Uma decisão a ser tomada pela 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), pautada para ocorrer no próximo dia 12, pode afetar o principal acionista da Usiminas, uma das maiores siderúrgicas do Brasil, com uma gigante unidade fabril instalada em Ipatinga, no Vale do Aço. Um dos efeitos seria a descapitalização do controlador, o grupo ítalo-argentino Ternium, hoje ocupando a cadeira da presidência da siderúrgica. O litígio, que envolve a também siderúrgica CSN, já dura cerca de dez anos e diz respeito à compra de 27,7% das ações da Usiminas pelo grupo ítalo-argentino.
O imbróglio remonta ao ano de 2011. Na ocasião, a CSN, segundo fontes do mercado, tentava ampliar seu controle sobre a Usiminas, na qual já fazia parte dos acionistas, por meio de aquisição de ações na Bolsa de Valores de São Paulo, tentando, assim, uma operação de compra ou fusão entre as empresas. A tentativa foi frustrada com a compra das ações detidas pela Camargo Corrêa e Votorantim (que dividiam o grupo de controle da Usiminas com os japoneses da Nippon Steel e a Previdência Usiminas) pela Ternium, também em 2011.
Desde esse momento, a CSN tentou todos os meios legais para forçar a Ternium a comprar todas as ações de minoritários pagando 80% do preço da aquisição. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que atua como uma espécie de xerife do mercado de capitais, definiu que não era necessário realizar o tag along das ações dos minoritários (um mecanismo de proteção a acionistas minoritários de uma companhia que garante a eles o direito de deixar uma sociedade caso o controle da companhia seja adquirido por um investidor que até então não fazia parte dela) porque os vendedores não tinham o controle da Usiminas.
Dessa forma, a CSN, com ações minoritárias, então, buscou reverter a decisão da CVM no Judiciário para forçar a compra de suas ações (cerca de 12,9% do total das ações). Foram anos de discussões na primeira e na segunda instância, mas novamente a tese do tag along foi rejeitada, e o Judiciário reconheceu que a Ternium não tinha obrigação de comprar as ações. “É importante relembrar que a Ternium e a Nippon Steel tiveram uma séria disputa judicial entre 2014 e 2018, um cenário improvável se a Ternium controlasse a empresa de fato”, revelou fonte próxima das negociações na época.
A última etapa desse processo está no Superior Tribunal de Justiça. Em março deste ano, o STJ analisou o mérito e confirmou a decisão da CVM, e também da primeira e da segunda instância, de que a Ternium não precisava realizar a Oferta Pública de Ações (OPA) em 2012. O STJ rejeitou o pedido de indenização da CSN por três votos a dois. Apesar da decisão técnica, a siderúrgica carioca, que tem unidade em Volta Redonda (RJ), recorreu com embargos de declaração para questionar os trâmites do processo judicial. Mas, com a morte do ministro Paulo de Tarso Vieira Sanseverino e a declaração de impedimento do ministro Marco Aurélio Bellizze, dois novos ministros do STJ foram convocados para analisar o processo. Nesse momento, a votação está em 2 a 2, e um quinto ministro está analisando o caso para dar a sua opinião. Caso a CSN ganhe o voto de Minerva, a Ternium terá que desembolsar cerca de R$ 5 bilhões para indenizar a empresa por não ter realizado a compra de todas as ações da Usiminas em 2012. A Ternium informou na última divulgação de resultado sobre o valor do processo judiciário, mas o valor não está provisionado. Nesse caso, A CSN ganharia a indenização e continuaria com seus papéis, cerca de 12,91% do total de ações.
Procurada pela reportagem de O TEMPO, a CSN informou que “a companhia tem como política não comentar quaisquer especulações de mercado”. Usiminas e Ternium também não se pronunciaram sobre o tema.
O voto derradeiro do STJ, do ministro Antonio Carlos Ferreira, evolve, então, o pedido de indenização de quase R$ 5 bilhões, a ser paga pela Ternium, a respeito da compra de participação na Usiminas. Minoritária da Usiminas, a siderúrgica do Rio tenta pleitear, desde 2012, esse tag along para que os minoritários vendam suas ações em caso de compra do controle.
Mas tem outra ação correndo na Justiça envolvendo a CSN e Usiminas. A Justiça Federal determinou que até julho de 2024 a CSN conclua a venda de suas ações na Usiminas. A companhia vem tentando escapar dessa obrigação desde 2014, mas a 11ª Vara Cível de Belo Horizonte determinou que os papéis, estimados hoje em R$ 1,3 bilhão, sejam colocados no mercado.
