A apenas uma semana de começar as aulas de seu cursinho pré-vestibular para medicina, Gabriel Fraga, de 19 anos, ainda não sabe onde vai morar na capital mineira. Fruto da união de uma professora e um pedreiro, o jovem vive hoje em Bom Despacho, cidade com cerca de 51 mil habitantes que fica a 159 quilômetros de Belo Horizonte.
Recentemente, ele ganhou uma bolsa de 60% para fazer o cursinho pré-vestibular na capital mineira e busca, incansavelmente, uma vaga em uma república na região central de Belo Horizonte para não perder a grande oportunidade. "Estou conversando com os proprietários dos imóveis sobre a possibilidade de visitar [os apartamentos], porém alguns desmarcam a visitação", lamenta.
Gabriel é um dos muitos estudantes vindos do interior do Estado que estão à procura da moradia perfeita: aquela que caiba no orçamento e ofereça um mínimo de conforto e segurança.
Dados da Câmara do Mercado Imobiliário e Sindicato das Empresas do Mercado Imobiliário de Minas Gerais (CMI/Secovi-MG) mostram que houve um aumento de 16% na demanda por aluguéis na cidade em janeiro deste ano e cresceu em 22% o número de acordos fechados em comparação com 2023. Só a procura no Buritis, Savassi e Coração Eucarístico em janeiro, bairros próximos às principais universidades de BH, foi cerca de 26% superior a meses de menor procura, como outubro.
Gabriel está a em busca de um lugar para morar perto do Mercado Central de até R$ 950, já que deve desembolsar só com a escola cerca de R$ 888 mensais. “Mas tudo está na faixa de R$ 1.200 a R$ 1.600. Esse valor fica fora do meu orçamento”, explica. Diante da frustração com os valores, o jovem resolveu expandir suas buscas e procurar aluguel com bom custo-benefício em outras regiões da capital, como nos bairros Gameleira, Nova Suíça e Gutierrez, localizados na regional Oeste.
Na sua procura na internet, ele já esbarrou em anúncios bizarros, como uma área de lavar roupa transformada em quarto no custo médio de R$ 1.000. Alguns donos de imóveis também pediram Pix para reservarem o apartamento, o que é ilegal e pode, até mesmo ser um golpe.
O cursinho de Gabriel, com duração de dez meses, será pago com o dinheiro que os pais do jovem guardaram para a faculdade do filho desde quando ele era criança. “Meu sonho é cursar medicina, já venho realizando provas e vestibulares desde meus 16 anos”, diz o estudante.
Pouca oferta e preços salgados para aluguel
Em uma pesquisa da reportagem de O Tempo no site da Netimóveis, que segundo a CMI/Secovi-MG é responsável por 80% dos aluguéis na capital, há apenas 18 apartamentos disponíveis para o aluguel no Coração Eucarístico, bairro de interesse dos estudantes da Pontifícia Universidade Católica (PUC Minas). Os valores vão de R$ 1.500 num 60 m², mas com condomínio de R$ 428, até a R$ 4.600 num quatro quartos.
No Buritis, bairro onde há campus da UniBH, da Una e Anhanguera, há mais opções, chegando a 55 apartamentos, mas os aluguéis partem de R$ 2.000 e podem chegar a R$ 7.000. Já para a Savassi, região de unidades da PUC Minas, são 40 anúncios, entre R$ 2.000 e R$ 26 mil.
Flávia Vieira, vice-presidente das Administradores de Imóveis da CMI/Secovi-MG e diretora da Orcasa Netmóveis, explica que janeiro é historicamente um mês de maior procura no setor, porque existe uma enorme demanda por conta dos estudantes, tanto de curso superior quanto de ensino médio, além de ser um período em que existem transferências de empregados nas empresas. “A demanda é maior do que a oferta. [Na imobiliária] chega a ter consulta de três a quatro pessoas para um imóvel só. Às vezes até independe de ter escola perto”, conta.
Vieira explica que há um movimento natural do mercado pela busca por bairros mais periféricos, quando a região Centro-Sul está com demanda muito alta. “Hoje, inclusive, a região do Castelo, na Pampulha, tem uma oferta grande, que atrai pela qualidade do empreendimento. É mais longe, mas mais novo, vai ter lazer e preço mais acessível”, detalha.
Segundo o Índice FipeZAP, realizado pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) com base nos dados de anúncios do Zap, o aluguel residencial em Belo Horizonte teve uma alta de 17,11% no acumulado de 12 meses em 2023. Em um levantamento do QuintoAndar, feito a pedido de O Tempo, a Savassi apresentou um aumento de 25,82% no valor do aluguel no último ano. No bairro Anchieta o índice ficou em + 15,11%, no Padre Eustáquio em +14,74% e no Buritis em + 10,70%.
