Nazaré Rodrigues dos Santos, 59, nunca andou de avião, mas o seu coração já. No ano passado, mais precisamente no Dia das Mães, o órgão pelo qual a lavradora do Jaíba – que sofria de insuficiência cardíaca devido à doença de Chagas – esperava havia um ano e meio, chegou, literalmente, do céu. De Juiz de Fora, onde a equipe médica buscou o coração, até o peito de Nazaré, foi uma hora e 23 minutos de voo. “O avião salvou minha vida; se não fosse ele, não dava tempo, né?”, conta a lavradora do Norte de Minas.
E não daria tempo mesmo. A enfermeira de transplantes do Hospital das Clínicas (HC) Marilete Henrique Santiago, 50, explica que, da retirada do coração até o transplante, a equipe tem apenas quatro horas. Depois desse tempo de isquemia, o órgão vai parar de funcionar. “Esse caso (da Nazaré) mostra como a aviação é crucial. Naquele dia, pegamos um avião da Polícia Militar no aeroporto da Pampulha, em Belo Horizonte. Como não havia teto para pousarmos em Juiz de Fora, descemos em outro aeroporto da Zona da Mata. Um helicóptero da PM nos levou até o hospital de Juiz de Fora, onde pegamos o coração, e nos levou de volta para pegarmos o avião da PM. Quando chegamos a Belo Horizonte, pegamos outro helicóptero até o João XX III, de onde seguimos até o HC, onde a paciente estava esperando. Saímos do hospital de Juiz de Fora às 13h41 e, às 15h04, estávamos na porta do HC”, relata.
Um dia antes, a lavradora estava em casa, no Jaíba, quando recebeu a notícia do médico. “Meu filho me levou de carro. Normalmente, gastamos dez horas até Belo Horizonte. Naquele dia, foram oito”, lembra Nazaré.
Em 2018, o governo de Minas Gerais fez 102 voos levando órgãos só em aeronaves da polícia, dos bombeiros e do governador, fora as parcerias com voos comerciais. Em todo o Brasil, de acordo com dados da Central Nacional de Transplantes (CNT), dos 8.853 órgãos transplantados, 1.653 (18,5%) foram levados pela Força Aérea Brasileira (FAB) e pelas companhias áreas, que, desde 2001 firmaram acordo de cooperação com o Sistema Nacional de Transplantes (SNT) para transportar gratuitamente órgãos, tecidos e equipes médicas. Sozinhas, as companhias comerciais levaram 88,5% desses órgãos.
Segundo o diretor do MG Transplantes, Omar Lopes, sem essas parcerias, grande parte das operações não seria viável. “A doação de órgãos é sempre uma cirurgia de urgência. Nós temos poucas horas entre a retirada e o implante do órgão no paciente. Sem as parcerias, muitos transplantes seriam inviabilizados, uma vez que Minas tem dimensões territoriais muito grandes”, diz Lopes.
Para o diretor de comunicação da Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear), Adrian Alexandri, são exatamente as dimensões do país que fazem a aviação tão importante. “O Brasil tem o maior sistema publico de transplantes do mundo, e parte desse sucesso se deve às companhias aéreas. Só o avião consegue, com agilidade, manter o órgão vivo e salvar vidas em outra cidade”, afirma. Desde 2014, a Abear promove a campanha Asas do Bem para divulgar o papel da aviação no transporte de órgãos.
Segundo Alexandri, mais do que transportar pessoas e cargas, a mobilidade o avião ajuda muita gente, quando encurta distâncias e consegue levar alimentos e remédios para lugares remotos. “As companhias estão envolvidas em vários projetos de ajuda humanitária, sustentabilidade, saúde e educação. É um trabalho muitas vezes invisível, que pode salvar vidas e também transformá-las”, destaca.
Para ajudar, o setor não doa dinheiro, mas sim acesso. No ano passado, foram 11.088 passagens doadas só pelas quatro maiores companhias do país. Considerando-se o preço médio da tarifa calculado pela Anac (R$ 374,12), foram R$ 4,15 milhões voltados para ações de responsabilidade social. Entre janeiro a junho deste ano foram transportados em aeronaves 4.996 órgãos, tecidos e profissionais.
Pele doada vem de avião de outros Estados
Sem um banco de peles, Minas Gerais depende de outros Estados, que enviam os tecidos por meio de parcerias com as companhias aéreas. “Em vários casos de queimaduras, recorremos principalmente aos bancos de São Paulo e do Rio Grande do Sul. Mas, quando temos desastres de maiores proporções, precisamos de um volume maior”, explica o diretor do MG Transplantes, Omar Lopes.
Foi o que aconteceu no Norte de Minas, em 2017, quando o vigia de creche em Janaúba ateou fogo às crianças, deixando 14 mortos e 37 feridos. O banco de tecidos gaúcho enviou, de avião, 7.000 cm² de pele. Até 2020, a Fundação Hemominas deve ter seu próprio banco.
Logística benfeita salva vida de idosa
De acordo com a Central Nacional de Transplantes (CNT), cerca de 33 mil pessoas aguardam por um órgão no Brasil. Mas quatro em cada dez famílias de potenciais doadores não autorizam o procedimento. No caso de um capixaba de 17 anos, o consentimento não era problema. Lutando contra um tumor cerebral há dois anos, ele já tinha deixado claro o desejo de doar. Ele morreu no dia 7 de agosto deste ano, em Cachoeiro do Itapemirim (ES). No mesmo dia, a aposentada Helena Maria de Melo Silva, 77, passava pelo quarto transplante de fígado. A cirurgia não deu certo, mas o jovem poderia salvá-la. E salvou, graças à logística montada pelo hospital, que, com um avião da FAB, conseguiu buscar o fígado a tempo.
“Ela não conseguiria esperar por mais 12 horas. Foi uma mobilização grande porque o hospital do Espírito Santo não tinha essa rotina de doação, e tivemos que enviar profissionais para fazer a captação”, conta o coordenador da equipe de transplante do Hospital Felício Rocho, Cristiano Xavier Lima.
Transplantada há uma semana, Helena passa bem. “Só Deus mesmo. Agora, vai poder voltar a fazer as coisas que gosta e ter qualidade de vida”, comemora a filha Rosana de Melo, 46.
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Cerca de um quinto dos órgãos para transplantes é levado de avião
Em 2018, o governo de Minas Gerais fez 102 voos levando órgãos só em aeronaves da polícia, dos bombeiros e do governador
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