Parece que as empresas de transporte não receberam tão bem, como queria o governo, a inclusão de caminhões e ônibus no programa de descontos para carros populares, que visa reaquecer as vendas do mercado automotivo, que passa por uma crise. O clima, segundo Gladstone Diniz Lobato, presidente do Sindicato das Empresas de Transportes de Cargas e Logística (Setcemg), é de desconfiança. “Tivemos um programa deste no governo Dilma e uma enxurrada de caminhões entrou no mercado. A oferta muito grande acabou atrapalhando o setor de transportes”, observa Lobato.
O presidente do Setcemg cita o Programa BNDES de Sustentação do Investimento (BNDES PSI), que em 2013 ofereceu linhas de crédito para aquisição de caminhões e ônibus com juros abaixo da inflação. Muitos, como Lobato, acreditam que o aumento da frota pressionou o preço do frete para baixo, reduzindo as margens de lucro das transportadoras. Apesar disso, um estudo do próprio BNDES mostrou que, entre 2011 e 2012, houve a transição da tecnologia dos motores a diesel. A exigência de adotar as normas do protocolo Euro V levaram ao aumento da frota, independente do subsídio do governo.
Nessa segunda-feira (5), o governo federal deu mais detalhes sobre a iniciativa, que visa também renovar a frota de veículos no país. Para ter direito ao desconto, a pessoa interessada terá que entregar a sucata do veículo, com mais de 20 anos de uso. Os novos modelos emitem até 98% menos material particulado na atmosfera do que a frota que sairá de circulação.
Haverá um período exclusivo, de 15 dias, para vendas exclusivas para pessoas físicas. Os consumidores poderão adquirir modelos leves, semileves, médios, semipesados e pesados; e ônibus urbanos e rodoviários.
Os descontos nos caminhões e ônibus vão de R$ 33,6 mil a R$ 99,4 mil e serão proporcionais: eles aumentam à medida que o veículo fica mais caro. Estes valores serão abatidos no momento da compra, junto às concessionárias, que posteriormente poderão transformar o montante em crédito tributário.
No total, o pacote prevê R$ 1,5 bilhão para baratear os veículos. Serão R$ 500 milhões para carros, R$ 700 milhões para caminhões e R$ 300 milhões para vans e ônibus.
Na tentativa de garantir essa reserva financeira, o governo voltará a cobrar parte dos impostos federais - PIS/Cofins e IPI - sobre o diesel, de forma antecipada. Os tributos retornam já em setembro, 90 dias antes do prazo previsto. "A gente já tinha feito essas contas e vimos que aumenta em cerca de R$ 0,15 no preço do litro do Diesel", explica o presidente da Setcemg.
Ele observa que o sindicato, claro, não é contra o subsídio, mas que é preciso clareza nas regras e critérios. Os R$ 700 milhões para caminhões, segundo ele, atenderiam apenas cerca de mil veículos no país. “Para o Brasil todo é pouco. Eu tenho caminhões na faixa dos R$ 900 mil. São muitas categorias”, explica.
O presidente da Setcemg conta que tem orientado os empresários a não contratarem financiamentos se não tiverem dinheiro em caixa. “Quero saber quanto vou pagar no caminhão depois. Com juros [básicos] de 13,75%, não vale a pena. Depois tem que faturar muito para pagar. Não arrisco investimento”, explica.
Há dois anos, a taxa média de juros de automóveis pelos bancos e financeiras era de 1,72% ao mês. Atualmente, ela está em 2,25%, segundo a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, Administrativas e Contábeis de Minas Gerais (Ipead/UFMG).
Segundo Miguel José Ribeiro de Oliveira, diretor executivo da Associação Nacional de Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), o desconto anunciado pelo governo vai ser anulado pelo preço que a pessoa vai pagar em juros no pagamento a prazo. “Quando você faz o financiamento, você tem que pagar da primeira à última parcela o valor que foi contratado”, explica.
Uma possível queda da Selic, esperada por analistas em setembro, também não traria o benefício desejado, visto que o programa do governo só vai durar quatro meses e os efeitos da redução da taxa básica são sentidos pelo consumidor com um prazo de, no mínimo, seis meses.
Anúncio de programa, sem explicação de regras, levou à perdas no setor em maio
Só a especulação sobre o programa, anunciado no dia 25 de maio pelo vice-presidente Geraldo Alckmin, causou prejuízo ao mercado de veículos no último mês. O movimento nas concessionárias despencou na última semana.
Nesta terça-feira (6/06), a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) divulgou que o mercado vendeu mil veículos a menos em maio. E, para a Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave), maio foi o pior mês desde 2016 para vendas de automóveis e comerciais leves zero km. A queda foi de 10,3% na média das vendas diárias, sobre abril, mesmo com 4 dias úteis a mais.
As locadoras de veículos, por sua vez, responsáveis por mais da metade da compra de carros novos no país, ficaram com os pedidos parados desde o anúncio do programa .