Para Kênio de Souza Pereira, advogado e diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis, BH sofreu com o plano diretor, aprovado pela Prefeitura de Belo Horizonte em 2019, que reduziu o potencial construtivo, refletindo no volume de lançamentos de edifícios em toda a cidade. “Só tem apartamento de luxo, de R$ 3 milhões, sendo construídos em quatro, cinco lotes... Na prática, quanto maior o apartamento, mais caro é o aluguel. O limite de construção na área central encareceu o imóvel e fez a população morar na periferia. Grande parte dos moradores está indo para locais mais distantes. É uma política elitista”, critica.
De acordo com o novo plano diretor de BH todo imóvel teria como limite de construção a área exata do próprio terreno. Para construir além, como nos casos de prédios, é preciso pagar à prefeitura municipal uma taxa. Um projeto aprovado na Câmara Municipal de BH no ano passado e sancionado pelo prefeito Fuad Noman reduziu o valor da taxa pela metade para incentivar a construção de novos empreendimentos imobiliários.
Kênio revela que há uma tendência crescente nas grandes cidades brasileiras pelas construções mais compactas, que atendam estudantes de forma individual, garantindo maior privacidade e conforto a um preço mais acessível. “Antigamente, um apartamento de 120 m² tinha três quartos, hoje são quatro. Há imóveis até de 34m²”, detalha.
Luisa Fonseca vai fazer curso na UEMG e ainda não conseguiu uma moradia na capital. Foto: Arquivo pessoal
Quarto até em porão
Desde o início de janeiro, Luisa Fonseca, de 18 anos, segue à procura de um apartamento em BH. Nesta semana, ela viajou de Divinópolis para a capital, com o pai e a irmã, para bater perna atrás de moradia.
A ideia dela é alugar um apartamento com três quartos por até R$ 2.000 para morar junto a duas outras estudantes. A jovem vai cursar artes plásticas na Escola Guignard, que fica numa região nobre da capital, próximo ao bairro Mangabeiras. “Já encontrei um quarto no porão de uma casa no Serra que não tinha nem janela, era simplesmente uma cama. Minhas aulas começam no dia 11 de março e eu vou procurar até lá. Se eu não encontrar o apartamento eu não sei o que fazer”, lamenta.
Como vai estudar de noite, por segurança Luisa tem preferência por morar mais próxima da faculdade. Além disso, sua ideia é trabalhar de dia para ajudar nas despesas. “Mas se eu não encontrar um apartamento nesta faixa, vou morar numa zona mais afastada e abrir mão do horário que teria para trabalhar, porque terei um tempo maior para me deslocar até à faculdade”, explica.
Entre os bairros pesquisados por ela estão São Pedro, Santo Antônio e a região da Savassi, no Centro-Sul. Segundo o Índice FipeZAP de dezembro do ano passado, o metro quadrado de aluguel mais caro de BH é justamente o da Savassi, custando R$ 50,8.
A estudante conta que acabou rechaçando a ideia de pensionatos devido à cobrança de valores fixos de despesas, mesmo caso a conta de luz venha mais baixa, por exemplo. A falta de privacidade das repúblicas, por sua vez, também a afastaram desta opção. “Eu vi muita república com três quartos, mas em que moravam cinco pessoas. Aí eu teria que dividir o quarto com outra pessoa”, diz Luisa.
Baixa procura no Caiçara
Enquanto há estudantes que não encontram moradia com preços mais acessíveis, há pensões que não estão encontrando residentes: estão sofrendo com a baixa procura. Desde 2000, a professora aposentada Rose Rocha, de 76 anos, mantém um pensionato feminino em sua casa, no Caiçara, próximo ao Centro Universitário Newton Paiva, tradicionalmente reconhecido pelos cursos de Comunicação e Direito. A capacidade é para oito jovens, mas com o ano letivo prestes a começar, a ocupação é mínima.
“Está tão ruim que eu estou do lado da faculdade e nenhuma [estudante] da Newton me procurou. A impressão que eu tenho é que ela (a faculdade) está quebrando. Diminuiu demais”, revela a proprietária. Segundo ela, no último ano teve procura, mas apenas de enfermeiras já formadas, que foram fazer um curso de pós-graduação na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), na vizinha Pampulha.
O Pensionato da Rose é totalmente familiar: “não é permitida a entrada de rapazes e entra e sai de amigas”, explica a aposentada. Os quartos disponíveis são mobiliados e há dois que têm até geladeira.
