Trabalhar durante o dia e estudar à noite. Milhares de brasileiros que “rebolam” para administrar uma dura rotina diária tiveram um sacolejo no ano passado, assim que a inflação começou a mostrar as garras. A alta dos preços pegou o bolso das classes média e baixa frontalmente, e conjugar estudo e trabalho ficou inviável. Com isso, o Brasil registrou em 2021 mais um ano de alta evasão no ensino superior privado. No período, 3,42 milhões de estudantes não conseguiram dar sequência aos estudos, uma taxa de 36,6% – um pouco menor dos 37,2% registrados em 2020. A projeção foi feita pelo Instituto Semesp, que atua na área da educação.

O problema não é restrito aos alunos do ensino superior. Um levantamento do Todos Pela Educação, com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), tentou medir o impacto da pandemia nas taxas de atendimento escolar. Os resultados revelam que os mais jovens também estão perdendo o ânimo de frequentar a escola. Na faixa entre alunos de 6 a 14 anos, 244 mil crianças e jovens saíram do ambiente escolar, conforme dados colhidos no segundo trimestre de 2021, uma elevação de 171,1%, se comparado ao mesmo período de 2019. É apenas 1% do total de alunos dessa faixa etária, mas a maior taxa dos últimos seis anos. “Não podemos perder mais jovens do que a gente já perdia antes da pandemia, e esse número de pessoas fora da escola aumentou bastante”, avalia a advogada Carolina Campos, diretora executiva do Vozes da Educação.

A inflação não atua na educação como efeito direto de causa e consequência da fuga da escola, alertam especialistas. “O custo de vida, aliado aos problemas da pandemia, leva a um aumento da evasão”, esclarece Carolina. Mas o tombo no poder de compra desdobra-se em maiores despesas com alimentação, transporte, moradia – e tudo isso respinga no orçamento das famílias para bancar os estudos. “A inflação corrói o tecido social e afeta todos os setores”, resume Lúcia Teixeira, presidente do Instituto Semesp, entidade que agrega 600 instituições de ensino superior em 24 Estados. As famílias geralmente deixam os gastos com educação como última hipótese a ser cortada, mas em muitas casas essa hora chegou.

“Educação das nossas crianças é a única esperança que temos”, diz a advogada Débora Nunes. A família, no entanto, também teve que pegar a tesoura e picotar gastos. Com o sobressalto da pandemia e a escalada dos preços, Débora teve que tirar a filha de 2 anos da creche privada e matricular em outra, credenciada na prefeitura. O rombo no orçamento foi acelerado pela demissão do marido e dos fechamentos de um restaurante e uma lanchonete que ela mantinha. Depois teve que cancelar seu plano de saúde. “A conta não fecha ainda. Fizemos isso para tentar diminuir um pouco as dívidas”, relata.

O estudante de psicologia Thiago Virgílio viu vários colegas de curso tendo que mudar de instituição de ensino em busca de outra mais barata. “Esse é o jeito de continuar estudando”, explica Virgílio. Ele mesmo teve que trancar a matrícula e ficou o primeiro semestre de 2021 sem estudar. “A mensalidade representa grande parte dos meus custos”, diz. Com a ajuda financeira do pai, que paga 85% da mensalidade, o estudante conseguiu trocar de instituição e retornar aos estudos de sua segunda graduação.

Na faixa entre 15 e 17 anos, outro ponto de alerta. Nesse segmento, 407,4 mil jovens estiveram fora da escola e não completaram o ensino médio, segundo dados referentes ao segundo trimestre de 2021. Como forma de compreender os motivos que afastam tanta gente das escolas, os pesquisadores afirmam que nessa fila entram motivos sociais, econômicos e culturais. Gravidez na adolescência entre as meninas e rapazes cooptados pelo crime são dois fatores importantes. A esse contingente tem se somado o fato de que vários jovens desistem de estudar para trabalhar como entregadores de aplicativo ou em atividades informais. “Isso é uma tragédia do ponto de vista educacional”, completa a advogada.

