ECONOMIA

Sem democracia, acordos internacionais do Brasil seriam invalidados

País poderia ter o processo de entrada na OCDE paralisado, além de sofrer sanções econômicas e limitações no Mercosul


Publicado em 10 de janeiro de 2023 | 16:58
 
 
 
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Após o vandalismo terrorista na Praça dos Três Poderes no último domingo (8), o Brasil observou um extenso apelo internacional em apoio à democracia e às instituições brasileiras. Líderes internacionais como os presidentes dos Estados Unidos, Joe Biden, e da França, Emmanuel Macron, se juntaram a outros atores políticos mundiais e personalidades como o Papa Francisco na condenação aos atos desencadeados por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em Brasília. 

Mas qual seria a reação da comunidade internacional e os impactos ao Brasil caso a invasão às sedes do Executivo, Legislativo e Judiciário resultasse em uma destituição do recém-empossado governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT)? A reportagem de OTEMPO ouviu especialistas que citaram o risco de um isolamento econômico do Brasil, instabilidade para atração de novos investimentos e dificuldades de ingresso na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e em participar de tratados internacionais.

Professor associado da Fundação Dom Cabral e ex-diretor de Política Econômica do Banco Mundial, Carlos Primo Braga lembra que a manutenção do Brasil do Mercosul também estaria sob suspeita. A organização regional da América do Sul prevê, no Protocolo de Ushuaia, a possibilidade de suspensão de direitos e obrigações dos Estados signatários que não são adeptos a preceitos democráticos. 

“Em diferentes áreas internacionais, os tratados têm cláusulas de respeito à democracia. No Mercosul, basta lembrar que a Venezuela está com a aplicação em limbo por causa de um governo autocrático”, ilustrou o docente. Carlos Primo também citou o caso da entrada da Rússia na OCDE, paralisado desde a invasão na Crimeia. “A Rússia iniciou esse processo há mais de 10 anos atrás e está paralisado. Não é apenas uma questão da democracia em si, mas de respeito às regras das nações unidas sobre soberania de outros países”, acrescentou o docente. 

O ex-diretor do Banco Mundial lembrou que as relações econômicas com países europeus poderiam ser ainda mais fragilizadas, já que a União Europeia tem vetos a importação de produtos com origem no desmate ilegal. No Brasil, o principal risco está relacionado ao envio de carnes bovinas e soja ao exterior. “O governo Bolsonaro criou um ambiente negativo com políticas ambientais esdrúxulas que geraram uma série de reações principalmente na Europa. O Brasil hoje já enfrenta uma série de restrições por parlamentos nacionais”, analisou Carlos. 

No mesmo sentido, Christian Lynch, cientista político e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), afirmou que caso a tentativa de alterar a ordem democrática se consolidasse em Brasília, o apelo internacional representaria um grande isolamento ao governo brasileiro. “Obviamente, todos os países que deram solidariedade ao presidente Lula e à democracia no Brasil, iriam condenar o golpe de Estado e aplicar sanções econômicas ao Brasil”, refletiu o professor. 

Para Christian Lynch, as falhas na política externa do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro dificultariam a ampliação ou manutenção das relações econômicas do país. O cientista político lembrou a declaração do ex-ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, sobre o isolamento do país internacionalmente. “Uma vez que o Brasil não tem um grande poder de barganha no mercado internacional, muito pelo contrário, o governo Bolsonaro tinha como política nas palavras do próprio chanceler ‘transformar o Brasil em pária’, é evidente que não teria quase que a solidariedade de ninguém”, complementou o professor. 

Apoio fortalece governo 

Por outro lado, o apoio recebido pelo governo de diferentes países fortalece o governo inteiramente, mas também aos olhos do mundo. Nesta segunda-feira (09), em ligação ao presidente Lula, Joe Biden reforçou o compromisso com a democracia brasileira e convidou o atual chefe do Executivo nacional para uma visita a Washington em fevereiro. Vale lembrar que, assim como o Brasil, os Estados Unidos sofreram ataques parecidos com a invasão ao Capitólio por apoiadores do ex-presidente Donald Trump. 

O professor Carlos Primo Braga citou acertos do governo Lula para restabelecer a ordem em Brasília como um dos fatores que contribuíram para a obtenção de apoio internacional. “De maneira geral, todos os governos democráticos ao redor do mundo representaram apoio ao presidente Lula e à democracia brasileira. Certamente há uma grande preocupação se acontecesse alguma saída antidemocrática no Brasil. Isso traria implicações a toda América do Sul”, disse o docente ligado à Fundação Dom Cabral. 

Christian Lynch, da FGV, destacou que o apoio ao governo Lula também é uma tentativa de outras democracias afastarem movimentos de extrema direita. “O governo Lula sai muito fortalecido politicamente e, ao contrário, o ideário de extrema direita sai muito prejudicado. Houve uma declaração neste sentido do próprio líder do Chega, que é o partido de extrema direita de Portugal, dizendo que o ataque à praça dos Três Poderes foi um desastre para a causa que ele representa. Isso inclusive é muito bom para o Brasil, porque mostra que não existe nenhuma possibilidade de apoio estrangeiro para uma aventura como esta”, arrematou o cientista político. 

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