Receio

Fim do Carlos Prates pode levar a fechamento do Aeroclube de Minas, aos 86 anos

Instituição formou dezenas de milhares de pilotos ao longo das décadas e, como outros serviços que funcionam no local, vê risco de fechar definitivamente


Publicado em 14 de março de 2023 | 17:06
 
 
 
normal

O fechamento do aeroporto Carlos Prates, prometido pelo prefeito de Belo Horizonte, Fuad Noman (PSD), para ocorrer no dia 1º de abril, impactará mais de uma dezena de negócios e pode levar oficinas e escolas de aviação à falência, segundo empresários que atuam no local. Além de temerem prejuízos, eles avaliam que o fim das atividades aeronáuticas no Carlos Prates, sem que haja outro ponto para migrarem, levará ao colapso da aviação mineira.

“Estamos tentando alguns contatos, mas a chance de o Aeroclube do Estado de Minas Gerais desaparecer, terminar suas atividades, é de 95%. A gente não tem lugar para ir e nem condições financeiras para se mudar. Simplesmente fomos despejados da nossa casa”, afirma o presidente do Aeroclube, Leonardo Padrão. O aeroporto Carlos Prates foi construído, em 1944, para atender ao Aeroclube, que até então funcionava na pista do aeroporto da Pampulha. Ao longo desse tempo, estima Padrão, foram formados cerca de 85 mil profissionais no local, somando com estudantes de outras escolas que foram abertas no terreno do aeroporto.

“O fechamento causará um impacto muito grande, não só nas famílias dos trabalhadores, mas no mercado de trabalho, porque formamos 1.000 profissionais por ano e vai começar a faltar profissional de aviação no Brasil”, completa. Ele afirma que não é viável manter somente atividades teóricas no Padre Eustáquio, pois a formação dos pilotos depende inerentemente da prática em uma pista. “Os aeroportos da Pampulha, Confins, Lagoa Santa não comportam isso. E temos em média 25 aeronaves sem ter onde colocar. A solução mais próxima seria em Bom Despacho, a 160 km de BH, porque os hangares da Serra do Cipó são condomínios, são de proprietários de aeronaves”, diz. 

Atualmente, de acordo com o movimento Associação dos Concessionários, Usuários e Amantes do Aeroporto Carlos Prates (Voa Prates), que defende a permanência do aeroporto na região, há cinco escolas de aviação e dez empresas no aeroporto, como oficinas e lojas de peças. O empreendimento emprega cerca de 500 pessoas.

Autodeclarada a maior oficina de aeronaves do Estado, a Claro Aviação é outro negócio que pode entrar em falência com o fechamento do Carlos Prates, de acordo com o sócio Claudio Jorge. “Só nos últimos dois anos, investimos R$ 1,5 milhão na construção de um novo hangar no aeroporto. Temos 35 funcionários diretos no Carlos Prates e, se não tivermos um subsídio do governo, a empresa vai quebrar, porque não terá caixa para manter a estrutura”, diz. A Claro atende cerca de cem aeronaves por mês, entre aviões do governo e de empresários que utilizam aviões particulares para o trabalho, explica Jorge. “Tínhamos um cliente que é médico altamente especializado e pegava o avião para ir ao interior fazer cirurgias em crianças. Temos clientes que são empresários do interior e vêm a BH fazer negócios, por exemplo. Onde eles irão pousar?”, questiona.

A Claro também tem um hangar na Pampulha, que não é utilizado devido aos custos do aeroporto, hoje administrado pela CCR Aeroportos, que venceu o leilão de concessão em 2021. No Carlos Prates, a Claro funciona com uma concessão da Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero). “BH está perdendo um parque de tecnologia de dezenas de anos, porque temos mecânicos com décadas de experiência que teremos que mandar embora. As oficinas terão que migrar para São Paulo, Rio de Janeiro”, conclui.

Presidente da associação Voa Prates e sócio da escola de aviação VelAir, Estevan Velásquez explica que o aluguel de vagas para aeronaves no aeroporto da Pampulha é mais elevado e que não haveria espaço para todos os aviões do Carlos Prates no local. Já aeroportos em outras cidades inviabilizaram o deslocamento de funcionários e alunos. “Mesmo se eu vender todos os meus aviões, não consigo construir um hangar. Hoje, alugamos da Infraero e as escolas têm isenções de tarifas. Das cinco escolas e dez outras empresas do Carlos Prates, duas se salvam [se o aeroporto fechar] e o resto vai falir”, conclui.

Setor quer plano de realocação  

Representantes de empresas e escolas que atuam no aeroporto Carlos Prates concordam que, após anos de polêmicas e discussões sobre o fechamento do aeroporto, ele ocorrerá eventualmente. Mas cobram mais planejamento do governo federal e da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) antes de encerrar as atividades no local. “Sabemos que, se hoje o aeroporto ficar, essa briga começará de novo daqui a cinco, dez anos. Queremos uma solução para todo mundo. Que falassem que darão mais dois anos, uma indenização e construíssem um aeroporto em outro lugar, que seja a 50km daqui”, pondera o presidente do Aeroclube do Estado de Minas Gerais, Leonardo Padrão.

“Precisamos da pista, o resto é rápido”, sublinha o sócio da Claro Aviação Claudio Jorge. Procurada pela reportagem, a Infraero informou que o aeroporto tem 14 contratos ativos relacionados à concessão de uso de área e que as tratativas com os concessionários comerciais serão feitas respeitando os contratos, porém não detalhou se isso significa que haverá compensações às empresas. 

A segurança ao redor do aeroporto é um ponto central na discussão, porém ela também deve incluir o futuro da aviação em BH, defende o diretor da consultoria em aviação Feder Aviation e doutor em Avaliação e Gerenciamento de Riscos e Impactos Ambientais pela UFMG Kerley Oliveira. “Parece uma carta de despejo. Onde colocar todas aquelas aeronaves e oficinas de manutenção, as pessoas que trabalham ali? Uma equipe multidisciplinar deveria se sentar em uma mesa e fazer uma análise de risco. Temos que analisar todos os lados envolvidos e não podemos ser injustos com nenhum deles”, enfatiza.

(Com Gabriel Ronan)

Notícias exclusivas e ilimitadas

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo profissional e de qualidade.

Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar. Fique bem informado!