Fazer bicos para sustentar a família ou complementar a renda não é novidade. Mas a forma como esses bicos ocorrem hoje em dia se tornou tão mediada pela tecnologia que ganhou um termo próprio em inglês: gig economy. A gig economy se refere aos tipos de trabalho em que a pessoa faz tarefas sob demanda, geralmente por meio de uma plataforma, como Uber e iFood. Por isso, ela é traduzida por pesquisadores como “economia de bicos” e “economia sob demanda”. E está chegando a cada vez mais profissões no Brasil e no mundo, muito além de entregadores e motoristas.
Pelo menos 77 empresas da gig economy atuam no Brasil, segundo um levantamento da Fundação Getulio Vargas realizado em 2022. A maioria, 24 delas, é de entrega e delivery, mas elas têm chegado a outros setores. Há, no mínimo, nove plataformas de advocacia e afins e sete de saúde e bem-estar no Brasil, por exemplo.
A tecnologia modifica profissões ao longo do tempo — basta pensar que profissionais que, antes, se especializaram em datilografia e, depois, precisaram se adaptar aos computadores. Mas há um componente diferente na transformação causada pela gig economy, avalia a socióloga Ana Claudia Moreira Cardoso, estudiosa do tema. “O capital se aproveitou das novas tecnologias para dizer que ela seria tão disruptiva a ponto de nenhuma legislação existente poder regulá-la”, pontua. Por muitos anos, as plataformas atuaram sob suas próprias regras e, agora, discute-se no Brasil e em vários países quais são os direitos dos trabalhadores que atuam em cada uma delas.
O governo federal montou, no Dia do Trabalhador deste ano (1º/05), um Grupo de Trabalho com membros do Estado e de sindicatos para elaborar uma proposta de regulamentação do trabalho por aplicativo no Brasil.
Trabalhar como motorista de aplicativo e outras ocupações da gig economy é empreendedorismo? Para alguns estudiosos do assunto, não, e a diferença está principalmente na autonomia. “Os trabalhadores de aplicativos de delivery, transporte e outras plataformas têm limitações da autonomia, por regras da plataforma. É diferente do que a gente vê quando a pessoa empreende e ela define todas as condições de realização da sua atividade, de venda do seu produto”, pondera a pesquisadora do Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação da Fundação Getúlio Vargas Ana Camelo.
A pesquisadora Ana Claudia Moreira Cardoso complementa que as próprias empresas tentam reforçar a narrativa de empreendedorismo, em vez de tratar as pessoas cuja renda depende delas como funcionários. “O discurso de microempreendedorismo, de autonomia e flexibilidade está caindo no vazio, porque os próprios trabalhadores começaram a dizer: ‘Espera aí, não temos autonomia, flexibilidade, nosso rendimento é muito baixo e podemos ser despedidos da plataforma no momento em que ela desejar’”, conclui.
O TEMPO preparou uma série de reportagens especiais com foco no trabalho de motoristas e entregadores por aplicativo. Confira a série "Rotas da mobilidade".