Existem várias formas de resgatar esse aluno desistente, mas para isso são necessárias fortes políticas governamentais, pois isso diminui bastante o abandono escolar. Quando o aluno do ensino particular possui algum auxílio financeiro, a evasão é de apenas 6%, mas quando nenhum mecanismo de apoio existe, a desistência sobe para 26%. São políticas educacionais que incentivam o ingresso de novos estudantes, enquanto aqueles que estão frequentes, mas na corda bamba, precisam ter apoio das instituições nas quais estão matriculados, conforme sugere a presidente do Instituto Semesp. “As instituições privadas estão oferecendo para esses alunos que chegam com dificuldades do ensino médio formas de se recuperar, com reforços de conteúdo, e em termos de estímulo, para que eles acreditem que vale a pena trabalhar e estudar”, explica Lúcia. Ela acredita que o aprendizado adquirido pelas entidades educacionais durante a pandemia, com forte uso da tecnologia, vai ajudar na criação de soluções para reverter o aumento da evasão.

Essa defasagem não tarda a arruinar as possibilidades de crescimento econômico em um país. Alguns setores do mercado já reclamam da falta de força de trabalho preparada, como na área de tecnologia. “Cada jovem que sai da escola gera um custo econômico muito alto porque faz com que o país não tenha uma mão-de-obra qualificada”, finaliza Carolina.

Mensalidades sobem de 8% a 11% nas escolas

Enquanto algumas famílias não tiram a mão da calculadora para saber se será possível bancar os estudos dos filhos, o mercado da educação em Minas Gerais, no âmbito geral, tem registrado aquecimento entre as entidades particulares. Mesmo com um aumento nas mensalidades, que varia entre 8% e 11% neste ano, as escolas estão comemorando uma alta na procura por novas matrículas.

Nos cálculos do Sindicato das Escolas Particulares (Sinep), é algo em torno de 20%, surpreendente até mesmo para Winder Almeida, presidente da entidade. “Muitos alunos saíram do ensino privado durante a pandemia e agora estão retornando”, diz. Para ele, a escola pública teve dificuldade em desenvolver o ensino híbrido, o que estaria causando esse refluxo em direção à escola particular. “Vimos que o abismo entre a escola privada e a pública ficou mais evidenciado”, avalia.

Diretora jurídica da consultoria Mabely Fernandes, especializada em educação, Mabely Fernandes acredita que o aumento nas mensalidades será compreendido pelas famílias, especialmente neste momento em que as aulas presenciais deverão ser retomadas em breve. “As escolas também estão muito maleáveis a fazer negociações, dar desconto maior”, relata. Essa flexibilidade também estaria evitando o rompimento do vínculo escolar. A consultora defende a elevação nos preços, e explica que eles são reflexo dos custos que as instituições tiveram durante o ano passado com a tecnologia demandada no ensino híbrido.

Em Minas, busca ativa de alunos não encontrou 26 mil estudantes

No ano passado, o governo estadual anunciou um programa de busca ativa de alunos que haviam abandonado o vínculo escolar. À época, a Secretaria de Estado de Educação (SEE) divulgou que a meta seria alcançar 66 mil alunos. A estratégia encontrou 40 mil estudantes, mas outros 26 mil não retornaram. 

Por meio de nota, a SEE informou que 7,3% dos alunos do ensino médio de toda a rede de ensino (estadual, municipal e privada) não frequentavam a escola, conforme o estudo divulgado no ano passado pela Unicef sobre os impactos da pandemia da Covid-19 na Educação. O índice está abaixo dos 13,9% da média nacional, compara o comunicado do governo.
A reportagem questionou a SEE sobre quais ações ou programas existem para auxiliar o aluno que tenha dificuldades em pagar o transporte até a escola. A pasta informou que isso é garantido aos alunos da rede pública que moram em áreas rurais. Em 2021, 840 municípios aderiram ao Programa Estadual de Transporte Escolar, envolvendo repasse de R$ 340 milhões e atendendo 206 mil estudantes.