Impacto no mercado siderúrgico
Segundo uma fonte ligada ao setor siderúrgico, o possível pagamento de R$ 5 bilhões pela Ternium teria impacto no caixa da hoje principal controladora da Usiminas, em um cenário que não está propício para o setor siderúrgico brasileiro, abalado pelo excedente de oferta de aço no mercado interno provocado pelas importações de produtos chineses, que estão chegando mais baratos ao Brasil e provocando uma concorrência complicada para as grandes siderúrgicas. A própria Usiminas já admite desligar o alto-forno 1 e deixar de contratar 600 profissionais para adequar a oferta à demanda. Outras siderúrgicas, como Gerdau e Aperam, já estão revendo investimentos e contratações e diminuindo a produção por causa da concorrência com os chineses. As siderúrgicas, por meio também da entidade que as representa, o Instituto Aço Brasil (IABR), pedem ao governo federal para aumentar a taxa de importação do aço da China para proteger o mercado brasileiro. No entanto, o pleito não foi atendido ainda, apesar dos efeitos já reais na siderurgia nacional.
Insegurança jurídica no mercado de capitais
Segundo fontes do mercado, uma reversão da decisão de mérito do STJ pode impactar diversas outras operações societárias no Brasil. “A segurança jurídica no país foi conquistada nos últimos anos com um grande esforço das instituições para respeitar contratos e regras consagradas do direito societário do Brasil e internacional. Permitir que a CSN mude um entendimento técnico confirmado em todas as instâncias do Judiciário e da CVM pode trazer consequências imprevisíveis no mercado de capitais brasileiro, afugentando investimentos”, disse uma fonte próxima das partes envolvidas no imbróglio jurídico entre as siderúrgicas.
“O que está em xeque é a compra de participação em blocos de controle, uma estrutura societária bastante comum no país. Se o voto for favorável à CSN, a Justiça pode abrir uma jurisprudência nas operações de fusão e aquisição (M&A, na sigla em inglês), podendo gerar uma série de ações nesse sentido. Não há casos importantes que foram à Justiça sobre o ‘tag along’, ou seja, o julgamento em questão vem sendo tratado como um ‘leading case’, ou seja, um caso com potencial de influenciar outros processos”, completa a mesma fonte.
Gustavo Machado Gonzalez, ex-diretor da CVM, advogado, parecerista e árbitro em questões de direito societário e regulação do mercado de capitais, concorda com a tese de insegurança jurídica. Segundo ele, uma possível decisão do STJ favorável à CSN “muda a regra do jogo depois que a partida já foi jogada e pode afetar aquisições futuras no mercado de capitais e criar incertezas, também, para as já realizadas”.
“As Ofertas Públicas de Aquisição (OPAs) por alienação de controle são, possivelmente, um dos exemplos mais evidentes no direito brasileiro da necessidade de segurança jurídica. Ao estabelecer que a alienação, direta ou indireta, do controle de companhia aberta impõe a realização de OPA, cria-se um grau de imprevisibilidade ao adquirente de controle, que, na partida, não tem certeza sobre quantas ações vai adquirir – e, consequentemente, sobre o volume de recursos que terá que despender ao final da operação”, disse.
Segundo ele, o STJ respeita decisões de instâncias técnicas, como a CVM, e acredita que isso pode pesar na decisão do dia 12 de dezembro. “A CVM analisou o tema detidamente e decidiu, de forma absolutamente coerente com os seus precedentes, que não houve, no caso, alienação de controle, posição adotada tanto pela área técnica quanto pelo colegiado. E, no Poder Judiciário, o mesmo entendimento foi acolhido por diversas decisões, inclusive pelo próprio acórdão do STJ que julgou o recurso especial do caso”, informou.
“Essa previsibilidade, duramente construída, reflete o salutar amadurecimento do mercado brasileiro – uma conquista que deve ser reconhecida e preservada. Controvérsias jurídicas relacionadas à hipótese de incidência de uma regra que impõe custos tão relevantes não contribuem em nada para o desenvolvimento de um mercado pujante, no qual empresários e investidores se sintam confortáveis para acessá-lo. Por isso, deve ser vista com preocupação a possível reversão de entendimento no caso de suposta alienação de controle da Usiminas pelo STJ em embargos de declaração, cujo alcance é notadamente restrito para hipóteses de omissão, contradição ou obscuridade, o que não parece existir no extenso e preciso voto vencedor”, concluiu Gustavo Machado Gonzalez.