Setembro Amarelo

Com remédios psiquiátricos modernos fora do SUS, pacientes gastam para se tratar

Medicamentos disponibilizados pela rede pública são efetivos, diz especialista, mas é necessário ampliar opções


Publicado em 29 de setembro de 2023 | 06:00
 
 
 
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Tomar remédios para ter condições emocionais e psicológicas de trabalhar e, assim, garantir o salário para comprar esses remédios. Esse é um ciclo relatado por pessoas com transtornos psiquiátricos como ansiedade e depressão que dependem de medicamentos para se sentir funcionais no cotidiano ao mesmo tempo em que comprometem parte da renda com fármacos que não estão disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS). Elas são alguns dos quase 27% dos brasileiros diagnosticados com ansiedade e 12,7% com depressão, segundo a pesquisa de saúde pública Covitel 2023, e alimentam um mercado que vendeu 113 milhões de antidepressivos e outros estabilizadores de humor só no último ano.

A arquiteta Renata Nogueira, de 29 anos, iniciou o uso de medicamentos psiquiátricos há oito anos e, desde então, coleciona um rastro de gastos, na medida em que precisou testar diversos remédios até encontrar algum que a ajudasse. “O medicamento devolve minha autonomia, eu consigo fazer minhas coisas no dia a dia com tranquilidade. Antes, eu tinha um plano de saúde que me dava desconto nas medicações, mas atualmente não tenho mais essa possibilidade. Todo mês é essa questão, faço pesquisa em todas as farmácias online para ver onde está mais barato. Muita gente acha que é um supérfluo, mas é um medicamento como outro para qualquer doença, e você tem que tomar por um período longo”, diz. Hoje, ela compromete cerca de 10% da renda de todos os meses com os medicamentos.

É comum que pacientes psiquiátricos precisem testar vários medicamentos até encontrar o que tenha o melhor resultado com menos efeitos colaterais — que podem envolver ganho de peso e diminuição da libido, por exemplo, que em alguns casos levam ao abandono do tratamento. Nesse caminho, pode ser que a melhor alternativa seja também a mais cara e esteja fora da lista do SUS.

“Revisar as listas estaduais e municipais é uma demanda urgente. São condições de saúde extremamente prevalentes na população, e precisamos de mais alternativas para o tratamento. Há várias para a hipertensão, mas para ansiedade e depressão tenho poucas”, defende a professora da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e consultora do Conselho Federal de Farmácia Walleri Reis. “Estamos falando de condições que vão precisar de tratamento longo, de pelo menos um ano. Quando o medicamento é muito caro, limita-se o uso, o paciente não consegue aderir e abandona o tratamento. Muitas vezes, fica constrangido e nem nos conta que não dará sequência. O tratamento do SUS não é pior, é efetivo, mas as pessoas poderiam se beneficiar de alternativas”, completa.

Em Minas Gerais, são oferecidos gratuitamente seis medicamentos contra ansiedade e depressão, em diferentes formatos. Três dos quatro antidepressivos disponibilizados na rede pública são da classe dos tricíclicos (ADT), mais antiga e conhecida por provocar efeitos colaterais — o que não quer dizer que não funcionem ou que tenham os mesmos efeitos sobre todos os pacientes. Em Belo Horizonte, a situação se repete. Em 2023, a prefeitura prevê um gasto de cerca de R$ 6,5 milhões com antidepressivos e ansiolíticos. Nacionalmente, o Ministério da Saúde disponibilizou quase R$ 884 milhões para aquisição desse tipo de remédio a Estados e municípios neste ano.

O professor da Faculdade Ciências Médicas Oswaldo Norbim avalia que, de forma geral, a oferta atual do SUS é interessante, mas acrescenta que, como nem todo paciente responde de forma adequada ao tratamento, não é incomum indicar-se medicamentos que precisam ser comprados. “Isso sem dúvida não é possível para todas as pessoas, como bem conhecemos da realidade de nosso país. Ampliar a diversidade na oferta de psicofármacos pela rede pública significa aliviar o sofrimento mental de muitos brasileiros que hoje se encontram em uma situação conhecida pela psiquiatria como resistência ao tratamento, que é, em resumo, a pouca ou nenhuma resposta aos esquemas de tratamento anteriores”, diz.

"É importante saber que, de forma geral, para quase todas as situações de efeitos adversos existe uma maneira de se reverter esse fato, seja por meio de diminuição de dose, associação a outro medicamento ou mesmo troca do medicamento original”, acrescenta.

O Ministério da Saúde explica que qualquer pessoa ou instituição pode requisitar a inclusão de medicamentos na lista do SUS. Os pedidos são analisados pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec). 

“Se precisa abrir mão do mínimo de lazer para terapia, então não é acessível”

Cuidar da saúde mental para trabalhar e aproveitar a vida com mais qualidade, mas gastar tanto que outras áreas ficam comprometidas é um dilema comum a alguns pacientes. “É especialmente irônico porque as medicações deixam em um estado funcional, mas aí você já não tem os meios para curtir. A mesma coisa com o trabalho. Frequentemente, eu me sentia em uma rodinha de hamster: trabalhar para pagar medicação, me medicar porque preciso trabalhar”, compartilha a publicitária Lana Kantor, de 28 anos, que atualmente pôde deixar os medicamentos sob orientação médica. É uma discussão viralizou no Twitter neste mês:

Alguns remédios para outros transtornos psiquiátricos além de ansiedade e depressão também ficam de fora da lista do SUS. A jornalista Júlia Calasans, de 24 anos, gasta pelo menos R$ 300 por mês com um medicamento para controle do Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) que não é oferecido na rede pública. “Medicamento psiquiátrico é uma loteria. Não interagi bem com o mais barato. Ou tomava mesmo com os efeitos colaterais ou não tratava”, conta.

Ao gasto mensal com remédios, ela soma consultas: “vou ao psiquiatra de três em três meses. Em um mês em que vou, mais terapia e medicamentos, gasto em torno de um terço do meu salário”, complementa.

A terapia é um gasto recorrente para outros pacientes também, como a publicitária Lana Kantor. Ela conta que, em uma época, gastava R$ 120 com sessões quinzenais de terapia e R$ 400 com psiquiatra a cada dois meses. “Eu precisava me planejar para, a cada dois meses, gastar cerca de R$ 800 para manter os cuidados. Precisei conter muitos gastos para manter esse padrão, na maioria das vezes de lazer”, conclui.

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