Reflexo da crise

O fantasma do desemprego é mais assustador para mulheres

Temor de ficar sem trabalho, medido em pesquisa, mais do que dobrou em cinco anos

Por Queila Ariadne
Publicado em 29 de julho de 2018 | 03:00
 
 
 
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A professora universitária Izabel Andrade sonhava em chegar aos 35 anos com dois filhos. Ela já vai fazer 36 e só tem uma, Esther, 4. Com a aprovação em um concurso e o começo de um doutorado, os planos para o segundo foram adiados. “Quando minha filha nasceu, pedi licença e cuidei dela até os 3 anos. Agora, meu maior medo é engravidar, porque, se eu sair do mercado de trabalho, não vou conseguir voltar”, afirma. Cada vez mais frequente entre as mulheres, essa preocupação é muito maior do que a dos homens. Segundo levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI), enquanto o medo do desemprego atinge 64,5% deles, no caso delas a taxa sobe para 71,1%. 

Independentemente do gênero, o temor de ficar desempregado mais do que dobrou nos últimos cinco anos. Em 2013, a taxa masculina era de 24,3%. Já o índice feminino era de 30,3%. De acordo com a economista da CNI, Maria Carolina Marques, essa preocupação é sempre maior quanto mais baixo é o nível de escolaridade e quanto menor é o salário. A pesquisa mostra que a taxa do medo é de 55,2% para quem ganha mais de cinco salários mínimos por mês. Já para quem ganha apenas um, esse temor sobe para 77,4%. 

“Geralmente as mulheres dedicam mais tempo às atividades domésticas e têm menos disponibilidade para cargas horárias mais longas. Com isso, também ganham menos”, justifica Maria Carolina. 

Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), enquanto o homem dedica 10,8 horas a afazeres domésticos por semana, em média, a mulher passa 20,9 horas fazendo essas tarefas, ou seja, praticamente o dobro. Já em relação à renda, o salário médio delas equivale a 76,5% da remuneração deles. A renda média feminina é de R$ 1.797. A masculina é de R$ 2.336.

Maria Carolina ressalta ainda que, atualmente, é muito mais comum ver uma mulher sustentando a casa, o que também explica a preocupação tão grande em ficar desempregada. Quando a representante comercial Cristina Cruz, 30, decidiu dar um fim a um relacionamento abusivo, já estava grávida. Hoje, é ela quem sustenta, sozinha, o filho de 2 anos. “Eu acho que esse medo da mulher de perder o emprego tem a ver com uma mudança cultural, de cada vez mais ela ser provedora. Não somos mais criadas para cuidar da casa, como era antigamente”, destaca. De acordo com dados do IBGE, cerca de 40% dos lares do Brasil são chefiados por mulheres. Em 2001, essa participação era de 27%.

Com essa enxurrada de estatísticas que comprovam que a realidade feminina é mais complicada, Izabel Andrade está a um passo de desistir do segundo filho. “Eu acabei de passar para o doutorado. Então, teria que adiar meu plano por mais quatro anos, no mínimo. Até lá, já estarei com 40 anos e vai ser mais difícil”, explica a professora.

Alternativa. A realidade do mercado de trabalho também fez a empresária Thamires Laia, 26, desistir – mas de procurar emprego. “Cansei de ouvir as perguntas mais absurdas como: ‘quem vai ficar com seu filho se ele ficar doente?’, ou ‘Você pretende aumentar sua família?’”, conta.

Ela tem um filho de 2 anos e outro de 5 meses. “Quando meu primeiro filho fez 1 ano, tentei voltar a trabalhar, mas as entrevistas só duravam até a parte em que eu falava a idade dele. Com dois filhos, então, é muito difícil ser contratada”, afirma. A alternativa foi trabalhar na empresa do marido. 

Mais temores. Desempregada há dois anos, a administradora Milena Vieira foi demitida assim que terminaram os 30 dias de estabilidade após a licença-maternidade do segundo filho. “Eu já desconfiava porque cheguei a ouvir que meu rendimento tinha caído depois que virei mãe. Agora, com dois, não consigo nem passar nas entrevistas”, lamenta. Grávida do primeiro filho, uma mãe que preferiu não se identificar está preocupada. “Estou na empresa há três anos, mas não sei se vão me manter quando eu voltar”, afirma.

O medo tem fundamento. Até 2016, a Fundação Getulio Vargas (FGV) acompanhou cerca de 247 mil mulheres entre 25 e 35 anos, que tiraram licença-maternidade entre 2009 e 2012. Um ano após o nascimento do bebê, 48% já não estavam mais empregadas.

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