Vizinhança

‘Vem morar no centro de BH’: o que atrai prédios novos e reformas à área central

Urbanistas e membros da prefeitura desejam aumentar o número de moradores do hipercentro; para isso, mercado imobiliário aposta em reformas de prédios antigos

Por Gabriel Rodrigues
Publicado em 19 de dezembro de 2022 | 03:06
 
 
 
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Em vez do porcelanato liso que cobre o piso de novos imóveis, metros de taco de peroba revestem um apartamento no 11º andar de um antigo edifício de esquina na rua dos Tupinambás, no centro de Belo Horizonte. Para ampliar a cozinha e a área de serviço, o pedreiro derrubou paredes sem preocupação — “A estrutura de prédio antigo é muito boa”, diz ele — e as janelas de ferro com décadas de idade foram trocadas por peças de alumínio bem vedado, mas mantendo a amplitude, que dá para uma vista dos fundos do prédio vizinho. A reforma completa do apartamento está custando entre R$ 30 mil e R$ 40 mil, mas o proprietário, o consultor do mercado imobiliário João Lacerda, aposta que poderia vendê-lo por R$ 200 mil a mais.

Seu plano atual, entretanto, é terminar a reforma e colocar o apartamento para alugar na plataforma de hospedagem AirBnB — “Conseguiria ganhar três, quatro vezes mais do que com o aluguel regular”, estima. Só falta combinar com os vizinhos, muitos deles idosos que vivem há décadas no lugar e não querem desconhecidos circulando pelos corredores. Também falta combinar com quem torce o nariz para o centro de BH, que, para o empreendedor, é alvo de discriminação. “Existe um preconceito muito grande com o centro, de que é sujo, perigoso. Até então, ele não tinha um status muito legal, mas você pega o Mercado Novo, o Maletta, e eles estão dando um novo conceito ao centro e criando um clima familiar”, reflete.

Consultor do mercado imobiliário, João Lacerda está reformando um apartamento na rua dos Tupinambás

Como ele, uma série de empreendedores está apostando alto em imóveis no centro de BH. Há desde novas construções sendo erguidas do zero a prédios antigos até então comerciais que são reformados para ser convertidos em apartamentos residenciais — um processo chamado retrofit. Urbanistas e membros da própria prefeitura defendem a idealização de um projeto de moradia popular no centro, com atração de trabalhadores de baixa renda para a região com subsídio de aluguéis. Enquanto isso não sai do papel, o mercado imobiliário avança na área e foca em apartamentos relativamente pequenos para estudantes, idosos e jovens casais.

Quase na esquina da rua Espírito Santo com a avenida Augusto de Lima, o edifício Pio XII, propriedade da Cúria Metropolitana, foi, durante décadas, um prédio comercial, até que começou a se esvaziar e chegou a ficar seis anos fechado antes de começar a passar por uma reforma. Agora, converteu-se em um prédio residencial com 161 apartamentos, que vão de 25 m² a 68 m², com um salão de festas, uma academia e uma lavanderia em construção. Os moradores começaram a chegar ao prédio neste ano e, até agora, pouco mais de 60% das unidades foram vendidas, a preços a partir de R$ 250 mil, segundo um dos representantes da Fox Imobiliária, que conduz o empreendimento, Carlos Bicalho.

Fachada do edifício Pio XII, na rua Espírito Santo, que passou por um retrofit

“Tem muito investidor que compra para alugar, estudantes e idosos. Depois do Enem, veio gente de Natal, de São José dos Campos, moças que fazem medicina”, lista ele. Os apartamentos preservam o piso original de madeira e, no chão do hall de entrada, brilha o mármore dos tempos áureos do comércio no edifício. Mas todo o resto tem ares de modernidade, do cinza das paredes nos corredores aos elevadores modernos. É um processo parecido com o que ocorreu com o antigo hotel Excelsior, que, após uma reforma, comporta 152 apartamentos em frente à rodoviária.

É um método que pode ser mais barato do que construir um novo prédio, mas que está sujeito a surpresas, explica o urbanista Washington Fajardo, ex-secretário municipal de Planejamento Urbano do Rio de Janeiro que está assessorando o Conselho de Desenvolvimento Econômico, Sustentável e Estratégico de Belo Horizonte (Codese-BH).  “Os processos de construir um prédio novo são controlados, você tem uma base de custos muito bem definida, mas é uma indústria lenta, com uma média de cinco anos para construir em um terreno vazio. Já reformar é um pouco mais complexo, porque você não sabe o que vai encontrar quando começar a mexer em uma parede, então é um planejamento financeiro mais complexo”, avalia.

Ele defende que o poder público ofereça incentivos para desenvolvimento do retrofit, já que, detalha, as reformas são uma alternativa mais sustentável do que novas construções. “O retrofit tem uma pegada de carbono menor. Recuperar um prédio é muito melhor do que construir novos, do ponto de vista ambiental, porque o prédio ocioso já tirou da natureza o que precisava ser tirado. É uma reciclagem da cidade”, diz.

Em meio a tantos empreendimentos, é necessário cuidado para não desaguar na gentrificação, quando a população de um local é expulsa para dar lugar a lugares e pessoas de classes mais altas, reforça o arquiteto e urbanista Roberto Andrés, professor da UFMG. “Não tenho nada contra essas habitações do mercado, com jovens de classe média morando no centro. Mas só isso não gera a diversidade justa e necessária para a cidade, se a maioria da população estiver morando nas periferias, gastando duas horas para ir trabalhar no centro”, diz. 

Ele reflete que, no contexto do programa Mina Casa Minha Vida — atual Casa Verde e Amarela —, muitas famílias foram atraídas por empreendimentos distantes das áreas centrais, erguidos em massa por construtoras, mas que o novo governo federal, aliado aos governos locais, agora tem a oportunidade de seguir no caminho contrário e incentivar a reocupação do centro. 

Novas construções no centro de BH em dificuldade

De olho nos aluguéis, o empreendedor Igor Amaral está erguendo um prédio residencial de 12 andares na avenida Augusto de Lima, ao lado do Sesc Palladium. A intenção é alugar os 24 apartamentos — de 47 m² a 104 m² — por valores estimados a partir de R$ 2.500, mas que podem mudar, já que o empreendimento só será inaugurado em 2024. “Visualizo estudantes, principalmente, vindos do interior, morando aqui. E idosos já param na obra perguntando o preço”, diz. 

Quase 60 funcionários trabalham na construção, que impõe desafios particulares. “Ficamos muito limitados com os horários da obra e na mão da BHTrans por causa do trânsito, e a limpeza também tem que ser cuidadosa porque não podemos deixar sujeira na rua”, lista. A vice-presidente da Câmara do Mercado Imobiliário e Sindicato da Habitação de Minas, Flávia Vieira, afirma que, além de problemas de mobilidade e segurança, a legislação da capital traz restrições que afastam o interesse a novos empreendimentos imobiliários no centro. 

Ela cita questões como a outorga onerosa para se construir na região e quantidade de vagas de garagens para novos prédios. Há também queixas sobre os recuos na calçada e altura dos prédios. “Da maneira como está hoje, eu acho que é complicado [ter mais construções]. Teria que haver um avanço muito grande não só em legislação, mas em segurança, trânsito e também incentivos fiscais, porque é muito caro”, detalha Vieira. 

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