ao menos um dos dois tipos listados (de táxi ou não). Já 39,5% (ou 589 mil) eram colaboradores de aplicativos de entrega de comida, produtos etc., enquanto os trabalhadores de aplicativos de prestação de serviços somavam 13,2% (197 mil).
Os números fazem parte do estudo inédito Teletrabalho e Trabalho por Meio de Plataformas Digitais da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), divulgado nesta nesta quarta-feira (25) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Frente aos não plataformizados na atividade, os motociclistas de entrega por aplicativo tinham menor rendimento (R$ 1.784 x R$ 2.210), menor proporção de contribuintes para previdência (22,3% x 39,8%) e trabalhavam mais horas semanais (47,6h x 42,8h). Enquanto 44,2% dos ocupados no setor privado estavam na informalidade, entre os trabalhadores plataformizados esse percentual era de 70,1%.
“Para os recortes, é importante salientar que uma mesma pessoa, em seu trabalho principal, pode responder trabalhar por meio de mais de um tipo de plataforma digital”, explica Gustavo Geaquinto, analista da pesquisa.
No 4º semestre de 2022, o rendimento médio mensal dos trabalhadores plataformizados (R$ 2.645) estava 5,4% maior que o rendimento médio dos demais ocupados (R$ 2.510). “Ao comparar os rendimentos de ocupados plataformizados e não plataformizados, é importante considerar que existem diferenças quanto ao nível de instrução e ao perfil ocupacional, havendo, por exemplo, maior participação de pessoas com menor nível de escolaridade e exercendo ocupações elementares entre os não plataformizados”, ressalta Geaquinto.
Para os dois grupos menos escolarizados, o rendimento médio mensal real das pessoas que trabalhavam por meio de aplicativos de serviço ultrapassava em mais de 30% o rendimento das que não faziam uso dessas ferramentas digitais. Por outro lado, entre as pessoas com o nível superior completo, o rendimento dos plataformizados (R$ 4.319) era 19,2% inferior ao daqueles que não trabalhavam por meio de aplicativos de serviços (R$ 5.348).
Essa diferença pode ser explicada pelo fato de uma parte considerável dos trabalhadores plataformizados com nível superior completo exercer ocupações que exigem níveis de qualificação inferiores, como é o caso da ocupação de motorista de aplicativo. “Essa situação ocorre, entre outros motivos, pela falta de oportunidades de emprego que melhor se adequem a suas habilidades”, explica o analista.
Os trabalhadores plataformizados trabalhavam habitualmente, em média, 46,0 horas por semana no trabalho principal, uma jornada 6,5 horas mais extensa que a dos demais ocupados (39,5 horas). “Essa diferença nas horas trabalhadas também pode explicar a diferença de rendimento. Se considerarmos o rendimento por hora trabalhada, os trabalhadores plataformizados apresentam, em média, rendimento hora inferior ao dos demais ocupados”, explica Geaquinto.
Enquanto 60,8% dos ocupados no setor privado contribuíam para a previdência, apenas 35,7% dos plataformizados eram contribuintes. Ao mesmo tempo, a proporção de trabalhadores plataformizados informais (70,1%) era superior à do total de ocupados no setor privado (44,2%).
No 4º trimestre de 2022, havia 1,2 milhão de pessoas ocupadas como condutores de automóveis de transporte rodoviário de passageiros em sua atividade principal. Desse total, 60,5% (721 mil pessoas) trabalhavam com aplicativos de transporte de passageiros, inclusive táxi, enquanto 39,5% (471 mil) não utilizavam esses aplicativos. A renda dos motoristas plataformizados (R$2.454) era ligeiramente superior à dos motoristas não plataformizados (R$2.412).
Para José Dari Krein, economista, pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho (Cesit) e professor do Instituto de Economia da Universidade, a pesquisa aponta para uma realidade que já vem sendo estudada pelos pesquisadores. “Falando enquanto pesquisador da instituição Unicamp e não em nome da Universidade, criou-se uma situação em que empresas são capazes de contratar um contingente expressivo de trabalhadores sem reconhecer seu vínculo de emprego. Nesse sentido, essa pesquisa mostra muita aderência com a realidade que já vínhamos investigando, pois os trabalhadores controlados por empresas de plataforma digital de fato aparecem em condição pior do que a média geral do mercado de trabalho.”
O pesquisador ainda destacou que “os dados apontam a urgência de repensar a sociedade em um contexto de crise profunda, frente a necessidade de realizar uma transição ecológica e de superar uma crescente desigualdade social. Temos de pensar numa sociedade em que o trabalho volte a ter centralidade, torne-se um fator de sociabilidade e de organização social; e não seja meramente uma estratégia instrumental de as pessoas poderem ter dinheiro para sobreviver e poder pagar contas”, conclui.
Para a procuradora Clarissa Ribeiro Schinestsck, o ineditismo da pesquisa, que se mostra ainda em caráter experimental, representa um importante passo para subsidiar o debate envolvendo o trabalho em plataformas digitais. “A pesquisa contribui sobremaneira para fomentar o debate público em torno da regulação do trabalho em plataformas digitais, inclusive do ponto de vista previdenciário, o que só é possível através de dados oficiais.”
Clarissa também destaca que “as estatísticas abrem a possibilidade para a criação de políticas públicas efetivas e para o planejamento da atuação dos órgãos de defesa do trabalho decente, ao mesmo tempo que demonstram claramente a informalidade nesse tipo de trabalho, a forte dependência dos trabalhadores em relação às plataformas, jornadas mais elevadas e rendimento menor do que os trabalhadores ‘não plataformizados’ do setor privado", aponta. (Com Agência IBGE)