No Dia do Pão de Sal (ou Dia do Pão Francês, ou ainda Dia do Pãozinho), celebrado nesta quinta-feira (21/03), é possível levar uma unidade de um quilo para casa. Não se trata de uma baguete, mas do pão de sal tradicional da Padaria Brasileira, a mais antiga de Belo Horizonte, de acordo com o Sindicato e Associação Panificação e Confeitaria de Minas Gerais (Amipão). A placa indica: “desde 1927”. Já na vitrine, na avenida Olegário Maciel, entre a praça Raul Soares e a rodoviária, no número 360, os pães ficam expostos com o preço, R$ 21,90. 

Quem passa pela vitrine e entra na padaria, que se resume a um corredor com bancos de um lado e uma estufa do outro, pode não desconfiar das décadas de história que ela guarda. Algumas pistas estão no alto das paredes, que exibem fotos antigas de BH, como bondes na praça Sete e a construção da igreja de São José, na avenida Afonso Pena. O nome da Padaria Brasileira disfarça, mas sua origem começa do outro lado do Atlântico

“Os donos eram imigrantes italianos, Demétrio e Tereza Costa. Ele tinha um irmão que veio na primeira leva de imigração e chamou os outros irmãos para virem”, conta o atual dono da padaria, também ele descendente de italianos, Francesco Perazzo. Ele recebe a reportagem em seu escritório no andar de cima da padaria, com uma réplica da “Santa Ceia” sobre seu ombro. Como outros italianos célebres listados na série de reportagens especiais de O TEMPO sobre os 150 anos de imigração, os irmãos Costa floresceram nos negócios — a fábrica Vilma foi fundada pela família, diz Perazzo.

Fachada da Padaria Brasileira

A padaria foi inaugurada com o nome Ítalo-Brasileira, e assim permaneceu até a Segunda Guerra Mundial, quando a Itália aliou-se à Alemanha, e o prédio começou a receber ataques. “Quebraram, jogaram coisas no chão, faltou só colocarem fogo. A padaria ficou fechada por um tempo e, depois, foi reaberta como Brasileira”, narra Perazzo. A mudança ocorreu na mesma época em que o clube Palestra Itália passou a se chamar Cruzeiro devido a uma ordem de Getúlio Vargas que proibia qualquer agremiação de exaltar o país no nome.

Inicialmente e durante décadas, a Padaria Brasileira ocupou um largo espaço na rua dos Goitacazes, bem ao lado do Mercado Central, onde hoje funciona o supermercado Decisão. Ela ainda operava no local quando, em 2005, Perazzo entrou no negócio — também ele filho de um italiano que abriu uma padaria em BH. Posteriormente, o assumiu definitivamente. “Minha mãe veio para cá em 1956 e trabalhou por dois anos na Padaria Brasileira. Chamavam pessoas de confiança para virem e tinham uma pensão em cima da padaria”, rememora.

Em 2019, já nas mãos de Perazzo e não mais da família Costa, custos levaram a padaria a diminuir e mudar de local. Em seus tempos áureos, ela chegou a produzir 108 mil pães de sal por dia, total que caiu para 3.000 a 4.000 atualmente. No comando dos fornos, está o padeiro Marcelo Lima dos Santos, que entrou na padaria aos 17 anos, inicialmente para trabalhar nos serviços gerais. “Minha intenção era ficar um ano, e estou aqui até hoje”. Ele já fez parte de uma equipe de seis padeiros na Brasileira, e agora são somente ele e um colega que trabalha de madrugada para garantir pães frescos para encomendas de empresas de manhãzinha.

De onde vem o pão de um quilo

Pão italiano, pão de sal de um quilo e o tradicional pãozinho são especialidades da Padaria Brasileira, a mais antiga de Belo Horizonte

O pão de sal de um quilo é raridade nas cerca de 2.000 padarias da Grande BH hoje em dia, contudo já foi tradicional, explica Francesco Perazzo: “antigamente, não havia tantas padarias, e elas tinham pães de um, dois quilos, porque eles duravam uma semana sem estragar. Como não havia muitas opções de onde comprar, as pessoas levavam para a roça, para o sítio”.

A clientela que se mantém fiel ao pão de um quilo na Padaria Brasileira é movida pela nostalgia, diz ele. “São muitos idosos e pessoas que foram criadas por eles e querem comprar para se lembrar da infância. Buffets também compram muito”. É o pão de sal comum seu carro-chefe, correspondente a cerca de 70% do faturamento, estima.

Mesmo depois de uma vida trabalhando com pães, ele diz não enjoar de degustá-los. “O problema é o triglicérides”, brinca, batendo na barriga. Com tanto passado, não está certo sobre o futuro da padaria, pois seus filhos não estão no ramo. Por enquanto, continua dia a dia abrindo as portas, convidando os clientes com o inconfundível cheiro de pão no forno.