Esportes

Camisas de futebol mobilizam aficionados e viram até negócio

Colecionadores não medem esforços para adquirir peças originais de times históricos e ídolos

Por Fábio Corrêa
Publicado em 29 de dezembro de 2019 | 03:03
 
 
 
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Há cerca de quatro anos, o advogado Rodrigo Fonseca, 40, passava de carro por uma rua movimentada da Vila Pinho, na região do Barreiro, quando viu um rapaz com uma camisa do Atlético, um modelo usado em 1984 pelo ídolo Éder Aleixo e que o colecionador nunca havia visto. “Estacionei, fui atrás dele e perguntei se ele me venderia”, conta. O jovem aceitou. Em troca, Fonseca pagou a ele a matrícula de um curso de motofrete, de R$ 380. Hoje, o advogado, que mantém cerca de 450 camisas oficiais de clubes e seleções na coleção é enfático: “Se eu tivesse que vender todas e viver com só três dela, essa do Éder estaria entre elas. Não tem preço”, diz.

Assim como Fonseca, uma legião de entusiastas não titubeia em abordar estranhos, mudar rotas de viagem e gastar economias numa peça que pode ter feito parte de um esquadrão histórico, pertencido a  um ídolo específico ou integrado uma equipe quase esquecida nos confins do planeta. “Já me peguei indo com minha esposa para o subúrbio de Budapeste comprar uma camisa do Honved”, narra Fonseca, citando o time de origem do húngaro Ferenc Puskás.

Atualmente, o advogado tenta manter  a coleção, que ele avalia em cerca de R$ 80 mil, entre 300 e 400 peças. “Sempre que passa desse número, vendo ou troco”, afirma. As vendas, feitas por plataformas de pagamento como PayPal, acabam gerando uma espécie de “fundo”, que é reutilizado apenas em camisas de futebol, sem interferir em outros gastos.

Comércio

Alguns colecionadores também conseguem fazer da paixão um verdadeiro negócio. Na crise de 2014, depois de ser demitido, o engenheiro mecânico e colecionador Álvaro Sepúlveda, 33, viu o hobby virar uma oportunidade. “Por buscar sempre camisas diferentes e raras, acabei adquirindo conhecimento sobre elas. Na crise, fiquei sem emprego. Os amigos do colecionismo me pediam para achar camisas para eles, e, quando eu vi, eu estava comprando para o pessoal e pagando as que eu queria ter”, relembra.

A demanda aumentou e virou uma marca:  a Futclassics. Do e-commerce e das vendas em casa, a loja acabou indo para as ruas. Em novembro, Álvaro e o sócio, o primo Uriel Sepúlveda, 29, abriram as portas numa galeria na rua Pouso Alegre, no bairro Floresta, região Leste de BH.

O estoque tem cerca de mil camisas oficiais, de todos os clubes e seleções imagináveis, que também alimentam o site da Futclassics. A média dos preços fica entre R$ 150 e R$ 250, mas há peças que, pela raridade, chegam a custar até R$ 899,90 – como uma do Arsenal, de 2003, usada em jogo pelo lateral Ashley Cole.

“Tínhamos uma meta recente de vender para todos os Estados do Brasil e conseguimos mais rápido do  que imaginávamos. Hoje, atingimos todas as classes sociais. A nossa única restrição é que a camisa seja original”, conclui Álvaro.

Loja mineira reproduz modelos com fidelidade

O colecionador de camisas Anderson Fernandes, 43, foi outro que fez da paixão um trabalho. Dono da marca Minas Retrô, ele começou a reproduzir, há cerca de uma década, réplicas de camisas icônicas, ajudado pela mulher, designer de moda. 

Atualmente, a Minas Retrô vende mensalmente cerca de 200 unidades para clientes do Estado. “Em 2013 e 2014, com o Cruzeiro bicampeão brasileiro e o Atlético vencendo Libertadores e Copa do Brasil, eu chegava a vender até mil por mês”, recorda ele. 

Fernandes mesmo conseguiu realizar um desses sonhos. Há alguns anos, ele viu, na rua, um senhor numa carroça com uma camisa da seleção brasileira de 1979, do ídolo Zico.

“Perguntei de onde era, e ele me disse que tinha ganhado do próprio Zico, num treino da seleção na Toca da Raposa, e que trocava sem problema. Eu tinha algumas no carro, e ele pegou uma da seleção de 82, que eu havia feito”, conta Anderson, que chegou a receber propostas de R$ 4.500 pela relíquia – que é invendável para ele. 

Rede de contatos supre paixão

A desvalorização do real ante  moedas estrangeiras dificultou um pouco a vida dos colecionadores. Com o dólar acima dos R$ 4, o euro a R$ 4,50  e a libra esterlina a R$ 5,30, camisas até dos mineiros Cruzeiro e Atlético chegam a valer mais de R$ 500 em sites como o inglês Classic Football Shirts.

No entanto, grupos em redes sociais e contatos diretos com vendedores de todo o mundo e com o estafe de clubes são as saídas dos aficionados para conseguir as raridades. Álvaro Sepúlveda, 33, da Futclassics, tem se concentrado em comprar de vendedores da Europa Oriental, fora da Zona do Euro, para abastecer a loja. “Esse é o cenário atual. Envios mais econômicos e moeda melhor que o euro”, diz.

O colecionador Rodrigo Fonseca, 40, diz que o câmbio dificultou, mas o hobby é suprido pelas relação construída durante décadas no nicho. “Formamos uma rede de contatos, e há muitas trocas. Conheço também funcionários de clubes de todo o mundo, que recebem camisas que os jogadores trocam com outros times”, explica o advogado.

Mas nada supera a cara e a coragem. Na última Libertadores, quando a torcida atleticana protestava após a derrota para o Cerro Porteño, Fonseca foi até o ônibus do time paraguaio, de quem ainda não tinha nenhuma camisa. “Achei um funcionário e disse que queria uma camisa. Ele abriu a bolsa e meu deu uma”, conclui.

Depoimento

Frederico Jota
Colecionador e Editor de Esportes de O TEMPO

“Ter uma coleção de camisas vai muito além de um investimento financeiro. Como colecionador há quase 30 anos, cada peça agregou histórias, sentimentos e muito conhecimento – parte do que aprendi por meio das camisas de futebol sempre me ajudou na profissão. Quem é aficionado por futebol desde cedo sabe o tanto que aprendemos sobre temas como geografia e história por meio do esporte. As camisas têm esse poder. As cores vão remeter a algum evento ocorrido na cidade de determinado clube, o escudo pode ser o brasão de armas de uma cidade importante ou até mesmo um rio ou uma árvore que mal sabíamos que existia está ali. Por isso mesmo, tentar dar um valor específico a uma camisa é, talvez, um dos exercícios mais difíceis para um colecionador. Não dá para taxar algo que carrega sentimento, que tem uma história afetiva envolvida. E isso não importa se é com a camisa do último campeão da Champions League ou se é o manto de um campeão capixaba da década de 1990. Se a camisa for obtida em uma viagem, na fonte, então.... que preço (não) teria? Como diria o treinador escocês Bill Shankly, futebol (e seus uniformes, claro) não é uma questão de vida ou morte. É muito mais.”

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