As relações comerciais entre Brasil e Itália são de cifras bilionárias — a balança comercial entre os países chegou a US$ 9,8 bilhões em 2023. Os laços econômicos entre os dois vão além disso e guardam uma história de mais de um século, marcada pelos 150 anos do início da imigração italiana, celebrados nesta semana. Neste período, gigantes da indústria italiana encontraram no Brasil um de seus terrenos mais férteis, e imigrantes escolheram o país para erguer do zero seus negócios.
O empreendedorismo italiano no Brasil tem raízes na necessidade e em uma visão de oportunidade, explica a professora de história da Universidade de Caxias do Sul (USC) Terciane Ângela Luchese. “Na agricultura, famílias de imigrantes percebiam que faltava um moinho, por exemplo, ou uma serraria, alguém que fizesse sapatos, e acabavam se tornando proprietários de negócios também”, conta. Nas áreas urbanas, como São Paulo, a veia empreendedora de alguns imigrantes também se sobressaiu: “rapidamente, abriram hotéis, restaurantes, produziram massas adaptadas ao Brasil”, cita a pesquisadora.
O exemplo máximo do empreendedorismo italiano em terras brasileiras é Francesco Matarazzo, que morreu em 1937 como o homem mais rico do Brasil. Como outros conterrâneos, ele imigrou para o país no final do século 19 com somente um punhado de liras no bolso ao lado da esposa e de dois filhos. Começou com uma pequena casa de comércio em Sorocaba (SP). Enxergando oportunidade após oportunidade — de moinhos de farinha de trigo à fabricação de tecidos —, tornou-se o pai da indústria moderna no Brasil.
Com sua fortuna que deixou um legado duradouro, Matarazzo é um caso extremo do sucesso ítalo-brasileiro nos negócios. Mas a historiadora Terciane Ângela Luchese ressalta também as pequenas conquistas que, para cada imigrante, foram imensas: “a propriedade de terra, uma vida farta, a oportunidade de os filhos estudarem. Foram desejos nutridos, e penso se não são eles os desejos de cada pessoa que parte para outro país”, reflete.
Tradição e família da Itália para o Brasil
Afeto e estratégia mesclam-se na história de algumas marcas ítalo-brasileiras que conquistaram o Brasil. Os pontos em comum entre essas histórias não são coincidência, destaca a professora Terciane ngela Luchese: “o vínculo da ascendência, da tradição e da herança familiar são até um apelo comercial para vários produtos e narrativas. A receita, a cantina do bisavô, esse orgulho é uma construção identitária, uma alegria de pertencer”.
Um exemplo de tradição que desembarca da Europa e floresce no Brasil é a Eurofarma — cujo nome é, ele próprio, homenagem ao Velho Continente. Ela surgiu com o casal Galliano e Maria Teresa Billi. Em um novo momento da imigração italiana no Brasil, no pós-guerra, eles desembarcaram no Brasil em 1957, graduados pela Universidade de Bolonha. Galliano Billi trabalhou por quase 20 anos em laboratórios no Brasil, até que decidiu dar vazão ao espírito empreendedor e iniciar o seu próprio, em Interlagos (SP). Hoje uma gigante do setor farmacêutico, a Eurofarma continua na família.
O presidente da empresa, Maurizio Billi, rememora que sua mãe já estava grávida, esperando-o, quando cruzou o Atlântico para chegar ao Brasil. “Para meu pai, para minha mãe, para toda minha família, o Brasil representa tudo. Tudo o que minha família tem, tudo que nós conquistamos, devemos a este país, que nos deu a chance de nos tornarmos alguém. Eu me sinto quase emocionado quando eu penso nisso, porque o Brasil deu muitas chances para todos esses imigrantes que não teriam condições de sobrevivência no país de onde eles vieram. E, ao mesmo tempo, essas pessoas ajudaram a construir o Brasil”, diz.
Hoje, a Eurofarma também investe alto em Minas Gerais. Aquela que deve se tornar sua maior unidade está sendo construída em Montes Claros, no Norte do Estado, com potencial para até triplicar a capacidade produtiva da empresa. A previsão é que a primeira etapa da construção seja concluída em 2024.
Outro case clássico de aliança entre a tradição italiana e a inovação em terras brasileiras é a Bauducco. Conta a história da marca que a ideia surgiu quando o fundador, o comerciante italiano Carlo Bauducco, visitou um fornecedor de café em São Paulo em 1948 e quis presentear os colegas brasileiros com um panettone, porém não encontrou o produto.
“Foi então que ele percebeu uma grande oportunidade de negócio, pois muitos italianos já estavam morando por aqui. No ano seguinte, ele retornou com a minha avó Margherita e o meu pai Luigi disposto a empreender. Ele trouxe a nossa tradicional massa madre e começou um trabalho de adaptação da produção do panettone para as condições do país”, narra o diretor de Novos Negócios da Bauducco, neto e homônimo do criador da empresa.
Hoje, a empresa tem cerca de 7.000 funcionários, espalhados em seis fábricas. A expansão não a afastou de suas origens, defende Bauducco: “fazemos questão de manter uma equipe de confeiteiros italianos e muitas de nossas receitas arquivadas em nosso Centro de Documentação Histórica estão escritas à mão em língua italiana”.
Mais uma característica em comum das gigantes com raízes italianas no Brasil é a vocação para a transformação social. O Grupo SADA, por exemplo, investiu mais de R$ 8 milhões só em 2022 em seu Programa de Voluntariado, que engaja os colaboradores em ações sociais da empresa. Foram beneficiadas 450 mil pessoas de 125 instituições em sete Estados no país. “Esse é um diferencial muito importante em nossa história. Desde o início, nossos esforços se direcionaram no propósito da construção de um grupo que se tornasse útil para a sociedade. E seguimos com esse direcionamento a cada novo negócio”, afirma Vittorio Medioli, fundador e presidente do grupo.