A reportagem de O Tempo entrou em contato com o Centro Universitário para verificar como está a procura de alunos para os cursos de 2024 e aguarda retorno.
Custo de transporte e alimentação devem ser levados em consideração
Nem sempre um aluguel mais barato pode ser sinônimo de economia na vida de um universitário. Outras variáveis entram em jogo, destaca o consultor financeiro Silvio Azevedo. “Isso é o que chamamos de planejamento. Tem que ter noção dos custos que seriam do transporte. Pegar um ou dois ônibus por dia pode custar de R$ 180 a R$ 360 ao mês. Aí, por exemplo, tem um apartamento com o aluguel de R$ 1.000 e outro de R$ 1.300 mais próximo da universidade. É preciso ponderar o que vale mais a pena”, detalha.
Outro ponto que é preciso levar em consideração, segundo o consultor, é o custo da alimentação no entorno da moradia. “Um prato feito vai de R$ 15 a R$ 22. Numa média de refeição de R$ 40 por dia, durante 30 dias, você pode gastar até R$ 1.200 ao mês”, exemplifica.
O custo do condomínio versus o que ele proporciona ao morador também devem ser mensurados, segundo o consultor. Ele lembra que há lugares com gás encanado e até academia, praticidades muito valorizadas pela nova geração. Para quem vem do interior com o carro próprio, “é preciso levar em conta a quilometragem rodada, o valor do estacionamento, se tem garagem ou não em casa”, diz Azevedo.
Para fugir dos altos preços na região das universidades, ele recomenda que o estudante confira bairros de onde é preciso pegar apenas uma condução para ir à faculdade e que estejam próximos de pólos de emprego da área a ser cursada. “O estudante de enfermagem, biomedicina, pode buscar perto da área hospitalar. O de administração, na área central… Artes plásticas eu arriscaria na Savassi”, aconselha.
Segundo Azevedo, é necessário colocar na ponta do lápis todos os custos indiretos, como água, luz, telefone e IPTU, não só o aluguel, na hora de escolher a moradia. “Já vi muita família achar que a despesa era R$ 4.000 e virar R$ 10 mil e não ter como arcar. Se não der conta sozinho, olhe um preço de uma república ou de uma pensão. Algumas alugam quarto e dão comida”, sugere.
Àqueles que estão na busca desenfreada por moradia, ele aconselha mais cautela. “Quem vem do interior, normalmente conhece alguém da capital. Busque [num primeiro momento] morar com um conhecido para fazer essa pesquisa de preço de maneira mais fácil ou até dividir aluguel com quem já more em BH”, diz.
Na hora de alugar, caso não tenha avalistas, o consultor indica o seguro fiança. “Geralmente ele vale de 10% a 12% da mensalidade. É uma excelente opção para quem também não tem dinheiro de caução”, explica.
Para Azevedo é preciso seriedade ao planejar a mudança para não onerar muito o orçamento dos pais, que normalmente são aqueles que pagam as contas dos filhos que vêm estudar na capital.
A compra de um imóvel, por exemplo, seria uma alternativa para aquelas famílias que tiverem mais de um filho morando na capital e que tenham pretensão de se estabelecer em BH. “Vão passar quatro, doze anos e pode virar fonte de renda ou ficar de patrimônio”, explica.
Para lidar com o repasse de valores na família, Azevedo recomenda que os pais façam contas digitais ou conjuntas, em bancos tradicionais, para os filhos, e sugere sempre que os extratos sejam apresentados. “Já vi muito pai mandando dinheiro para a faculdade e depois o filho nem matriculado estava. É um alerta aos pais. Mesmo sendo filho, é importante exercer o controle e ensinar educação financeira. Confie, mas confira”, resume.
Moradia estudantil: 11 dicas para escolher seu imóvel
- Busque por corretoras habilitadas
- Visite pessoalmente o imóvel
- Busque bairros próximos à universidade
- Veja se há transporte público disponível
- Fique atento à segurança do local: se há iluminação, comércio e fluxo de pessoas
- Confira se há supermercado, farmácia e outras lojas próximas
- Veja quais comodidades existem no condomínio, como academia
- Fique atento aos prazos de locação do imóvel para não pagar multas por quebra de contrato
- Não faça transferência de valores para ‘reservar’ imóveis
- Para morar com outras pessoas, comece com colegas ou conhecidos da mesma cidade
- Levante os custos e faça contrato caso vá morar com outra pessoa
Fonte: com base nas informações fornecidas pelos entrevistados à reportagem de O Tempo