Há quem diga que um passeio no centro de Belo Horizonte só está completo quando termina em uma pastelaria. Quem nunca foi resolver assuntos “na cidade” e fez questão de parar para comer um pastel com caldo de cana? Aliás, esse é um lanche tão tradicional quanto o pão de queijo com café ou a coxinha com refrigerante. E as pastelarias em BH se dividem entre empreendimentos que atravessam gerações - algumas estão há cerca de 60 anos no mercado - e novatas que apostam em sabores “diferentões” para atrair o público.

Para o consultor de negócios de bares e restaurantes Pedro Henrique Oliveira, além de ser um artigo tradicional e popular, o pastel é ainda um produto rentável - o que explicaria o sucesso de pastelarias com tantos anos de estrada - e fácil de produzir. “O pastel é um item que demanda mão de obra não qualificada e é fácil de fazer. Não tem como errar”, afirma.

Tradição de décadas

Um dos empreendimentos mais antigos do ramo é a Pastelaria Ouvidor, que nasceu em 1965, dentro da Galeria Ouvidor, no centro da capital, e tem quase a mesma idade dessa que foi considerada o primeiro conceito de shopping em BH. Na época, Aroldo Soares Diniz Lara havia aberto uma confeitaria no local, mas, com o tempo, mudou de ideia e transformou o negócio em pastelaria. E o novo negócio deu muito certo. A pastelaria é hoje uma das mais tradicionais da capital mineira.

Pastel da Pastelaria Ouvidor

Pastelaria Ouvidor aposta nos sabores tradicionais e na mesma receita desde a inauguração

Antônio Moura Diniz Lara, 63, administrador da empresa e filho do senhor Aroldo, que hoje tem mais de 90 anos, conta que a receita do pastel é a mesma desde sempre e isso contribui muito para a memória afetiva do cliente. “Você vai lá e come um pastel hoje. Se você foi anos atrás, ele tem que ser a mesma coisa, né? Isso é o que o pessoal traduz como experiência gastronômica, é você falar ‘gente, é disso que eu me lembro’, e esse momento faz a diferença”, avalia. Outro ponto que contribui para manter a tradição é a equipe. Antônio conta que por lá há funcionários com mais de 40 anos de empresa.

A pastelaria trabalha com sabores clássicos - carne, queijo, frango, palmito, banana - e tem um conceito popular que contribui para a manutenção do negócio, que é quase uma parada obrigatória de quem frequenta a Galeria Ouvidor.

Outra empresa familiar é a Pastelaria Marília de Dirceu, inaugurada em 1992, no Lourdes. A lanchonete começou com Andréa Bahia, que chamou a cunhada Yara para montar um negócio na casa da mãe, no Lourdes. Aos poucos, o empreendimento familiar cresceu e se firmou na região. E, desde então, o segredo dos pastéis também está na receita, que nunca mudou. “Os recheios e a massa são sempre os mesmos desde que abriu”, afirma Juliana Bahia, filha de uma das sócias e gerente da pastelaria. “A gente não compra carne moída já pronta que a gente não sabe nem o que está lá dentro. A gente compra uma peça inteira de carne, limpa e mói”, exemplifica.

Por lá, além dos clássicos, como carne, queijo, frango com catupiry, por exemplo, a lanchonete também tem a opção de pastel crocante - feito com uma camada de parmesão ralado por fora - e pastéis com recheios diferentões. “A gente tem dois sabores que são bem famosos: o de carne com azeitona e o de espinafre com quatro queijos”, cita.

Outra pastelaria que está há décadas na capital é o Rei do Pastel, fundado em 1996, na Savassi. O local é famoso por ter unidades que funcionam 24 horas por dia e são o ponto certo dos “baladeiros” após o rolê. “Certa vez, eu voltei do Carnaval de Nova Lima numa fome danada e não tinha nada aberto em BH. Na época, tinha na Afonso Pena alguns trailers, mas não era comércio. Foi aí que pensei: vou abrir a pastelaria 24 horas agora. E aí, a partir do ano 2000 eu começo a abrir 24 horas, após perceber essa carência que eu mesmo senti na pele”, relata Alexandre Fidelis de Assis, 55 anos, fundador do Rei do Pastel.

Alexandre cresceu em um ambiente de comércio, com familiares atuando no ramo e, ainda novo, foi trabalhar com a tia, que era dona de uma pastelaria na Savassi. Foi daí que nasceu o desejo de abrir uma lanchonete do mesmo tipo - na época, a irmã de Alexandre era sócia, mas se mudou para o Canadá anos depois. E o negócio deu certo: em 2006, ele abriu a segunda unidade na região. Em 2016, veio o Rei do Pastel 3. Em 2018, abriu a quarta unidade. Em 2019, inaugurou a quinta unidade. E, em 2022, veio a sexta lanchonete.

Desde o início, a pastelaria segue a mesma receita dos pastéis com sabores clássicos: carne, queijo, frango, palmito, napolitano, bacalhau, milho e banana. Alexandre revela que atualmente, a empresa usa cerca de 300 kg de carne moída por dia e 800 kg de queijo por semana na produção dos pastéis, e que nunca deixou a qualidade do produto cair. “Prefiro tomar prejuízo do que a pessoa não voltar mais, a coisa mais difícil é conquistar um cliente, e a mais fácil é perder 100”, diz.

