ECONOMIA

Voltar a morar com pais é alternativa para fugir do aluguel alto

Com orçamento apertado, jovens e adultos de classe média precisam abrir mão de sua independência

Por Rafael Rocha, com colaboração de Tatiana Lagôa e Queila Ariadne
Publicado em 26 de janeiro de 2022 | 00:02
 
 
 
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Enquanto as cidades brasileiras veem suas praças e calçadas serem cada vez mais ocupadas por pessoas em situação de rua, as classes média e baixa não ficam imunes ao problema da moradia. Com o esfacelamento da renda média do brasileiro, o efeito cascata atinge em cheio também pessoas que vivem no aluguel. Procurar um imóvel com valor mais barato tem sido uma alternativa para várias famílias. Em outros casos ainda mais críticos, pessoas que não têm a quem recorrer estão batendo à porta dos guichês assistenciais do poder público.

Mãe solo de dois filhos, de 13 e 2 anos, Paula Fernandes Pessoa, 35, tem passado por momentos difíceis desde que perdeu o emprego, há sete meses. No início, o seguro-desemprego ajudava em parte das despesas. O auxílio de amigos também aliviava. “Não dá para ficar pedindo ou dependendo dos outros. É uma situação muito complicada”, diz. Com o aumento dos preços de itens de alimentação básica, aliado à dificuldade em se recolocar no mercado, Paula teve que buscar alternativas. 

A saída foi ir morar na casa construída pela mãe, no Morro do Papagaio, comunidade da região Centro-Sul da capital. Ela divide o terreno com outros dois irmãos, que moram na parte de cima do imóvel. “Eu não me vejo feliz aqui. Quero muito ter meu cantinho para ficar tranquila com meus filhos, mas, do jeito que as coisas estão, não sei quando vou conseguir”, assume. O andar de baixo ela compartilha com seus filhos, mas é temerosa devido à precariedade na estrutura da casa, especialmente por causa de chuva. 

Voltar a morar com a mãe também foi a forma encontrada por Camila Vilela para economizar. Aos 39 anos, a relações públicas preferiu cortar gastos com moradia a passar apertos financeiros por causa de aluguel, cujo valor aumentou para R$ 1.700 no início da pandemia. “Tentei renegociar, mas o proprietário não quis”, lembra. Há dois meses ela mudou-se do centro para o Alípio de Melo. Outro sinal da crise é que o apartamento onde ela morava ainda não conseguiu novo inquilino. “Depois de sete anos morando sozinha, foi difícil a readaptação, mas tem sido legal ficar mais tempo com minha mãe”, diz Camila, que aguarda o valor dos aluguéis baixarem para voltar a ter um lugar somente seu. “No momento, está impraticável”, reclama.

Demanda por auxílio no aluguel sobe 141% 

Entre as alternativas de combate ao déficit habitacional em BH, o programa de Locação Social oferece subsídio a pessoas de baixa renda para custos com aluguel de residências. A iniciativa existe desde dezembro de 2019, pouco antes da pandemia. Desde então, o número de famílias que procuram pelo benefício tem aumentado bastante. Somente no ano passado, a elevação na demanda foi de 141%, passando de 29 contratos ativos em 2020 para 70.

Outros dois mecanismos foram aprovados recentemente na capital. Em dezembro de 2021, foi aberta licitação para a construção de 296 unidades habitacionais até 2025 em sistema de cogestão. Também em dezembro foi publicado pela prefeitura o programa Compra Compartilhada de Imóvel. A prefeitura informou que a meta é auxiliar, entre 2022 e 2025, 600 famílias de baixa renda no financiamento habitacional com valores de subvenção entre R$ 32 mil e R$ 42 mil. 

Compreender as demandas de moradia dessa faixa mais carente da população é fundamental para o desenvolvimento de políticas públicas, como defende o professor Wellington Migliari. “A classe média baixa começará a fazer parte dessa família com dificuldades para morar nos próximos anos se não houver uma política habitacional de longo prazo”, diz o pesquisador, membro do programa Polos de Cidadania, da Faculdade de Direito da UFMG. 

Locação de imóveis 12% mais cara em BH

Entre os vários efeitos, a pandemia também trouxe o aumento do home-office. Mais gente ficando em casa movimentou o mercado imobiliário, e a procura por aluguel de imóveis maiores em lugares mais afastados cresceu. Então a crise econômica se agravou, o desemprego subiu, a renda caiu e um movimento contrário ganhou força, com alta na procura de imóveis mais baratos para alugar. Nesse vai e vem de incertezas, o certo foi que o custo da moradia ficou mais caro. A chamada inflação do aluguel, baseada no Índice Geral de Preços-Mercado (IGP-M), encerrou 2021 em 17,7%, mas, em meados do ano, o indicador bateu a marca dos 30%. 

Acontece que não foi só o custo da moradia que subiu, e o dinheiro ficou mais curto. A necessidade de ajustar a distância do índice de correção em relação à realidade do brasileiro desencadeou uma onda de substituição do indexador. A vice-presidente das administradoras de imóveis da Câmara do Mercado Imobiliário e Sindicato das Empresas do Mercado Imobiliário de Minas Gerais (CMI/Secovi), Flávia Vieira, explica que o cenário fez muita gente abrir mão do IGP-M e adotar o IPCA. “Com isso, os reajustes de locação residencial subiram 12% em média, mais perto do IPCA, que era um índice mais justo para o momento”, afirma Flávia. 

As estatísticas de 2021 ainda não estão fechadas, mas Flávia avalia que o ano foi de mais devoluções do que de novas locações. “Com a necessidade de ajustar o orçamento, muita gente voltou para casa dos pais”, observa. 

Na imobiliária Céu-Lar, o reajuste médio ficou em 12%. A diretora Daniela Magalhães ressalta que o ano foi de intensa negociação tanto nos contratos residenciais como nos comerciais. “Foram acordos bem individualizados, de acordo com a realidade de cada um, para que achássemos um ponto de equilíbrio para ambos os lados. Em alguns contratos, os proprietários aceitaram até receber depois”, lembra. 

Agora, a demanda por novas locações está mais baixa. Enquanto, de dezembro para janeiro de 2021, o número de imóveis foi de 2.204, no mesmo período de 2022 caiu para 1.173 locações, redução de 46%.

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