O sonho de uma experiência fora do Brasil, por meio de um intercâmbio estudantil, está cada vez mais distante da classe média, segundo o proprietário da agência de intercâmbio True Experience, Leonardo Bittencourt Mendonça, que é também coordenador regional da Brazilian Educational e Language Travel Association (Belta). “Muita gente da classe média nos procurava, e em 2013 tivemos um ‘boom’ de viajantes. Depois da crise econômica, só mesmo a elite pode investir, principalmente em high school”, avalia.
Pesquisa do grupo Mercadológica, feita com exclusividade para O TEMPO, sobre os impactos da crise econômica dos últimos quatro anos na educação, reflete essa percepção. Ela apontou que 24% dos entrevistados desistiram de fazer intercâmbio estudantil, ou de dar essa oportunidade aos filhos, por questões financeiras.
O estudante de ensino médio do Colégio ICJ, Felipe Levindo, 17, começou a pesquisar sobre intercâmbio há dois anos, mas a crise na empresa de fundição do pai adiou os planos. “Conversei com os meus pais sobre esse desejo, mas com a recessão na empresa não conseguimos encaixar no orçamento”, afirma Levindo, que pretendia estudar inglês no exterior.
De acordo com Mendonça, houve uma queda de cerca de 15% no número de viajantes em 2018 na comparação com 2017, principalmente, em função da alta do dólar. “O câmbio desfavorável diminuiu o número de viajantes, mas em compensação segurou o faturamento da empresa que acabou não sendo afetado porque o próprio dólar ajudou”, explica. A desvalorização do real é um dos motivos apontados pelo estudante Caio Simões, 19, para ter desistido de fazer um intercâmbio. “O problema não é só o valor do curso, mas a manutenção em outro país. Como uma pessoa que recebe em real vai comer e se manter em um país como o Reino Unido”, indaga Simões.
Se os cursos de idiomas tiveram queda na procura, Mendonça afirma que os cursos de pós-graduação cresceram cerca de 50% em 2017. “A maioria dessas pessoas buscava uma saída da crise brasileira. Usar o curso como porta de entrada e se fixar em outro país”, explica Mendonça.
Para a diretora do Colégio ICJ, Christina Fabel, essa ‘fuga’ do país também afetou as escolas particulares. Ela relata que entre os alunos que deixaram o colégio no ano passado, cerca de 10% mudaram do Brasil com os pais. “Fiquei impressionada com o número de famílias que estão deixando o Brasil. É o medo da crise”, opina. Mas mesmo quem tem parentes fora do país enfrenta dificuldades. “Minha avó mora há 15 anos na Itália e pensei em fazer intercâmbio lá, mas há seis anos tentamos ir, mas não conseguimos por questões financeiras”, relata o estudante Cristiano Monteiro, 18.
Como era
Vendas das agências de intercâmbio na comparação com o ano anterior:
2015: decréscimo: 46,2%, estabilização: 17,9%, crescimento 35,9%
2016: decréscimo: 22%, estabilização: 15%, crescimento 63%
2017: decréscimo: 1,7%, estabilização: 3,4%, crescimento 94,9%
Crise prolongada inibe investimento
O prolongamento da crise econômica é um dos motivos que fazem as famílias brasileiras abrirem mão de investimentos em educação, segundo especialistas. “Primeiro, as pessoas queimam a poupança e cortam os supérfluos. Depois substituem produtos e serviços. No terceiro momento é que fazem cortes que afetam a vida no longo prazo”, afirma o professor de economia do Ibmec-BH Felipe Leroy.
A advogada Claudineia Gonçalves, 40, afirma que tentou evitar por dois anos mudar os três filhos da escola particular para a pública. “Perdi meu marido em 2015 e ainda enfrentei as consequências da crise no escritório. Em 2017, acabei passando meus filhos para a escola pública”, relata.
“O Produto Interno Bruto (PIB) caiu em 2015 e 2016 e ficou estável em 2017. Neste ano, não vimos a retomada econômica esperada. Essa prolongação da crise faz com que os consumidores comecem a cortar o fundamental, que são os gastos com carro, moradia e escola”, avalia o consultor financeiro Diogo Gonçalves.
Para Leroy, um dos principais causadores desse quadro é o desemprego, que no Brasil ainda afeta 12,8 milhões de pessoas, e a demora em conseguir uma recolocação no mercado. “É um quadro preocupante que pode afetar o país futuramente”, opina o professor.