E por falar em prejuízo, a pandemia da Covid-19, em 2020, trouxe dificuldades para a pastelaria, como o aumento de custos. Para se ter uma ideia, o balde de óleo de algodão (usado na fritura), que custava R$ 90, passou a custar R$ 270. Na época, a empresa tinha 120 funcionários. Com as lojas fechadas por conta do lockdown, 60 tiveram que ser desligados. Hoje, a empresa tem 130 funcionários (alguns com mais de 20 anos de empresa), mas Alexandre ainda passa por um período de adaptação da equipe, já que não conseguiu recontratar quem trabalhava antes. “Acho que vou levar mais um ano ainda para conseguir nivelar a equipe”, avalia. 

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Sabores “diferentões”

Na pastelaria Sr. Silva, que fica no Buritis, a aposta é na variação não só de sabores, mas também de cores e aromas que um pastel pode ter, além da experiência que a lanchonete pode proporcionar. Por lá, são cinco sabores - e cores - de massas (pimenta, bacon, ervas finas, alho roxo, tradicional) e diversos tipos de recheio à escolha do próprio cliente. Os pastéis são montados na hora e as misturas podem chegar a mais 200 combinações diferentes.

A pastelaria Sr. Silva aposta em pastéis com massa saborizada e mix de recheios que podem chegar a 200 combinações

A massa saborizada e colorida é a aposta da pastelaria Sr. Silva

“Temos recheio de salmão, camarão, bacalhau, cinco tipos de queijos, incluindo provolone cream cheese, cheddar, além de acompanhamentos, como milho, azeitona, cebola, alho poró, geleia de damasco, abacaxi, tudo que você puder imaginar”, enumera Nikollas Campos, um dos sócios do estabelecimento.

Por lá, o tradicional dá lugar ao gourmet e o ambiente de bar, diferente das lanchonetes tradicionais para lanche rápido, atrai famílias e amigos para happy hour e até aniversários.

“As pessoas hoje saem de casa com a família para ir lá comer pastel. É realmente um passeio. Então, a gente oferece chopp, cervejas diferentes e muita variedade, além de entradinhas também relacionadas a pastel, como os mini pastéis, porções de tirinhas, que é o mix de massas para a pessoa degustar com molhinho especial. Isso é muito atrativo e faz muito sucesso”, relata.

Pastelaria aposta em massas diferentes

Pastéis são rechados e fritos na hora

Como os recheios dos pastéis podem ser infinitos, Nikollas conta que é possível brincar em datas comemorativas, como o Halloween, quando fizeram pastéis de massa preta, ou entrando na onda do filme “Barbie”, com pastéis cor de rosa. “No Natal, a gente lançou uma edição limitada de peito de peru com abacaxi e o outro de chocotone”, comenta.

A empresa é nova, nasceu em 2019, com a proposta de trazer um produto mais robusto, e cresceu, apesar da pandemia. Hoje, os donos têm planos ambiciosos de expansão. Com meta de crescer 20% em faturamento neste ano, a expectativa é abrir outras duas unidades ainda em 2024 e expandir para o modelo de franquia.

Mas, afinal, por que o pastel é uma iguaria tão popular?

Na visão de Antônio Lara, o pastel é um produto barato e que traz saciedade. “É uma massa simples com recheio que pode variar, você pode fazer pastel de praticamente tudo que quiser, salgado ou doce. É também uma coisa rápida que te dá a sensação de ter se alimentado. Além da questão da própria fritura, né? A gente tem essa predileção pela fritura”, opina.

“A massa é uma coisa que é muito popular, muito fácil de gostar e você tem a possibilidade de recriar com o que você quiser. Então você junta a fritura da massa, que é uma coisa muito tradicional, e ainda pode escolher o recheio. É um produto amado pela diversidade que ele oferece”, avalia Nikollas Campos.

“O mineiro gosta muito de bar, de boteco, de beber. E o pastel combina muito, né? Porque é um tira-gosto gostoso, leve, fácil de fazer, barato. Então, assim, todo mundo gosta de um pastelzinho, né?”, opina Juliana Bahia.

“É um negócio rápido, fritou, comeu. E é uma tradição, meus pais, quando vinham na cidade, comiam um pastelzinho, tomavam um guaraná. É um produto muito popular”, diz Alexandre.

“O pastel é um produto de gosto nacional. Se você chegar em um boteco que não tem um pastel, ele não é um boteco raiz, né? Então, assim, o produto pastel é de muito interesse por vários aspectos”, avalia Pedro Henrique Oliveira.

Vale a pena investir em pastelaria?

Na visão do consultor de negócios Pedro Henrique Oliveira, o pastel é um produto muito rentável e interessante por diversos motivos. Diferente de outros tipos de negócios que surgem em um “boom” de novos estabelecimentos e depois caem no esquecimento, as pastelarias são algo que se mantém vivo e interessante por muito tempo. “O pastel é de gosto nacional, não só do mineiro. Hoje o centro de São Paulo, por exemplo, cresceu demais no ramo das pastelarias”, diz. 

Pedro Henrique pontua que uma das vantagens é a facilidade de produção. “Para quem produz é muito interessante, porque é uma mão-de-obra não qualificada. Você faz ali um recheio padrão de carne, de queijo, de pizza, de frango e não requer mão-de-obra elaborada para fechar um pastel. Além disso, poucos produzem a própria massa”, avalia.

Na visão do consultor, o pastel é ainda um produto barato e que gera lucro. Segundo ele, há locais que vendem o quilo de massa de pastel por R$ 22. “Dependendo do tamanho do pastel que você quiser, ela dá até 120 pastéis”, calcula. 

Outro aspecto levantado por Pedro Henrique é a possibilidade de variar os sabores. Ele, inclusive, é dono de um estabelecimento dentro do Mercado Central e oferece dois tipos de recheio de pastéis: cupim com queijo e quiabo com queijo. “Todo mundo chega e torce o nariz: ‘nossa, pastel de quiabo?’, até comer o primeiro e apaixonar”, defende.